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12 de maio de 2016
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10:02

O golpe vem de longe. E vai prosseguir

Por
Sul 21
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temer dilma recatadaPor Antônio Escosteguy Castro

A votação no Senado que levou ao afastamento da Presidenta Dilma é o grande momento do golpe em andamento no país. Coroa uma série de ilegalidades que iniciaram com um processo sem fundamento jurídico (impeachment sem crime de responsabilidade), passaram pelas chantagens de Eduardo Cunha para admiti-lo, pela tragicômica sessão da Câmara de 17 de abril, que envergonhou a nação, e culminaram com um verdadeiro Colégio Eleitoral que, indiretamente, no Senado, revogará os votos de 54 milhões de brasileiros.

Mas o golpe vem de muito mais longe. Não começou com a petição apresentada pela endiabrada Janaína e outros advogados. E nem acabará com o afastamento de Dilma. Há um processo de degradação do Direito no país, de construção de um estado de exceção, que vem sendo preparado e instalado há vários anos.

Como já dissemos antes, no século 21, os golpes não vêm pela esteira dos tanques, mas pelo abuso das togas. Nossas elites, frente às seguidas vitórias do PT e da esquerda nas eleições, começaram a construir novas opções de chegar ao poder, a partir de exemplos como os de Honduras e Paraguai. Mas o Brasil é uma sociedade mais complexa que este pequenos países e um processo destes requer mais tempo, mais energia e mais sofisticação para ser construído e deflagrado.

Mas se precisamos de um marco inicial para registro, sem dúvida foi o julgamento da AP 470, o famigerado Mensalão, pelo STF. Ali, para atender à pressão dos órgãos da grande imprensa, o Supremo rendeu-se completamente, alterando uma jurisprudência garantista que vinha de décadas , importando de forma bisonha uma Teoria do Domínio do Fato (que foi repudiada por seu criador na forma como foi aqui aplicada), escondendo provas ( como o Inquérito 2474) e ignorando fatos óbvios ( como que não havia dinheiro público envolvido) tudo com o fim de condenar pessoas sem provas e atingir o PT. Temos que fazer a autocrítica de que nós não nos demos conta da extensão do que aquele julgamento significou: a submissão do Direito ao interesse das elites pela mais alta corte da nação.

Mas com tudo isto e apesar de um show midiático até então sem precedentes na cobertura daquele julgamento, para desespero destas elites, o PT venceu as duas eleições posteriores ao Mensalão (2012, com a vitória em São Paulo e 2014). Era preciso ir mais fundo. E rápido.

A Operação Lava-jato transformou o Mensalão num exemplo de isenção e de boa aplicação do Direito. A lista de abusos, irregularidades e crimes cometidos pelas autoridades do Ministério Público, da Polícia e do Judiciário no âmbito da Lava-jato é imensa e ainda está por ser consolidada. Não é á toa que toda a opinião pública internacional está chocada com o que acontece no Brasil. O Direito e a Justiça foram transformados em órgãos de perseguição política seletiva, com uma cobertura parcial de mídia nunca dantes vista na história da humanidade. O impeachment é apenas uma consequência disto. Aqui é que reside a grande tragédia do que está acontecendo em nosso país.

E é por isto que o golpe não vai cessar com o afastamento de Dilma. A chegada dos “sem-voto” ao poder é muito instável, mormente em tempos de crise econômica. É necessário legitimá-los e para tanto é essencial que sejam destruídos os que têm condições de enfrentá-los (e têm votos).

O Direito, o MP, os tribunais, a Polícia Federal, o STF. Esse será o caminho para legitimar o Governo Temer e estes serão os instrumentos para completar a perseguição ao PT e estendê-la ao movimento sindical e popular. A luta só começou.

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Antônio Escosteguy Castro é advogado.


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