Colunas>Coluna APPOA
|
10 de abril de 2012
|
15:32

Altruísmo e humor

Por
Sul 21
[email protected]

Por Lúcia Alves Mees. Psicanalista. Membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre (APPOA)

No último fim de semana, Porto Alegre foi brindada com a encenação de “Os Altruístas”, de Nicky Silver. As excelentes performances dos atores e o texto contundente poderiam se incluir no presente à nossa cidade aniversariante. Presente à reflexão.

Mariana Ximenes abre a peça no papel de Sydney, atriz de novela, rica e vaidosa, a qual se relaciona com Tony (Miguel Thiré), ativista político e mulherengo. A atriz, em altíssimos saltos, cambaleia pelo palco, assim como acontecerá ao longo da montagem com os ideais de nosso tempo: a política é reduzida a uma reunião de contras, seja lá a que; o amor e o sexo são rebaixados às relações de uso e interesse; e as escolhas sexuais também são postas em falso nos saltos usados pelos atores de corpos másculos e na indagação sobre a consistência da homo e da heterossexualidade.

O humor do texto faz rir dessas periclitâncias da atualidade e produz emudecimento no seu final pelo impacto que acarreta.

No debate posterior à peça, o excelente ator Kiko Mascarenhas propõe a questão: “a encenação se dirige a quem?” Talvez a pergunta pudesse ser “o que se faz com a queda dos ideais?”, ou ainda, “quando se levanta a censura e se revela o ilusório dos ideais culturais, qual resposta é convocada?”

A peça apresenta o que poderia ser a saída cínica, aquela que constata para afirmar. Pois o cinismo implica a falência da crítica social e da leitura crítica. A racionalidade cínica não permite pensar a crítica como indicação de discrepâncias entre as situações sociais concretas e os ideais que as fundamentam.

Entretanto, esta não parece ser a intenção do autor do texto Nicky Silver. Em entrevista a jornal do Rio de Janeiro afirmou que quer chocar, embora ache que isso não seja mais possível por que “a cultura se tornou tão nebulosa, não há mais limites sociais e isso me leva a crer que é virtualmente impossível chocar”. No texto de “Os altruístas”, de 1996, ele inclui a ironia para tentar aturdir através daqueles “que acreditam que são altruístas e que estão se sacrificando como seres humanos, mas em prol de uma causa abstrata que nem eles conseguem identificar”. Acrescenta por fim que o humor é a única ferramenta que temos para sobreviver.

Freud já afirmara algo próximo disso: o humor permite que alguém se livre dos efeitos desagradáveis de algo, e que rir da própria sorte é uma forma de estar “acima de seu destino”. Sobre a indagação se o humor é cínico, Freud responde que ele não é resignado e sim rebelde, visto ser um recurso desenvolvido para reagir ao sofrimento e à opressão.

Porém, o humor reverenciado por Freud é aquele em que o sujeito está incluído. Ele ri de si próprio e liberta-se de ter de sustentar uma imagem narcísica de si mesmo. Ri de suas fraquezas, de suas imperfeições. Logo, o humor transformador é aquele que se dirige a cada um de nós, implicando-nos. Diferente disso é o humor que acha graça da humilhação do outro, de suas limitações ou estranhezas. Em tempos de queda dos ideais sociais, tempos de humorista que faz piada sobre comer o bebê da grávida ou das “brincadeirinhas” agressivas nas escolas, importa pensar sobre o que é sério e o que é risível em nossa cultura atual.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora