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29 de fevereiro de 2012
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13:07

Cadê os bons evangélicos?

Por
Sul 21
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Estimados sulvinteumenses, aqui, sentado e tomando um café Astro Bourbon que eu tive o bom senso de comprar, moer e passar, sou atingido em cheio pela mais recente bomba evangélica: eles querem, nada mais nada menos, legalizar o que chamam de “cura gay”.

Em bom português, WTF?

De doença eles parecem entender, e de perto, mas cura? E curar gays de quê, se sexualidade já não é considerado doença há décadas?

Estimados leitores, onde estão os evangélicos do bem, os que até curtem as suas seitas numa boa, mas não são malucos? Onde estão que não se apresentam para publicamente dizer que discordam desses fundamentalistas de araque instalados no Congresso? Essa é a parte que eu não entendo.

Um bispo católico aparece para dizer alguma asneira, logo aparecem católicos de vários lados para dizer exatamente isso, que o senhor bispo falou uma asneira e não fala por todos os católicos. Cadê os evangélicos dispostos a fazer a mesma coisa?

Como o Garotinho, Magno Malta e outros próceres da chamada bancada evangélica falam o que falam, fazem o que fazem, sem que nenhum líder dessas seitas, ou seguidor delas, os critique? Garotinho chegou ao primor de comparar Dilma a Hitler – ele, Garotinho, do alto de sua sabedoria política e histórica, e nada.

Escrevi a respeito e a única opinião contrária a Garotinho veio de um pastor luterano, justamente os evangélicos que mais perdem ao serem catalogados junto com os seguidores do Edir Macedo. Mas ele fez a sua crítica em um email, dele para mim, não em público.

Como esses sujeitos podem falar o que falam, fazer o que fazem, sem que ninguém do mesmo lado do espectro religioso os critique? Todos os evangélicos são homofóbicos? Acho difícil, muito difícil, até mesmo porque muitos evangélicos têm que ser gays, estatisticamente falando, e acho difícil que mesmo um gay evangélico seja homofóbico, e impossível que todos o sejam.

Todos são a favor do ensino do imbecil criacionismo nas escolas? Todos apóiam que testemunhas de Jeová sejam contra transfusões de sangue, colocando em risco a vida de crianças? Todos são a favor de ver os mais pobres pagando o dízimo que não podem nem devem a esses pastores inescrupulosos que cobram e cobram? Todos são contra a separação Estado x Igreja? Todos querem ensino de religião nas escolas públicas? Todos são contra as religiões africanas? Todos são contra a igualdade constitucional do casamento civil para todos? Todos preferem crianças órfãs sós e abandonadas do que adotadas por casais gays?

A injustiça pode vir de todos os lados, e vem. Mas, em nossos tempos, os antigos malvados andam sofrendo de falta de preparo físico para enfrentar o século 21, e pouco os vemos ou ouvimos. Neonazistas são uns malucos periféricos, mais pobres e burros do que nazistas, mesmo sendo capazes de produzir a sua barbárie contra os que cruzam o seu caminho. Os racistas ficam na defensiva e exercitam o seu racismo de maneira envergonhada ou escondida. Os militares trocaram a farda por pijama, aqueles militares pelo menos, e hoje tudo que fazem é manifestação com dor na lombar nos clubes deles, sem qualquer alcance. A velha direita não tem mais sequer o comunismo para berrar contra, não sei contra o que berram hoje, já que o pulmão não é mais o mesmo. Aqueles males que nos atormentaram no século 20 perderam o fôlego ou saíram de cena.

E, agora, quando poderíamos nos concentrar em melhorar a vida de todos sem destruir o meio-ambiente no processo, aparece esse novo mal, na forma de seitas fundamentalistas que usam a bíblia como megafone, em geral com o uso indiscriminado de megafones.

Essa é uma república laica, mesmo que com crucifixos nas paredes de prédios públicos e que não deveriam estar lá. Nossa Constituição assegura o direito individual à religião, qualquer religião, o que significa que nenhuma pode se impor às demais, e nenhuma pode se impor aos que não a sigam.

É muito duro para um cidadão de uma república que se pretende moderna e laica ver os seus dirigentes sendo achacados pelos Malafaia, Wellington Jr. et caterva. É preocupante ver o resultado desses sujeitos no poder. Lembram dos desastres Garotinho e Garotinha, Benedita, Roriz, e Jorginho na Seleção do Dunga?

A religião é um fenômeno de sobrevivência, está aí e faz parte do jogo. Mas somente somos o que somos, somente criamos sociedades pluralistas e livres porque lá atrás, na Revolução Francesa, começamos a colocar limites para o que as igrejas podem e não podem, submetendo-as a normas de respeito aos direitos civis. Esse foi o grande avanço que levou o Ocidente até onde ele chegou e não pode, de maneira alguma, retroceder.

Nossa vida, nossa sociedade depende do respeito aos direitos e da tolerância entre os diferentes. Qualquer pessoa de bem sabe disso. Falta agora os evangélicos de bem surgirem para dizer bem alto que sim, sabem e aceitam as regras do jogo e que não, esses caras não os representam. Até lá, segue a dúvida sobre o que são, o que realmente pensam, e de que lado realmente se encontram. Aos que estiverem dispostos a tornar as coisas mais claras, por favor, enviem suas cartas para essa caixa postal. A eles, desde já, o meu, o nosso, obrigado.

Marcelo Carneiro da Cunha é escritor.


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