Benedito Tadeu César
Os deputados do PMDB gaúcho passaram a ler e a escrever todos pela mesma cartilha. Ao menos é o que se pode deduzir a partir dos artigos assinados pelo líder do governo e pelo ex-presidente do partido e da ALERGS, publicados, respectivamente, no Correio do Povo, em 18 de fevereiro, e em Zero Hora, em 28 de fevereiro.
De acordo com os argumentos brandidos pelos eminentes deputados, todos os que ousam discordar das medidas de “modernização” propostas pelo governador Sartori e acatadas incontinente pelos governistas são “pseudointelectuais ideológicos” e/ou “academicistas divorciados dos anseios sociais” que defendem posturas corporativas e interesses individuais retrógrados.
O conceito de ideologia tem como fundamento a tentativa de obscurecer a realidade para favorecer interesses não muito louváveis. Assim sendo, talvez o epíteto de ideológico se adeque melhor aos que fazem afirmações sem comprovação e apresentam projetos sem estudos especializados que os justifiquem.
Segundo o que afirmam os doutos deputados, as atitudes do governo do Estado são “corajosas”, voltadas para “a totalidade da população”, “em tamanho condizente com as possibilidades de mantê-lo eficiente” e, suprema eficácia, não incluem “medidas de desmonte e nem perdas para os gaúchos”.
A se concretizar o que prometem, o governo produzirá muito melhores resultados do que todos os demais governos produziram desde os anos de 1980. Fará isso simplesmente demitindo cerca de 1.200 funcionários altamente capacitados e eliminando fundações notoriamente especializadas em suas funções.
Tudo o que as Fundações e seus funcionários executam será transferido para outros órgãos governamentais não especializados e com funcionários não treinados que, num passe de mágica, farão tudo que os anteriores faziam até aqui.
Com isso, as finanças do Estado sairão do vermelho, pois se produzirá a fantástica economia de cerca de 0,69% do orçamento do poder Executivo estadual executado em 2016!
Afirmam, as proeminentes lideranças, que “as propostas resultam de análise profunda”, que “as ações para resgatar o Estado do naufrágio foram debatidas Estado (sic) afora” e, ainda, que “uma pesquisa encomendada por entidades representativas do setor produtivo já revelou que 72,4% dos gaúchos aprovam o plano de Sartori”.
Não fica claro, entretanto, a que as insignes lideranças se referem quando afirmam a existência de “análise profunda”. Foram realizados estudos especializados dos impactos futuros das extinções e também das privatizações pretendidas? Quem os realizou?
Causa estranheza, também, que nunca tenham sido divulgadas as datas, as localidades e o número de presentes em cada debate realizado “Estado (sic) afora”. Por onde andarão os princípios da transparência, tão caros aos governos democráticos?
Não se questionam aqui os interesses que moveram o gesto dadivoso das “entidades representativas do setor produtivo” que financiaram a pesquisa referida. O que se pergunta, seguindo a boa técnica de pesquisa, é se os entrevistados foram inquiridos sobre o grau de conhecimento que julgavam ter do “plano de Sartori”, das competências e orçamentos das Fundações ameaçadas de extinção e dos balanços das empresas em iminência de privatização.
Nada disso veio à luz até hoje, não obstante tenha sido encaminhada ao governador Sartori, desde o dia 09 de janeiro, uma Carta Aberta encabeçada por 66 artistas e acadêmicos altamente reconhecidos em suas áreas de atuação (escritores, atores, músicos, cineastas, cientistas, médicos, psiquiatras, cientistas sociais, arquitetos, engenheiros e ex-reitores das principais universidades do RS) e que conta hoje com cerca de 1500 subscritores.
Sem a intenção de macular os excelsos líderes estaduais peemedebistas e governantes do RS com a suspeita de agirem de modo a confundir a opinião pública ao impor reformas não claramente apresentadas e não embasadas em estudos eficientes, o que caracterizariam posturas e procedimentos ideológicos, como signatário da Carta Aberta, reafirmo nossa disposição ao debate democrático e renovo os pedidos de audiência, de divulgação dos estudos e de instalação de um Fórum com representantes da sociedade civil para analisar a crise do Estado e elaborar alternativas para o desenvolvimento do RS.
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Benedito Tadeu César, intelectual e “academicista” da UFRGS (aposentado).