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4 de setembro de 2012
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08:59

Amar o próximo…

Por
Sul 21
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Por Sandra Djambolakdjian Torossian1

Nesta semana circulou nas redes sociais uma notícia curiosa que tinha por título Pai usa saia para apoiar filho de 5 anos que gosta de usar vestidos”. É a história de um menino alemão que gosta de usar vestido e por isso é ridicularizado nos ambientes pelos quais circula. Se pai decidiu, então, vestir saia e passear com o filho.

Muitos são os fios que podemos desenredar desse texto. Falar da construção cultural das vestimentas, dos preconceitos de gênero, do bullying, das escolhas.

Para mim o que ressoou desse gesto paterno é a capacidade de colocar-se ao lado do seu filho. Nem acima, nem abaixo.

Acolhimento, palavra tão utilizada em diversos meios e tão desgastada já, resumiria para mim essa atitude. Acolhimento que permite ao filho, quando defrontado novamente com as risadas alheias, dizer “vocês só não usam saias porque os pais de vocês não as usam”.

Devaneios. Lembranças me conduzem as imagens do convencimento. Estamos sempre querendo convencer o outro, especialmente as crianças, de que eles precisam aprender o que lhes ensinamos. Colocar limites. Essa tem sido uma palavra de ordem em ambientes infantis.

Numa bela atitude adulto-centrada, temos a soberba de acreditar sermos nós os responsáveis por colocar limites no outro (criança). Sermos o centro das referências para a educação. Vamos, assim, colonizando a infância.

Sublinhamos o bullying, a hiperatividade, a falta de atenção e concentração nas atitudes das crianças contemporâneas quando com outras lentes poderíamos sublinhar, com a mesma intensidade, as práticas de amizade, a capacidade de atenção e execução de várias atividades simultâneas, o pensamento hiper-textual. Medicamos a diferença para transformá-la em submissão.

Não estamos ao lado das crianças, mas acima delas, buscando dominar seus corpos hiper motores e hiper atentos. Somos nós os limitados que, num tempo hiper midiático e virtual, não somos capazes, em algumas circunstâncias, de sincronizar nossa atenção em mais de uma atividade. Colonizamos a infância com os nossos limites.

Brigas de crianças em colégios e grupos de amigos, sempre existiram. A crueldade faz parte da humanidade, especialmente ao nos depararmos com relações de diferença. O que nos leva a sublinhar a crueldade? Colocando lentes de aumento na violência, maximizando a letra do texto infantil e inventando novos nomes para velhas práticas? Ou, por outro lado, acharmos que nada temos a fazer que as crianças não precisam do nosso acompanhamento?

Descrevemos patologias, encontramos sempre mais uma definição perfeita para transformar em adoecimento aquilo que é marca da diferença. Traço do que nos é incompreensível. Prescrevemos soluções, geralmente centradas na nossa incapacidade de compreender. Proibimos e limitamos aquilo que nos limita.

Talvez precisemos aprender com o pai alemão da notícia disparadora deste texto que mais do que inventar novos nomes, limitar brincadeiras, vestimentas e ações, precisamos colocar-nos ao lado das crianças permitindo a elas e a nós, encontrar um suporte onde ancorar aventuras e descobertas. Um suporte para escolhas e experiências. Amparo que nos permita conhecer a mutabilidade e o movimento das aprendizagens.

Podemos, então, amar o próximo, não como a nós mesmos, mas de acordo com suas necessidades e desejos.

1 Psicanalista. Membro da APPOA. Profa. do Instituto de Psicologia da UFRGS/ Departamento de Psicanálise e Psicopatologia.


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