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21 de fevereiro de 2011
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21:13

A herança maldita de Aldo Rebelo

Por
Sul 21
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“Se queres salvar a natureza, mate um gaúcho”, é o que diz o eslogam que se repete ainda à boca pequena nas comunidades da Chapada dos Veadeiros, no norte goiano. Naqueles ermos, vindos de Nova York, Berlim, Paris e outras cidades pós-tecnológicas dos países ultrarricos, veem-se rapazes e moças recém graduados nas universidades mais famosas do mundo, prontos para adentrar às receitas da altíssima renda em seus países. Equipados com seus sacos de dormir, vão se acomodar em ranchos de taipa, modernizados pelo adobe, para evitar pragas transmitidas pelo barbeiro ou os mosquitos perniciosos, para viver uma ou duas semanas de seu ideal de civilização. Quando se encontram com as folhagens das lavouras, apontam o dedo: “bandidos da Embrapa”.

Por que matar o gaúcho? Hoje, nosso gentílico identifica os produtores de alta tecnologia que plantam e criam na chamada Nova Fronteira, ou seja, nas terras antes do cerrado e dos campos do centro-oeste brasileiros. Gaúcho não é mais rio-grandense, mas sim todo o produtor que tenha origem familiar e cultural no Rio Grande do Sul, embora a metade deles seja hoje natural de Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, ou mesmo de primeira ou segunda geração de descendentes dessa gente. O que sobra neles de gaúcho, além dos traços culturais básicos (mate, carne gorda, amor à terra), é a gaita do Renato Borghetti, a prosa do Tabajara Ruas e as crônicas do Luis Fernando Verissimo, especialmente quando ele revela seu ardor colorado (que expressa a nossa dicotomia).

Estes jovens, originários das rendas estratosféricas do Primeiríssimo Mundo, deleitam-se no cabo de uma enxada, capinando roças, pomares e hortas iguais às que faziam nossos avôs, hoje denominadas ecoflorestas, com mais de 90% de vegetais exóticos. A ideia é generosa: salvar o Planeta. O propósito, de certa forma, é egoísta, pois sempre se diz que “estou salvando o mundo para meu filho viver”, sem lembrar-se dos filhos de outros que teriam de ser excluídos, dada à superpopulação que já assola o meio ambiente primitivo.

É por isto que dá dó ouvir as assertivas que se jogam sobre o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), quando propõe seu Código Florestal. É patético se ver esse coerente e veterano revolucionário, histórico ativista de propostas radicais de transformação da sociedade pela eliminação da desigualdade, da pobreza e da fome, ser massacrado como inimigo da Humanidade faminta. Seu projeto é coerente com a cessão de áreas férteis para os pequenos agricultores, alinhado com as demandas de interrupção do êxodo rural, e francamente voltado para o aumento da produção de alimentos para os bilhões de emergentes que estão de panelas vazias nas mãos pelo mundo afora, especialmente na Ásia. Por outro lado, é improvável que o Brasil e os brasileiros possam se furtar de fornecer comida para o mundo. Se não fizermos, outros virão aqui atrás das terras produtivas. Que ninguém se iluda que nosso País terá força e poder para sentar-se sobre seus espaços incultos enquanto a população do planeta esperneia por um prato de arroz com feijão e um naco de carne.

Entretanto, a proposta do deputado Aldo Rebelo quase nada afeta interesses do chamado agronegócio (que vocábulo teve seu significado mais distorcido?). O que seu projeto assegura são condições para os micros produtores implantarem suas culturas numa escala mínima e agregarem tecnologia às suas lavouras e criações. Para os megaprodutores, o congelamento de áreas cultiváveis pouco influi negativamente. Pelo contrário, suspender o aumento da produção oferece aos grandes proprietários oportunidades de melhores preços e uma reserva para dominarem os mercados. Hoje em dia, a grande queixa dos chamados latifundiários não é falta de terras, mas de preços baixos. Essa é uma proposta de transição que bem pode produzir um crescimento sustentável nos próximos 50 anos. Depois, a tecnologia e os ideais das novas gerações podem gerar novas idéias.

A geração do deputado Rebelo formou-se na luta contra a ditadura do capitalismo selvagem e, com Lula e, antes, com Itamar e Fernando Henrique, já originários da mesma vertente ideológica, transformaram aquela realidade. Por uns 20 anos o Brasil ainda continuará nesta trilha até que o tempo traga novos atores. Da luta entre socialismo e ambientalismo sairá a elite dirigente desse futuro. Depois de Dilma e seus sucessores, a nova geração, se assim for, terá de administrar essa herança maldita: uma população habituada e/ou corrompida pela segurança alimentar e pelos confortos da civilização.


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