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3 de abril de 2020
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18:46

Só os pobres vão pagar a conta da crise?

Por
Sul 21
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Só os pobres vão pagar a conta da crise?
Só os pobres vão pagar a conta da crise?
Foto: Luiza Castro/Sul21

Antonio Escosteguy Castro (*)

Com a MP 936 , é a segunda vez em menos de 15 dias que o Governo Bolsonaro edita medidas que possibilitam a redução de salários e direitos dos trabalhadores. Em resumo, eis que é uma norma longa e detalhada , a MP 936 permite a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias, mandando o trabalhador para casa , com o governo lhe pagando o equivalente ao seguro-desemprego, ou então a redução de salário com redução de jornada (em três patamares, 25, 50 ou 70%) , com o governo complementando proporcionalmente a renda, igualmente tendo como parâmetro o seguro-desemprego.

É um enorme confisco salarial. Segundo a análise técnica do DIEESE , o trabalhador, dependendo da faixa salarial, poderá perder até 40 % de sua renda mensal. Todos os países do mundo estão lançando programas para manter o poder de compra de seus cidadãos durante a pandemia do coronavírus. Nosso governo propõe cortar pela metade…

O governo alardeia que a MP 936 prevê a garantia no emprego como contrapartida ao empregado. Nada mais longe da verdade real. Primeiro porque o tempo de garantia é mínimo ( será, na melhor das hipóteses, por 6 meses) e , principalmente, porque a MP permite a demissão sem justa causa durante este “ período de garantia” , mediante uma indenização pífia. É a primeira vez na história da humanidade que há garantia no emprego com possibilidade de demissão sem justa causa…

Ademais, o governo insiste em manter os sindicatos afastados do processo, contrariando frontalmente a Constituição Federal, que exige a participação da entidade sindical na negociação de redução salarial. Até 3 salários mínimos ( o que inclui quase 90% da massa de empregados do país) e até 25% de redução, este confisco poderá se dar por acordo individual. O sindicato só é chamado para negociar acima deste valor, onde as perdas serão exatamente maiores. Ou seja, o governo só prevê a participação sindical para chancelar perdas, aproveitando a crise do coronavírus para apertar a ofensiva contra a organização dos trabalhadores. Isto já ultrapassa a fronteira do oportunismo político, adentrando a seara da psiquiatria forense…

Trata-se pois, de medida que , além de inconstitucional, muito mais prejudica , tanto aos trabalhadores como à economia, do que auxilia . E , repitamos, já foram duas medidas provisórias (927 e 936) para cortar e reduzir direitos dos assalariados. E qual será a contribuição dos ricos deste país para pagar a conta da crise?

Não há mais nenhuma justificativa , moral, ética ou econômica, para que não se proceda de imediato a adotar pelos menos três medidas destinadas a ampliar a arrecadação e financiar os programas que devem ser implementados para combater a crise.

Primeiro, instituir o imposto sobre grandes fortunas , previsto na Constituição Federal de 1988 e até hoje apenas no papel. O Brasil tem centenas de bilionários e milhares de milionários. É uma das nações com a maior desigualdade social no planeta. Está na hora de fazer o topo da pirâmide colaborar com o país.

Segundo , introduzir imediatamente a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos. O Brasil é um dos dois únicos países no mundo todo que isentam de imposto a distribuição do lucro e dividendos das empresas. Tal é um escárnio , ainda mais num país que taxa com quase 30% de imposto o salário do empregado e isenta o lucro distribuído a quem se beneficiou deste trabalho.

Para estas duas medidas já há projetos tramitando no Congresso Nacional , com debates e análises técnicas já realizados. As projeções de arrecadação anual com estes tributos são da casa de 120 bilhões de reais. Só falta vontade política.

E em terceiro lugar, são tão grandes as somas de dinheiro que vão ser necessárias para enfrentar a pandemia e, depois, repor minimamente o país na normalidade, que deve ser utilizado, também, o instituto do empréstimo compulsório. Este é um instituto presente tanto em nossa Constituição Federal como no próprio Código Tributário Nacional e já foi inúmeras vezes utilizado em nossa história, exatamente para custear despesas em situações extraordinárias. Este é o momento exato para sua reinstituição no país , valendo-se das enormes quantias de dinheiro estocadas por nossas classes abastadas.

Tais medidas , para serem aprovadas , dependem de intensa pressão social. O Governo Bolsonaro não terá esta iniciativa por pelo menos duas razões básicas. A primeira , é seu compromisso com os setores econômicos mais poderosos do país, que seriam afetados por estes tributos. Enfraquecido e isolado por seu governo errático e equivocado, Bolsonaro não ousará trombar com os ultra-ricos, uma de suas bases ainda fiéis.

E , em segundo lugar, no trato da pandemia do coronavírus , Bolsonaro claramente aposta no caos. Uma crise da economia, em que ele, com sua matilha de robôs da internet, possa jogar a culpa nos governos estaduais e municipais, bem como na oposição, lhe daria ares de profeta ao defender que o Brasil não poderia parar, custasse o que custasse. É evidente que é uma aposta de risco, eis que o agravamento da disseminação do vírus, com um incremento nas mortes , traria uma variável que poderia reverter qualquer lucro político que pudesse buscar. Mas ele, de fato, não tem absolutamente nada a ganhar se o vírus for contido e forem tomadas medidas que reduzam a crise econômica derivada da quarentena a que estamos submetidos. Bolsonaro, dentro de certos limites, só ganha com a tragédia.

Creio que na verdade, Bolsonaro e sua entourage já transitaram para a seara da psiquiatria forense…

(*) Antonio Escosteguy Castro é advogado.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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