Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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13 de julho de 2012
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08:59

Os gaúchos da Granta

Por
Sul 21
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Pois, estimados sulvinteumenses, dias intensos no fronte das letras e audiovisuais. Somente a modéstia me impede de contar pra vocês que em uma mesma semana entreguei o livro que tinha prometido para os 20 anos da fantástica Editora Projeto, da não menos fantástica Annete Baldi; fiquei sabendo que o longa baseado em um livro meu, Insônia, com Luana Piovani e grande elenco foi selecionado para o Festival de Gramado, e que o projeto de roteiro pra longa-metragem que Diego de Godoy e eu inscrevemos no Minc está entre os vinte semi-finalistas, e eram 870 inscritos no começo da saga.

Em bom aldorebelês, not bad.

E nessa mesma semana e na intensa e glamourizada Flip, foi divulgada a lista da revista inglesa Granta com os nomes dos vinte melhores escritores jovens do Brasil. Entre eles, pelo menos cinco made aí mesmo, in RS.

De novo, abusando do meu aldorebelês, not bad. Not bad at all. Ainda mais em se levando em conta que os dois deles que eu leio e conheço, Leandro Sarmatz e Michel Laub, escrevem mesmo, e muito.

Não deve ser segredo de estado que, há muito tempo, considero Michel o melhor novelista sub-40 no Brasil, e isso porque ele ainda tem menos de 40. Quem não acreditar em mim apenas pelos meus lindos olhos, leia Longe da Água, Segundo Tempo ou o seu grande e mais recente romance, Diário da Queda.

Já o Leandro Sarmatz, colega de Editora Record, me surpreendeu com o seu livro, Uma Fome.

Pelo visto, temos vários dos bons e ótimos autores novos do Brasil, em uma proporção muito mais ligada ao que a literatura ainda representa no Rio Grande do que à nossa participação atual no PIB brasileiro.

Se olhamos para a literatura feita por esses dois autores nascidos no RS, com a coincidência de que eles não vivem aí já há um bom tempo, notamos que sim, trazem elementos importantes do nosso jeito de ser, no humor particular, na proximidade que demonstram com temas ou jeitos que são particularmente nossos. Mas eles são também escritores que nasceram aí, viveram aí, e partiram, muito provavelmente sem volta. Não existe no que escrevem qualquer clamor pelo pago, nenhum apego pelo frio ou pelo sotaque bonfiniano. Nesses escritores gaúchos prevalece, de maneira plena, a condição brasileira e universal. A ruptura com a condição local parece se materializar cada vez mais, e os gaúchos que melhor escrevem o fazem sendo sim gaúchos, mas nos ossos, e não nos das mãos.

Os livros do Michel se passam, de uma certa maneira nebulosa, em Porto Alegre. Mas não remetem para ela, nem mesmo o belo Segundo Tempo, que acontece mais ou menos sincronicamente ao Grenal do Século, o de número 200, lembram?

Talvez isso os torne mais compreensíveis para a crítica do Brasil Central, a que elege. Talvez isso os aproxime do que seja mainstream na leitura nacional.

Alguma coisa acontece, caros sulvinteumenses – e permitam que eu fale algo muito íntimo, já que íntimos somos, estimados leitores e eu – no momento em que nós, gaúchos no exílio, passamos a usar “você”, no lugar do nosso “tu”, de nascimento.

Resistimos o quanto dá, mas um dia, pimba, soltamos um você. Ele sai constrangido, sem jeito, mal passado, mas sai. E a partir desse momento nos transformamos em uma outra coisa, ao mesmo tempo muito parecida com, e muito diferente do que éramos.

A partir desse instante nos integramos à grande centralidade nacional, passando, de verdade, a fazer parte dela. É com a abdicação desse elemento definitivo de identidade nacional gaúcha que nos tornamos livres para ser o que houver.

Claro que quando retornamos ao pago, em visita à família, aos amigos e ao Pampa Burger, falamos o tu e o dialeto que conhecemos. Mas basta colocar o pé em Congonhas ou Guarulhos e pronto, nos transformamos mais uma vez em o que nos tornamos, ao longo dos anos. Seres híbridos, herdeiros de uma cultura com a qual nos identificamos, mas para a qual não encontramos uma real aplicação no nosso novo dia a dia. Nossa poesia é gaúcha, mas vivemos em prosa.

Portanto, e aqui está a tese: esses melhores escritores brasileiros nascidos no Rio Grande não são exatamente escritores do Rio Grande. O que isso significa, o que isso traz, implica ou define, fica por conta das opiniões sempre brilhantes, inequívocas, refletidas e definitivas dos leitores da coluna.

Cartas, como sempre, para essa caixa postal.


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