Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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27 de junho de 2012
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11:05

Democracia made in Paraguay

Por
Sul 21
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Pois não me vem o Paraguai aprontar o que aprontou e deixar a cada um de nós na difícil tarefa de encontrar um nome para o destilado que eles produziram em menos de setenta e duas horas, sem que ninguém da nossa embaixada em Assunção visse, cheirasse, escutasse, soubesse? Removem Lugo, colocam um presidente falsificado no lugar e pronto, devemos todos aceitar que a vida segue, bola no centro, tudo zerado?

A questão que eu, você, o senhor aqui ao lado devemos responder é: qual o nome do destilado? Redefinição de papeis de uma forma um tanto impulsiva? Reordenação das forças que regem as coisas, à revelia do que possam pensar o povo paraguaio e a Larissa Riquelme? Impiche? Ou, tão simplesmente, golpe?

A coisa seria mais fácil se o Paraguai não tivesse uma constituição e ela não previsse exatamente esse tipo de golpe parlamentar como algo legal. A coisa seria mais fácil de definir se houvesse algum neto do Stroessner metido na jogada. A coisa seria mais fácil de nomear se algum tanque, um blindado sobre rodas, um Topic armado de estilingue ao menos, tivesse ocupado a Praça Mariscal Solano López.

Não, estimados sulvinteumenses, a coisa não é tão fácil.

Um jornal deles, o ABC Color, estampou na capa dias trás: “Nueva Triplice Alianza envia duro mensaje a el Paraguay”, ou algo assim, em espanhol.

Os paraguaios, de bobos, não têm nada, e sabem muito bem onde colocar o dedo, e em qual ferida do nosso passado.

Mas, caros sulvinteumenses, que Tríplice Aliança é essa, se ela inclui Chile, Equador, Peru, Venezuela, Colômbia, Brasil, Bolívia, Uruguai, Argentina, além do Brasil? Ela não é tríplice, mas é a aliança de todos os países sul-americanos dizendo a mesma coisa: que algo estar na constituição não é a mesma coisa que ser justo ou válido. Todo contrato vale não pelo que está escrito, mas pelo que aquilo significa, na prática. E o rito que a constituição paraguaia prevê é o equivalente técnico a um bom e velho fuzilamento do Ceasescu, aqueles que são realizados por via das dúvidas e antes que o morto possa virar zumbi.

Acho que desde o Tratado de Westfalia, pelos idos de 1648, por aí, que os estados são considerados independentes e responsáveis pelo que acontece dentro de suas fronteiras. Estamos nos metendo em briga de marido, marido, marido, e marido, no mínimo.

Esse é um direito que temos?

Por outro lado, se simplesmente ignoramos um atropelo desse porte à eleição livre e democrática que trouxe Lugo ao poder, em um país que assinou um compromisso democrático ao se associar ao Mercosul, estamos sendo omissos ou pior, coniventes.

O congresso paraguaio resolveu remover o presidente legitimo do país por suposta incompetência no exercício da função. Sem querer afirmar que Lugo mereça ou não essa sentença, se pode questionar, no mínimo, como foi que o congresso paraguaio não demitiu a todos os presidentes que vieram antes de Lugo, pelo mesmo critério.

Não é possível aceitar uma justificativa dessas sem nos tornarmos todos cúmplices em uma comédia nada engraçada, acontecendo aqui ao nosso lado.

Uma constituição não quer dizer muita coisa, a não ser que seja realmente expressão do desejo de uma nação. Uma constituição não vale pelo seu texto, mas por sua interpretação e consequência. Não é uma constituição que define o grau de legitimidade de um governo, ou congresso, mas a intenção por traz dos movimentos que ele realiza. Sem extrapolar os limites de suas respectivas constituições, Lula pode ser um democrata e Chávez um déspota. Assim são as coisas.

O que aconteceu no Paraguai foi uma ruptura do que é saudável em uma democracia. O Paraguai é membro do Mercosul e assinou um tratado que o obriga a se comportar de maneira diferente da utilizada por seus desmiolados congressistas golpistas. Portanto, os sócios de tratado podem e devem avaliar o que aconteceu, de fato, e agir de acordo com o que foi previamente assinado por todos. É do jogo. O Paraguai, como estado independente, fez o que quis, e deve bancar a sua escolha. Sentindo o calor das consequências, quem sabe eles vão pensar muitas vezes antes de aprontar outra dessas, no futuro? Isso é o que se pode esperar.

A democracia, na prática, é a arte de aguentar a dor na cacunda até a próxima eleição. Enquanto isso, vencedores não pode infernizar os demais; perdedores não podem virar a mesa. Essa é a regra do jogo, exatamente a que o Paraguai não soube jogar. Cabe a nós, como sócios e colegas de continente, dizer a eles que sentimos muito, mas não. Se isso for dita da maneira correta, que é firme e sem gritos, eu acho que eles vão entender. Melhor pra eles, melhor pra todos.

* Imagino que muitos dos estimados leitores estejam especulando sobre as emoções desse colunista diante dos afagos do PT do RS ao PCdoB nessa eleição, ou do PT de São Paulo fazendo foto com o Dr. Paulo e escolhendo uma vice pcdobista. Que fique aqui claro que entre ser vencedor nas suas teses, e estar certo, esse colunista vai preferir sempre, sempre, sempre, estar certo.


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