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28 de julho de 2019
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13:47

Regressão e obscurantismo: “…e eu não me importei”

Por
Sul 21
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Regressão e obscurantismo: “…e eu não me importei”
Regressão e obscurantismo: “…e eu não me importei”
Adão Villaverde. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Adão Villaverde (*)

 “Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.

Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.

Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.

Quando levaram os judeus, eu também não me importei, porque, afinal, eu também não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse”.

Com estes versos o pastor luterano alemão, Martin Niemöller, em meados de século passado, revela o espírito e a fenomenologia da alma humana, afetada por tempos obsessivamente regressivos e exaltadamente obscurantistas.

Neste momento, quando o governo brasileiro publica a mais autoritária e restritiva medida contra os direitos civis, desde o famigerado Ato Institucional nº 5, editado pelo presidente-ditador Costa e Silva, em 1968, qual seja, a portaria 666/2019. Iniciativa do Ministério da Justiça, dá fortes sinais que o ataque aos direitos e conquistas, ao Estado Democrático Constitucional e a lógica do entreguismo irão se amplificar, e que tal medida relança um novo patamar de ofensividade para um governo cuja conduta não tem sido o rigor constitucional.

Aliás iniciativa típica de governo despótico, porque especialistas em direito constitucional já afirmam que ela é ilegal e inconstitucional, uma vez que não é competência do Ministério da Justiça legislar sobre matéria que entra em conflito com Lei Federal e Constituição.

E causa espanto que associado a esta medida, talvez seja muita coincidência, em meio as investigações de suspeitos dos ainda não bem explicados “ataques de hackers a telefones de autoridades” – que está mais para uso de engenharia em redes sociais para chegar aos conteúdos – sem a conclusão dos resultados, o ministro da justiça vem a público vinculá-los aos vazamentos de mensagens de procuradores. Aqueles que o site The Intercept Brasil, o jornal Folha de São Paulo e a revista Veja, vêm publicando desde junho.

No mínimo, em meio as investigações, é precipitada e soa como pura tentativa de ameaça e intimidação a tão cara liberdade de imprensa – que muitos pregam, mas não praticam – a virulenta e ilegal interferência. De onde se pode aliás deduzir, a seguinte suspeita, como as investigações estão em sigilo pela PF, de duas uma, ou ele blefa, o que não seria minimamente razoável, para um Ministro de Estado, ou furou o sigilo, que todos sabemos a gravidade que isto significa.

Não contente, os arroubos do executivo do ministério foram mais longe, por iniciativa nada republicana passou a sentenciar que as informações seriam destruídas. Não fosse a própria PF, que é sua subalterna na estrutura ministerial, dizer que material não pode ser descartado sem que o MP seja ouvido e autorize, estaríamos frente a mais um brutal ataque ao Estado de Direito Constitucional. E quem deveria dar exemplo e estar na linha de frente na sua defesa, parece que de forma desesperada e despótica, busca criar um clima para implementar a portaria autoritária que ele mesmo produziu.

O exercício das funções públicas de Estado, pressupõe a observância permanente de alguns requisitos que dão a real dimensão e significado de atuação do gestor público. Aqui vale a máxima, “se conhece o verdadeiro Quadro de Estado, não só pelo seu discurso, mas por sua prática quando está no poder”. Que requer condutas não abusivas, de isonomia, de transparência na sua atuação, prestação de conta de seus atos, prudência e moderação na sua atividade e não interferência em processos investigativos que tenha interesse direto. Tudo isto e outras coisas mais que vêm ocorrendo, configuram sérias transgressões e podem levar à improbidade, uma vez que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Parece ser até compreensível para muitos estes despropérios, pois situação revela que ao perceber sua reputação indo para o ralo, não hesita em utilizar o aparato do ministerial para interferir de forma injustificável no andamento de investigações. Configurando uma violação ao funcionamento das instituições no âmbito da Ordem Democrática, sobretudo quando um órgão que conduz um inquérito e tem autonomia par tal, que tem que seguir protocolos rigorosos e tem controles externos através de leis, sofre tal interferência e intimidação.

Fica evidente que República está absolutamente contaminada pela lógica arbitrária da estratégia de “os fins justificarem os meios”.

E como se não bastasse tudo o que fizeram nos últimos dois anos no país, rasgando a Constituição e ferindo de morte o Estado Democrático de Direito Constitucional, últimos episódios evidenciam total ausência de escrúpulo para atingir seus objetivos.

E fica o alerta dos versos do pastor luterano alemão, quando dos tempos regressivos e obscurantistas em meados do século passado. Que de forma parafraseada podem ser interpretados na forma que segue: “ou se interdita este brutal ataque à democracia e às prerrogativas de direitos individuais, salvaguardadas constitucionalmente, ou amanhã depois, não haverá mais ninguém para protestar ou lhe defender, quando chegar a sua vez”.

(*) Professor, engenheiro, ex-Secretário de Estado/RS e ex-Presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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