Don Quijote advierte Sancho:
“Hay dos maneras de hermosura: una del alma y otra del cuerpo; la del alma campea y se muestra en el entendimiento, en la honestidad, en el buen proceder, en la liberalidad y en la buena crianza, y todas estas partes caben y pueden estar en un hombre feo y cuando se pone la mirada en esta hermosura, y no la del cuerpo suele nacer el amor con ímpetu y con ventajas. Y bástale a un hombre de bien no ser monstruo para ser bien querido, cuando tenga los dotes del alma que te he dicho“
Em termos socioeconômicos, o capital financeiro é o Real de nossa época. Quando Marx descreve a louca circulação do capital que se reforça a si mesma, como uma rota incestuosa de auto-fecundação que atinge o apogeu nas atuais condições da economia mundial, não quer ele dizer de maneira simplista que o espectro desse monstro que se engendra a si mesmo e segue sua louca rota sem nenhuma preocupação humana ou ambiental, é uma abstração ideológica e que é preciso lembrar que por trás dessa abstração existem pessoas reais , capacidades produtivas e recursos naturais nos quais se baseia a circulação do capital. E dos quais este se nutre como um gigantesco parasita. O fato é que esta “abstração” não aparece somente em nossa equivocada percepção da realidade social (como especuladores financeiros): essa abstração é real no sentido exato de que ela determina a estrutura dos processos sociais materiais.O destino de populações e às vezes de países inteiros, podem ser decididos pela dança especulativa solipsista do capital que persegue sua meta de rentabilidade com uma afável e ao mesmo tempo cruel indiferença às realidades sociais contingentes.
Nesse ponto, temos que concordar com Lacan quando ele define a diferença entre a Realidade e o Real.
A Realidade é a contingência social das pessoas reais, envoltas na interação social dos processos econômicos, enquanto que o Real é a inexorável lógica espectral “abstrata” do capital que determina o que acontece na realidade social.
Não parece que a lógica espectral do capital é a fatal “hermosura del cuepo“ enquanto que a “hermosura del alma “ é a vital contingência social de pessoas reais envoltas em interações sociais de trabalho e de produção de bens de consumo e comunais?
Sancho de tanto ouvir promessas de Dom Quixote que no fim de suas andanças premiaria com uma ilha seu bravo e fiel escudeiro, acabou no fim da vida do cavaleiro da Triste Figura acreditando na existência da ilha e no leito de morte Quixote lhe cobrava o título de posse de tal fantasia.
Assim, hoje vemos que a ilha de Dubai – como a ilha de Sancho – é o Real lacaniano da louca lógica do capital abstrato, enquanto que a Realidade dos processos econômicos acabou se “desmanchando no ar “ como os quixotescos sonhos do triste herói manchego.
Franklin Cunha é médico e escritor