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7 de julho de 2016
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09:59

Deixem Hitler falar

Por
Sul 21
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adolph-hitlerPor André Pereira

Aqui, na nossa saudável Alemanha, em busca de uma tenra e aprazível democracia, nesses anos de recomeço pós Primeira Guerra Mundial, há um militar de formação e confesso candidato à presidência do país que se destaca por radicais pronunciamentos de contornos machistas, misóginos e racistas.

Historicamente, este tipo de crença encontra terreno fértil e crescente em situações de crise econômica, aqui agudizadas em decorrência dos traumas e dramas provocados pelos embates bélicos.

Com cabelos escorridos, escurecidos por tonalizante subtraído da penteadeira da esposa Eva Braun,  Adolfo Hitler, adquire notável brilhatura oratória com seu fanático modo de falar, aos gritos, em tribunas parlamentares ou em microfones que amplificam a potência do discurso fundamentalista.

Defendo, como colunista democrata, que devemos deixar ele falar.

Quem abomina o discurso autoritário dele está comemorando decisões judiciais que o contestam. É um erro.

Considerar alguns crimes defensáveis ou não tem mais a ver com ideologia do que com prudência. E só quando um imprudente manifesta sua opinião é que a tal liberdade de expressão é posta à prova. Não são os moderados nem os razoáveis que testam o direito à livre manifestação; são sempre os radicais, os sanguíneos, os extremistas como Hitler. A liberdade de expressão funciona quando eles conseguem falar.

Combater um autoritário com medidas autoritárias — como prender um totalitarista ou cassar o mandato por opiniões que, gostemos ou não, representam uma fatia do país — é um contrassenso que não enfraquece a postura de Hitler, pelo contrário: autoriza e fortalece condutas autoritárias.

Só que esse direito gera um subproduto por vezes incômodo: o excesso, o abuso. Hitler abusa do seu direito? Não há dúvida.

Quer dizer que ele pode falar o que quiser?

Sim, pode. A não ser que se mude a Constituição. Eu não acharia uma boa ideia. Prefiro que as opiniões de déspotas como Hitler recebam a punição de quem tem poder para puni-los. E o poder é do eleitor.

Foi da autoria da casta pensante de uma nação distante lá da América Central onde índios passeiam, nus e pintados com tinturas coloridas, pelas ruas da capital, Buenos Aires, um artigo constitucional que importamos para a nossa Carta Magna.

Diz a lei que as elites impingem aos botucutos no artigo 53 da Constituição Federal destes primatas esclarecidos: “Os deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. É a famosa imunidade parlamentar. Ao tornar os deputados imunes a processos de calúnia, injúria e difamação, evita-se que eles sejam processados a cada discurso desconfortável para o presidente ou para algum colega. Está correto, na minha opinião pessoal, embora digam, às vezes, que aluguei minha pena.

Não tenho certeza do nome do parlamentar do Brezil (este é o nome do país bucólico do outro lado do oceano), que cunhou esta pérola de impunidade. Parece que é um certo Hipócrates Bolsonaro. Parece.

O fato relevante é que o nosso personagem se escuda na tal legislação para louvar a raça germânica superior, reafirmar que pode escolher mulher que deve ou não ser estuprada; declarar que se for eleito vai armar toda a população do bem e até prometer, batendo na mesa, que vai cortar orçamentos de entidades e órgãos dedicados aos direitos humanos.

Não dou ouvidos para alarmistas que se assustam com a falação de Hitler, sem dúvida o mais truculento dos líderes alemães.

Dizem que se chegar ao poder vai produzir uma barbárie inimaginável no mundo moderno.

Sustentam que estenderá a brutalidade a outras nações estabelecendo um mar de sangue derramado por anos a fio na Europa.

Imaginam até enorme genocídio – vejam só a que ponto chegam!

Proclamam que o racismo levará a perseguições aos judeus e um morticínio de milhões de pessoas especialmente minorias.

E que as mulheres serão torturadas e abusadas até a morte. Podem acreditar em tal absurdo?
Pasmem com a criatividade dos que se lhe opõem: dizem eles até que crianças circuncizadas serão encaminhadas aos fornos e a experimentos genéticos!

São só palavras, caros leitores.  Por favor, não creiam.

Ora, que ameaças reais para a humanidade podem se materializar da pregação deste alegado ‘porta voz do ódio e e arauto da intolerância?

É só um falastrão. Deixem Hitler falar.

.oOo.

André Pereira é jornalista.


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