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10 de julho de 2012
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08:08

Publicação dos vencimentos dos servidores públicos

Por
Sul 21
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A polêmica sobre a publicação dos vencimentos dos servidores públicos propicia a realização de um importante debate sobre o Estado que, há anos, vem sendo objeto de defesas pouco fundamentadas de posições.

No meio jurídico brasileiro pouco se estuda sobre o regime jurídico administrativo, advertência já feita pela voz autorizada do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello. Em consequência, naturalmente, a sociedade de nosso País pouco sabe sobre em torno de que conceitos e referências o legislador constituinte editou os parâmetros de direito público da ordem jurídica nacional.

Importamos modelos do estado europeu e norte-americano e os utilizamos ao sabor das conveniências de cada momento, sem nos preocuparmos com sua totalidade e com as consequências dessa operacionalização desconectada de seus fundamentos.

O constitucionalismo que se desenvolveu no mundo ocidental após a revolução francesa se fundamenta em teorias contratualistas, nas quais um pacto de cidadãos funda a sociedade e cria o Estado, atribuindo a este a expressão do interesse geral que será chamado de interesse público e juridicamente terá supremacia sobre o interesse privado. Nesse contexto a gestão do Estado passa a ser feita dentro do chamado regime jurídico de direito administrativo, no qual os agentes públicos desenvolvem seus atos, vinculadamente à legalidade, dentro de um binônio de prerrogativas e restrições, que o diferencia da juridicidade na qual atuam os particulares, onde impera o “laissez-faire”.

Os agentes públicos têm prerrogativas, pois expressam, em seus atos, o interesse geral, e têm restrições, pois só podem agir, como tal, dentro do que a legalidade previamente lhes determinar.

Por isso, a investidura de um cidadão em um cargo público não representa a simples, obtenção de um emprego ou o recrutamento de força de trabalho pela Administração do Estado. Costuma-se dizer que, pelas responsabilidades e deveres que um servidor recebe com as atribuições do cargo no qual é investido, passa a ter um ônus público. Com esses encargos, consequentemente, o agente público recebe, também, prerrogativas.

Não é por acaso, por isso, que o servidor público deve ter estabilidade em seu cargo, um conjunto de direitos e deveres firmados na Constituição e por um estatuto e não por um simples contrato de trabalho e, além disso, um regime previdenciário diferenciado.

A onda neoliberal e privatista que avançou no mundo desde os anos 80 do século passado e que ganhou no Brasil adeptos pouco esclarecidos, ignorou essa formatação construída nas bases da Revolução e do Estado liberal burguês.

As particularidades da administração pública e o regime diferenciado do vínculo funcional dos seus servidores vêm sendo tratados distorcidamente, pelos liberais e pelo senso comum que criaram, como privilégios inaceitáveis, desnecessariamente onerosos à sociedade.

Por outro lado, os servidores públicos assumiram uma defesa muitas vezes corporativa de seus direitos, sem lhes dar a dimensão que efetivamente devem ter, no mesmo contexto de seus deveres.

Ao mesmo tempo, a desconfiança da população emerge do fato real de que o Estado Brasileiro reproduz, em sua estrutura funcional, uma das características mais perversas de nossa sociedade, que é a desigualdade. Como poucos lugares no mundo a diferença remuneratória entre as categorias de servidores é imensa, determinada apenas pela capacidade política de cada segmento, com números absolutamente desproporcionais à importância das funções dos servidores. Não é preciso muito esforço para demonstrar esse quadro. Basta verificar as remunerações dos servidores das áreas essenciais da educação, da saúde e da base dos trabalhadores da segurança pública e compará-las com as da “elite gestora”.

Tudo isso fica claro quando se coloca a discussão da publicação dos vencimentos dos servidores públicos.

O direito à privacidade e ao sigilo da renda dos cidadãos é um direito, mas seu limite está colocado no estrito espaço de sua vida privada, sempre que seus atos não estiverem envolvidos com questões que afetam o interesse público. Por isso, o Poder Judiciário pode, em determinadas circunstâncias, quebrar esse sigilo.

Da mesma forma, a renda dos servidores públicos, como cidadãos, originárias das diversas fontes que possam existir, também está protegida por essa garantia.

Por sua vez, os vencimentos dos servidores, ou seja, os valores recebidos como estipêndios do Estado, que decorrem da investidura em cargos públicos, com todas as prerrogativas inerentes, estão submetidos a um regime diferenciado, no qual a publicidade é regra, imposta pelos princípios enunciados pelo caput do artigo 37, da Constituição Federal. Neste caso, não se pode falar de proteção da privacidade pois, sobre ela, há a prevalência do interesse público em se fazer a publicidade de todas as informações que envolvem gastos públicos.

Com vencimentos e vantagens definidos por lei, para cargos e funções, em obediência aos limites constitucionais estabelecidos, não pode haver nenhum tipo de razão para se manter em sigilo os valores percebidos pelos servidores. Eles já são públicos, desde que sejam obedecidos os estritos termos em que foram criados.

A tentativa de impedir a sua publicação não é boa para a imagem do Estado, dos servidores e para os que defendem a importância das prerrogativas diferenciadas da Administração Pública.

Jorge Santos Buchabqui é advogado.


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