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5 de agosto de 2014
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17:55

A fobia ao popular, na religião e na política

Por
Sul 21
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Benedito Tadeu César*

Todo preconceituoso é sempre um prepotente, porque ignora a realidade, mas tem a firme convicção de que sabe mais do que todos os demais e despreza aqueles que têm opiniões divergentes das suas e/ou agem de modo diverso do seu. Dois acontecimentos recentes ilustram esta postura.

Templo de Salomão

Na última quinta-feira (31) foi inaugurado, em São Paulo, o Templo de Salomão, que servirá de sede mundial da Igreja Universal do Reino de Deus. Um templo com 74 mil m² de área construída e com capacidade para 10 mil pessoas sentadas (o dobro da Basílica de Aparecida), com uma fachada de 56 metros de altura (13 a mais do que a da Basílica de São Pedro, em Roma). Estiveram presentes na cerimônia a presidenta Dilma Rousseff, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad.

Alvo de críticas de boa parte da opinião pública, a obra e a presença de políticos na sua inauguração seriam a expressão da exploração (financeira e política) da fé das pessoas simples. Com um custo de R$ 680 milhões, segundo estimativas do Ministério Público, a construção do templo foi totalmente financiada por doações de fiéis e se tornará o destino de romarias vindas de todos os estados do Brasil e de todos os países onde a Igreja Universal se faz presente.

Segundo maior templo católico no mundo, a Basílica (Nova) de Aparecida começou a ser construída em 1954 e só foi inaugurada em 1982. Durante 28 anos recebeu doações para sua construção. Em 1955, Juscelino Kubitschek, então presidente da República, doou a estrutura metálica da Torre Brasília, com 100 m de altura, que foi construída como a primeira etapa da Basílica Nova. Em 1972, durante o governo Médici, no período mais violento da ditadura civil-militar brasileira, foi inaugurada a Passarela da Fé, com um percurso de 389 m, ligando a Basílica Velha à Basílica Nova, construída como se fosse parte da BR-116, rodovia federal que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, e totalmente custeada por recursos públicos.

A Basílica de São Pedro, sede mundial simbólica da Igreja Católica Apostólica Romana (a sede oficial é a Basílica de São João Latrão, também situada em Roma), cobre uma área de 23 mil m² e pode abrigar 60 mil pessoas. Foi construída com pedras retiradas do Coliseu e com bronze do Panteão Romano, processo semelhante ao que foi utilizado para a construção de diversas igrejas e catedrais católicas nas Américas, tais como o Convento de São Domingos, em Cuzco, Peru, edificado com as pedras e sobre as fundações do Templo do Sol (Qorikancha, cercado de ouro, na língua Quéchua), templo maior do Império Inca, e, ainda como a Catedral da Cidade do México, estabelecida sobre as pedras do templo asteca de Tenochtitlán, centro absoluto da vida religiosa mexicana.

Além dos recursos carreados de todas as regiões do mundo, para a construção e a manutenção da Basílica de São Pedro, também se dirigem para Roma todos os anos milhões de turistas e dezenas de milhares de políticos, em busca da salvação de suas almas e da aprovação divina para seus governos.

Como se vê, sem que se defenda, aqui, a construção do Templo de Salomão e a arrecadação de recursos de fiéis para a sua edificação, não se pode negar que a Igreja Universal do Reino de Deus não fez nada muito diferente do que a Igreja Católica (que em latim quer dizer universal) já não tenha feito para construir seus templos. Aliás, ambas são isentas, no Brasil, do pagamento de impostos, como todas as demais seitas religiosas legalmente registradas no país.

Brasileiro não sabe votar

Na segunda-feira (4), no programa Polêmica, da Rádio Gaúcha, de Porto Alegre, o apresentador Lauro Quadros submeteu aos ouvintes a seguinte questão: “Candidato foi preso, acusado de corrupção, poderá ser impedido de concorrer, mas lidera as pesquisas. Pelé tinha razão? O brasileiro não sabe votar?”

Tratava-se da candidatura a governador de José Roberto Arruda, ex-governador do Distrito Federal, que lidera com folga as pesquisas de intenção de voto, mesmo tendo sido preso por corrupção em 2010, responder a 12 ações penais por suspeita de envolvimento no “Mensalão do DEM” e ter sido condenado por improbidade administrativa. Como sua condenação ocorreu somente após o registro de sua chapa, Arruda tenta manter sua candidatura, alegando em juízo que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada ao seu caso.

Dois recordes foram estabelecidos no programa. O primeiro deles, relativo ao número de participantes, que atingiu a marca de 19.799 votantes na enquete. O segundo, relativo aos percentuais de respostas, já que 100% concordaram com a afirmação de que “Pelé tinha razão, o brasileiro não sabe votar”. Exatos 19.714 ouvintes que participaram da enquete concordaram com esta afirmação, enquanto apenas 77 (o que significa que apenas 0,38% ou bem menos do que 1%) concordaram com a afirmação oposta de que “Não, Pelé não tinha (razão). Escolhemos bem nossos candidatos.”.

Acusados de ignorância, de “não saber votar”, os eleitores que votam em políticos corruptos o fazem seguindo o mesmo critério que orienta a decisão de voto da maioria dos eleitores que os acusam de não saber votar. Votam ambos por um tipo de cálculo racional. Votam movidos pela avaliação que fazem do desempenho dos políticos sobre suas vidas e dos benefícios que podem conquistar com seus votos.

Milhares pretendem votar hoje em Arruda pelo mesmo motivo que milhões votaram em 1994 em Fernando Henrique Cardoso. Os primeiros, porque no governo de Arruda receberam lotes irregulares em áreas públicas do Distrito Federal, com o que solucionaram, ainda que precariamente, seus problemas de moradia. Os segundos, porque identificaram FHC como o mentor do Plano Real, que estancou a inflação de mais de 80% ao mês e estabilizou a economia do país, fazendo que antevissem a possibilidade de melhorar suas vidas. Votaram e votam ambos por um cálculo racional de ganhos e perdas.

Os que recebem pouco dos poderes públicos (e que são milhões) votam, muitas vezes, por gratidão e em retribuição de pequenos benefícios recebidos: um lote, um aterro, o asfalto da rua, a luz elétrica e, nos casos extremos, até mesmo uma camiseta, um boné, uma cervejada ou um jogo de camisas para o time de futebol. Mesmo quando vendem seus votos o fazem se mantendo fiéis à palavra empenhada e retribuindo aquilo que já receberam.

Os que recebem bastante dos poderes públicos (e que são poucos) votam, algumas vezes, por gratidão, quase sempre, para não correr o risco de perder o que já conquistaram e, se possível, para obter novos e melhores benefícios: segurança pública, saúde e educação gratuitas e de qualidade, políticas sociais e previdenciárias e, nos casos extremos, incentivos fiscais, empréstimos subsidiados e isenções de impostos. Mesmo quando votam pensando no bem-estar coletivo o fazem mirando no futuro e visando o que poderão obter além daquilo que já receberam.

Como se vê, sem que se defenda, aqui, o voto em corruptos notórios e a prática da venda de votos, não se pode negar que a maioria dos eleitores brasileiros sabe os motivos pelos quais decide o seu voto, ainda que as diferentes parcelas do eleitorado o façam de acordo com a posição social que ocupam e na proporção dos benefícios que recebem dos políticos e dos poderes públicos constituídos.

*Cientista político


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