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17 de julho de 2012
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08:16

A maconha, o antiproibicionismo e a resistência ao silêncio

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Sul 21
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Por Sandra Djambolakdjian Torossian

Nos últimos tempos tenho me dedicado a escrever variações sobre um mesmo tema: as drogas. Um tema do qual me ocupo no trabalho clínico e na formação. Isso se reflete na maioria das colunas que aqui tenho escrito. Uma temática polêmica na qual raramente há consensos. Uma temática recheada de preconceitos.

Há pouco tempo surgiu mais uma polêmica quando o nosso país vizinho decidiu encarar a problemática da maconha com a elaboração de uma política pública não proibicionista. O governo uruguaio, que já havia descriminalizado o usuário de maconha, elabora projeto de lei que autoriza a distribuição controlada do produto. Essa decisão tem sido noticiada de vários modos, uns mais isentos de opinião e outros mais recheados de preconceito.

Considerando que a capacidade aditiva de uma substância não é a única condição necessária para sua proibição, mas que os fatores econômicos e da política internacional aparecem em primeiro plano quando se trata dessa questão, além de entender que a criminalização dessa droga transformou-se num problema de saúde e segurança pública, o governo de Pepe Mujica toma uma atitude ousada quando propõe a regulação da produção e venda de cannabis.

Como já escrevi anteriormente, mas importante do que nos pronunciarmos a favor ou contra dessa atitude o importante é marcar o levantamento da estratégia de silenciamento, da produção de mutismo. É isso que acontece quando se coloca a priori a interpretação da devastação produzida por qualquer droga.

Precisamos falar das diferentes drogas, dos diferentes efeitos produzidos por elas e, sobretudo, entender que precisamos pluralizar a expressão droga. As drogas não são todas iguais, nem os seus usuários. A escolha de quais serão as drogas legais e quais as ilegais foi sempre arbitrária. Os efeitos das mesmas nem sempre são devastadores. É isso que precisamos colocar na mesa da discussão. Só assim poderemos avançar nas estratégias políticas e clínicas.

Louvo então a atitude do governo uruguaio por ter levantado o silêncio que ronda as interpretações da devastação das drogas, as quais tem produzido olhares preconceituosos em relação aos usos e abusos e, sobretudo, aos sujeitos que se valem do uso de drogas nas suas estratégias de vida.

Será essa uma política eficaz? Somente o tempo, a experiência e a pesquisa poderão responder. Mas certamente os profissionais da justiça, saúde, segurança, educação terão outro suporte para olhar para a questão e trabalhar com os usuários de maconha. Assim como já trabalham com os usuários de álcool, cigarro, tranqüilizantes…

Se nos reportarmos à história da psicanálise encontraremos Freud pesquisador de cocaína. Alguns dizem tratar-se de um trabalho pré-psicanalítico do reconhecido pai da psicanálise. Talvez já seja essa uma interpretação dos efeitos do silenciamento que a proibição da droga produziu. Mas o fato é que as interrogações sobre os diversos efeitos produzidos pelas drogas acompanharam Freud durante o seu trabalho como psicanalista. Ele atribui o fato de alguns sujeitos se intoxicarem por diferentes substâncias – como morfina e cocaína- e outros não, à história subjetiva de cada um. Ao modo como cada sujeito lida com o mal-estar produzido pela vivência em comunidade.

Hoje podemos dizer que esse mal-estar pode ser ampliado por estratégias terapêuticas, educativas e jurídicas que tomam o usuário das drogas decretadas ilegais como um criminoso. Não estamos desconsiderando o sofrimento que o uso abusivo e dependente pode representar para cada um, para as famílias e comunidades. Somente afirmamos que esse sofrimento não deve ser acolhido por estratégias únicas, preconceituosas e homogêneas.

Assim discutir e conviver com paradigmas não proibicionistas ao lado dos paradigmas proibicionistas representa um avanço nesse debate.

Sandra Djambolakdjian Torossian psicanalista. Membro da APPOA. Profa. do Instituto de Psicologia da UFRGS/ Departamento de Psicanálise e Psicopatologia.

 


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