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10 de janeiro de 2011
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17:53

Guerra do Rio II

Por
Sul 21
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A guerra do Rio de Janeiro contra o tráfico vai, aos poucos, mostrando seus limites, quais sejam a retomada do território ocupado pelos bandidos em plena área urbana da segunda maior cidade do país e símbolo de nossa civilização tropical, São Sebastião do Rio de Janeiro.

Isto se realizou naquela operação espetacular com ampla transparência, transmitida ao vivo pela televisão para o mundo inteiro, sem que se registrassem quaisquer incidentes entre repórteres e autoridades. Por si só isto já assegura à grande operação seus resultados políticos no sentido positivo. A esta altura está bem claro que tudo funcionou bem porque houve entrosamento, em vez de sabotagem, entre os diversos organismos envolvidos, o que se deu, principalmente, graças à cooperação franca entre o então presidente Lula e o governador Sérgio Cabral. Homens de partidos diferentes, embora aliados na última campanha, obtiveram o emprego conjunto de forças estaduais e federais, depois de acabado o episódio eleitoral, o que confere maior grau de legitimidade ao ocorrido. Desqualificar o êxito é inveja ou espírito de porco (nome antigo para a moderna expressão de sectarismo).

Entretanto, baixada a poeira levantada pelas lagartas dos blindados da Marinha, transparece o absurdo que foi a ocupação por tantos anos de partes do Rio de Janeiro por forças da bandidagem. Com a desculpa de que as forças do poder público não tinham poderio bélico para se impor nessas áreas. Não obstante a grande quantidade de armamento encontrado nesses locais, a retomada transcorreu sem baixas. Isto é a prova de que aquelas áreas eram dominadas pelos bandidos porque só faltava vontade política para botar os marginais a correr. Portanto, se não havia força ou formulação política suficiente para fazer o que tinha de ser feito era porque poderiam haver interesses políticos maiores ou mais fortes que a tal “vontade” dando cobertura ao crime organizado. Este é um lado ainda obscuro a ser esclarecido pela imprensa investigativa.

Outro fato interessante, econômico, resultante da grande ofensiva foi que, tal quais certas crises financeiras da economia formal, não houve inflação nem desabastecimento no mercado de drogas. Mesmo com a apreensão de toneladas e toneladas de produtos e com sua incineração nas fornalhas da Companhia Siderúrgica Nacional, os preços não subiram, nem faltou produto nas festas do fim de ano.

Segundo alguns especialistas entrevistados disseram em jornais e tevês, o desmonte da máquina de guerra da bandidagem gerou uma contenção de gastos que foi repassada ao consumidor. De fato, o custo de uma máquina de guerra é muito alto. Demanda armamento caro, porém, mais do que isto, são os insumos que provocavam uma verdadeira sangria nas finanças dos traficantes. Munição para esses equipamentos e treinamento dos fuzileiros. É muito dinheiro. Note-se que nas apreensões e outras apresentações de resultados policiais nunca aparecem como presas nada além do que um ou outro cunhete de balas.

A munição é o item mais caro da guerra, hoje em dia. Armas automáticas não devem disparar munição vencida ou mal conservada, pois engasga o mecanismo, deixando o guerreiro na mão, literalmente, pois de perigoso cuspidor de fogo a centenas de disparos por minutos é rebaixado a um coitado que só poderá contar com a coronha de seu fuzil. E como custa caro uma bala que tem de vir dos Estados Unidos, de Israel, da Rússia… Nossos primitivos “tresoitões”, que agora aparecem nas estatísticas como os vilões e o Rio Grande como o fornecedor, há muito sumiram dos combates. Basta ouvir o pipocar captado pelos microfones dos repórteres para ver que ali só estoura munição de primeira qualidade: balas de aço. Coisas bem diferentes do que o chocho estampido dos velhos (porém seguros) revólveres gaúchos.

O transporte dessa munição é o grande mistério. É um material sensível, pois não pode se deteriorar minimamente, ou seja, não pode ser transportado em veículos insalubres ou sujeitos a mudanças de ambiente, que afetem a química das pólvoras. Munição pesa muito. Pegue-se uma caixinha de 25 balas para ver. Imagine-se centenas de cunhetes para alimentar esses tiroteios que a gente escuta na tevê quando a polícia sobe o morro? Por fim, o fuzileiro tem de treinar. Tal qual um músico, deve ter mãos finas e dedos adestrados, sensíveis, respiração controlada. O treinamento deve ser diário. É verdade que para treinamento usa-se munição que está prestes a vencer, que teria de ser descartada. Porém, balsa queimada, bala reposta.

Esse é o maior problema de forças irregulares, como são os traficantes de hoje. Os antigos larápios das favelas, no tempo dos .38, não tinham esse custo. A qualidade da munição, seu preço e a dificuldade de obtê-la foi o calcanhar de Aquiles dos Libertadores gaúchos na Revolução de 23. Nas guerras do Século XIX os rebeldes podiam combater com munição feita em casa. Já em 23 eram necessárias balas industrializadas, feitas em fábricas. Por isto Zeca Netto, depois de tomar Pelotas, teve de abandonar a cidade, pois não tinha munição para sustentar a contra ofensiva que a Brigada já operacionalizava; Honório Lemes teve de se retirar de uma posição vantajosa no Combate da Ponte do Ibirapuitã porque as cartucheiras se esvaziavam perigosamente.

Por fim, há o aspecto legal. Para um varejista, estar ligado a bandos armados é muito negativo, pois esse poderio bélico não lhe ajuda nas ruas. Melhor ser preso só com a droga, sem armas e sem conexões diretas com a violência. Com isto civiliza-se o crime. Também chega a segurança e a Lei do estado àquelas populações marginalizadas pela ocupação da bandidagem, com suas leis draconianas.

Foi o último grande ato do governo Lula. Uma atitude corajosa, pois se desse errada seria uma perda irrecuperável. Felizmente, funcionou. Também foi a ação inaugural do segundo governo Sérgio Cabral Filho. Se desse errado, oculpado seria o governo que findava e Lula seria pendurado na cruz do Santuário da Penha, no alto do morro, bem no meio da região dominada pelo banditismo. Deu certo, Cabral colhe os louros. Nada errado. É assim mesmo que funciona.


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