Colunas>Antônio Escosteguy Castro
|
19 de março de 2020
|
13:36

Coronavírus, governos e eleições

Por
Sul 21
[email protected]
Coronavírus, governos e eleições
Coronavírus, governos e eleições
Panelaço pelo Fora Bolsonaro. Projeção na Cidade Baixa. Foto: Luiza Castro/Sul21

Antonio Escosteguy Castro (*)

A pandemia do novo coronavírus (COVID-19) é certamente uma das maiores ameaças da história recente da humanidade , talvez a mais grave desde a crise dos mísseis em Cuba, em 1962. Uma de suas consequências , qualquer que seja a extensão de seus efeitos, será o aprofundamento da discussão sobre o tamanho do estado, os serviços de saúde pública e a capacidade da sociedade de atuar na defesa do bem comum, pela primeira vez em muito tempo sob um viés de solidariedade e humanismo. Mas isto será um debate de longo prazo.

Enquanto isto, a forma como atuaram os governantes durante esta crise, e o conteúdo das medidas que tomaram ou apoiaram, poderá ter duradouros efeitos na política dos países, províncias e cidades afetados pela pandemia.

Na Europa, Macron , que se vira abalado pela enxurrada dos coletes amarelos ano passado, tomou a frente de um enfrentamento seguro e firme à pandemia , ganhou inúmeros pontos e consolidou-se como uma liderança referência na Europa. A suspensão do segundo turno das eleições municipais , onde a oposição havia crescido , será certamente bem aproveitada pelo mandatário do Eliseu. Na Espanha, embora Sanchez tenha atuado com certo atraso, foi igualmente firme , e medidas precisas obtiveram o apoio da população, contribuindo para dar tranquilidade para seu recente e instável governo. Por outro lado, na Inglaterra, o início titubeante de Boris Johnson no enfrentamento da crise pôs em cheque seu também recente governo , que corre atrás do prejuízo, valendo-se do que restou do extenso sistema de welfare state britânico. Houvesse eleições no horizonte e sua situação periclitaria.

Nos Estados Unidos, Trump também levou um choque. Navegava em águas muito tranquilas na direção da reeleição, com uma economia pujante e uma oposição democrata dividida , sob o provável comando do insosso Joe Biden. Mas subestimou a crise, agiu atrasado , com medidas populistas ( proibir os voos da Europa, mas permitir da Inglaterra…) e agora vê um país com um sistema de saúde elitista , com um seguro social insuficiente , caminhando para uma recessão econômica no meio de uma pandemia. Pela primeira vez está frente ao risco real de não continuar na Casa Branca.

Ninguém , porém, foi tão irresponsável e incompetente no enfrentamento da crise como Bolsonaro. Desdenhou do perigo, chamou de “fantasia” , convocou e participou de atos públicos e agora , com aparente ciúme político, frita o Ministro da Saúde que ainda age com alguma seriedade. Mesmo com um extenso currículo de abusos, bobagens e erros neste ano e pouco de governo, Bolsonaro nunca este tão perto de afundar politicamente. A retomada dos panelaços, algo que não se via desde a campanha orquestrada contra Dilma, é mais revelador que qualquer pesquisa que se faça.

O contraste com as medidas rígidas e acertadas da Argentina, onde Alberto Fernández assumiu uma clara liderança ( e com isto enterrou o movimento que o agronegócio ensaiava para desestabilizar seu governo) só piora a situação local e gera a sensação de ausência de comando em Brasília. A proposta de reconhecer o Estado de Calamidade Pública e o projeto de um “voucher” que ajude os trabalhadores informais (ideia, aliás, do PT) são uma tentativa de retomar a iniciativa e trancar a crise política que se aprofunda.

No Rio Grande do Sul , Eduardo Leite continua a gastar o resto de capital político que ainda dispõe. Sua inação, sua falta de liderança, com medidas tíbias e sempre a reboque dos acontecimentos , cristaliza a imagem de um político tímido que não está à altura da tarefa de governar o Rio Grande. A entrevista que deu à CNN Brasil em 18 de março foi patética: não tinha nada a dizer a não ser que o governo deveria continuar funcionando.

Marchezan, pelo contrário, cresceu com a crise. E muito. Estão sendo tomadas em Porto Alegre todas as medidas recomendadas para o enfrentamento prévio à ampla disseminação do vírus e o Prefeito é a indiscutível liderança neste processo. Tido como carta fora do baralho para as eleições de outubro próximo em fins do ano passado, depois de péssimas pesquisas, Marchezan recuperou-se durante o verão, com a reforma do IPTU, a consolidação de uma razoavelmente ampla coligação eleitoral e a proposta de um ousado pacote para o tema do transporte coletivo. Agora, com seu comando na crise da coronavírus, se firma como a mais expressiva figura política da capital neste momento.

Uma crise da intensidade e da gravidade desta pandemia terá consequências muitas profundas na percepção que as pessoas têm da política e dos políticos. Ninguém passa incólume por um terremoto desta magnitude. Algumas consequências serão sentidas a longo prazo, algumas “verdades” serão revistas , por maior que seja o esforço das elites em mantê-las, alguns mitos desabarão. Mas mesmo no curto prazo , o impacto é muito grande e as atuais certezas podem não estar de pé em 30 ou 60 dias.

(*) Antonio Escosteguy Castro é advogado.

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora