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28 de agosto de 2012
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08:59

Marcados para Sempre

Por
Sul 21
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Por Maria Ângela Bulhões

Há algum tempo atrás ouvi o relato de um médico ginecologista sobre sua surpresa ao encontrar gravado nas partes íntimas de sua paciente, em letras grandes, o nome do companheiro. Ela contou que haviam feito uma combinação e que o companheiro também possuía, na região do púbis, seu nome impresso na pele. O médico não costumava ver nesta parte do corpo de suas pacientes este tipo de registro, mesmo que, sem preconceitos, acompanhasse as novas inscrições que várias mulheres fazem atualmente em seus corpos (imagens tatuadas e piercings).

Na conversa que se seguiu, nos perguntamos sobre o que levaria alguém a tal ato. A primeira conclusão foi de que esta seria uma forma de dizer ¨para sempre¨, pois a tatuagem inscrita na pele não permitiria o uso da borracha como forma de apagá-la. No casamento realizado na igreja (pelo menos antigamente), o padre terminava a cerimônia dizendo: até que a morte os separe! Era, mais do que uma recomendação, uma atitude cobrada daqueles que queriam fazer parte da comunidade religiosa. Ambos deveriam fazer o esforço de manterem-se juntos após a linda cerimônia, na difícil tarefa de dividir o tempo, o espaço e as responsabilidades de uma vida a dois.

Talvez a questão principal do casamento esteja no fato de sermos dois acreditando que nosso amor nos exige sermos apenas UM (duas partes da laranja!). Trata-se de uma Ilusão que precisa ser alimentada para que uma relação possa durar? Ou podemos suportar o fato de que somos dois, mesmo quando isso parecer abrir um abismo imenso entre nós? E essa ilusão de ser UM estará mais garantida se for marcada indelevelmente no corpo?

Chama a atenção o quanto buscamos a substancialização dos sentimentos. Parece que, não podendo medir e pesar nossas emoções e podendo apenas falar insistentemente daquilo que levamos na alma, acabamos considerando o amor como uma experiência irreal que exige a prova material.

Pedir provas de amor não é nada novo e talvez exista para manter os pactos e as negociações nas relações dos pares. Mas o que talvez não possa ser perdido de vista é o grau de sacrifício que pode e deve ser feito em nome do outro e da relação. Pois, quando se pensa que não se existe sem a pessoa amada (não metaforicamente), mas literalmente, abre-se mão da própria vida. E muitas vezes existem os que preferem morrer a perder a pessoa amada. Existem os que não existem!

Tatuar o nome da pessoa amada parece uma forma de, escrevendo, tentar inscrever o ¨para sempre¨ tão idealizado desde os contos de fadas (E foram felizes para sempre!). Ironicamente, nas relações percebemos que o ¨sempre¨ pode engessar e quebrar o movimento que a sedução exige para que se mantenha o desejo no laço que une.Laço que pode fazer-se e desfazer-se mil vezes e de mil formas durante uma mesma relação! Quando queremos a garantia de ter o outro, fazemos dele um objeto e ao possuí-lo, acabamos com sua condição de ser um ser com vontade própria (desejante). Até posso desejar um objeto mas, só posso ser desejada por um sujeito.

Esses paradoxos fazem pensar que Amor e Desejo podem coabitar numa mesma relação, mas que talvez não deixem nunca de se estranhar em alguns momentos, já que um pede garantias e o outro liberdade. Durma-se com um barulho desses!

Maria Ângela Bulhões, psicanalista membro da APPOA, psicóloga do ambulatório do Hospital São Pedro.


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