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5 de fevereiro de 2020
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16:58

Da hipocrisia ao delírio. Mas rendeu frutos

Por
Sul 21
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Marchezan enviou à Câmara de Vereadores um pacote de 5 leis sobre o transporte coletivo. (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Antonio Escosteguy Castro (*)

No fim do mês passado, o prefeito Marchezan enviou à Câmara de Vereadores um pacote de 5 leis sobre o transporte coletivo que pôs fogo no debate sobre o tema. Dentre as propostas , a criação de um “pedágio interno” para circular em Porto Alegre , a criação de uma tarifa para o transporte por aplicativo e de uma taxa por empregado com carteira assinada.

Desde que a Emenda Constitucional nº 90 incluiu o transporte como um direito social no art.6º da Constituição Federal, em 2015, faz falta um debate sério na sociedade sobre as formas de financiamento do transporte coletivo. Os temas trazidos pelo pacote de Marchezan não podem ser simplesmente ignorados, muito menos quando Porto Alegre está com a tarifa de ônibus urbano mais cara do país.

Mas os 5 projetos foram jogados na Câmara sem qualquer estudo técnico de viabilidade , sem nenhum debate público anterior, ainda que apenas com especialistas. Foi efetivada uma convocação extraordinária dos vereadores para aprovar algo de tanta importância em apenas 48 horas , tão somente dois dias depois de apresentados os projetos.

E , mais, os projetos , no global, iam em sentido contrário a toda a gestão de Marchezan , que se caracterizou pelo sucateamento dos serviços públicos, pelo esforço em terceirizar e privatizar sua prestação , em reduzir os benefícios que o estado pode trazer à população. Nos dias de votação na Câmara, Marchezan sequer estava em Porto Alegre , mas descansando na praia. Nunca quis que os projetos fossem de fato aprovados. Foram um enorme exercício de hipocrisia política.

Mas durante todo este período, a grande imprensa local teceu loas e despejou elogios. Um neoliberal de carteirinha foi transformado num preocupado gestor público, em que foram até vistas intenções “socialistas” . Estivemos perto de um delírio coletivo nos jornalões.

Qual a lógica por trás desta combinação de hipocrisia e delírio? A elite local sabe que dificilmente se repete a combinação de fatores que permitiu a vitória de Marchezan no segundo turno de 2016 – um adversário enfraquecido por uma gestão ruim (Mello, vice de Fortunati) e a esquerda se abstendo, traumatizada pelo impeachment de Dilma (Em 2018, o eleitorado da esquerda, no 2º turno, decidiu a favor de Leite contra Sartonaro).

A estratégia eleitoral da direita , idealizada por Steve Bannon e praticada por Bolsonaro, manda governar para os 30% fiéis , mantendo um eleitorado cativo. Chegando ao 2º turno, a grande imprensa praticará o terror , em coordenação com a guerra suja das fake news na internet, e os eleitores de centro sufragarão o candidato da direita, por medo da esquerda e do PT.

Mas uma cidade não é um país, e em Porto Alegre , onde houve 16 anos de bem sucedidos governos petistas , onde floresceu o Fórum Social Mundial, onde se consolidou o orçamento participativo , onde há uma intelectualidade consistente e influente, a estratégia de assustar os eleitores de centro para votarem na direita tem pouca chance de dar certo. Será muito difícil convencer que Manuela D’Ávila é um monstro sangrento que deve ser derrotado custe o que custar.

Na capital dos gaúchos, a direita em 2020 terá de conquistar , de encantar, o eleitor de centro para vencer.
Depois da reforma do IPTU , que aprimorou um pouco a justiça fiscal na capital e encheu o caixa do governo, permitindo uma enorme campanha publicitária de reforço de sua imagem, o ousado movimento de Marchezan de propor um pacote “ progressista” dos transportes o coloca na direção de disputar o eleitor de centro. Na verdade, ele não precisava aprovar os projetos. Tê-los proposto já lhe dá discurso, amplificado pelos grandes jornais, agora abertamente comprometidos com sua campanha. Com a construção deste novo perfil , fica bem mais fácil ampliar sua rede de alianças.

Em fins de dezembro , após pesquisas que demonstravam sua grande desaprovação e rejeição na cidade, Marchezan parecia carta fora do baralho nas eleições. Um mês depois, voltou ao jogo. Não é pouco.

Enquanto isto, a esquerda bate cabeças, num campeonato de sectarismos e declarações desastradas. Em um mês , um campo político se arrumou, na mesma proporção em que o outro se desconstruiu. Será um ano difícil.

(*) Antonio Escosteguy Castro é advogado.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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