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14 de janeiro de 2011
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16:57

Governo Lula: avanços e falhas

Por
Sul 21
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Destaco cinco pontos nos quais o governo Lula me pareceu altamente positivo e outros cinco nos quais não correspondeu às expectativas. Estou convencido de que constituíram iniciativas que não poderão ser ignoradas pelo governo Dilma e outros que a sucederão.

1. Renda aos mais pobres — através do Bolsa Família e demais políticas sociais, transferiu-se considerável soma de recursos para as famílias mais pobres do Brasil, a ponto de retirar 20 milhões de pessoas da miséria. Embora o Bolsa Família distribua como renda apenas 0,4% do PIB, e a seguridade social 7%, o fato é que, hoje, 70% das moradias possuem eletrodomésticos como geladeira, TV, fogão e máquina de lavar roupa. O aumento anual do salário mínimo acima do índice da inflação dilatou o poder de consumo da população brasileira.

2. Estabilidade econômica — a inflação manteve-se abaixo de 5% e o salário mínimo corresponde, hoje, a mais de US$ 200. Isso permitiu ao consumidor planejar melhor suas compras, o que foi facilitado por uma política de créditos consignados e a longo prazo, apesar de as taxas de juros serem ainda elevadas.

3. Não criminalização dos movimentos sociais — embora as ocupações do MST, dos movimentos de moradia e de barragens causassem inquietação às autoridades, não houve repressão policial-militar e o governo buscou, ainda que timidamente, diálogo com lideranças populares.

4. Soberania — ao rechaçar a ALCA e zerar as dívidas do Brasil com o FMI, o governo Lula afirmou o Brasil como país soberano e independente. O que lhe permitiu manter confortável distância da Casa Branca e se aproximar da África, dos países árabes e da Ásia, a ponto de enfraquecer o G8 e fortalecer o G20, do qual participam países em desenvolvimento. Estreitou relações com a África do Sul, a Índia e a China, e rompeu o “eixo do mal” de Bush ao defender Cuba, Venezuela e Irã.

5. Falar à alma do povo — Lula preferiu abandonar os discursos escritos e as rubricas protocolares para alimentar sua empatia com o cidadão comum, utilizando uma linguagem popular, sem “economês” ou expressões acadêmicas. Muitas vezes externou seus sentimentos sem pudor, deixou que a emoção o levasse às lágrimas e a raiva o fizesse usar as mesmas expressões que a gente simples do povo usa quando lhe pisam no calo.

Há, porém, o outro lado da moeda, os cinco aspectos que considero falhos:

1. Governo contraditório — Lula nomeou ministros de tendências políticas e ideológicas antagônicas, como Stephanes, na Agricultura, e Cassel, na Reforma Agrária; Mantega, na Fazenda, e Henrique Meirelles, no Banco Central; Jobim, na Defesa, e Vannuchi nos Direitos Humanos.

2. Arquivos da ditadura — embora integrado por inúmeras vítimas da ditadura militar, a começar do presidente da República, o governo Lula jamais usou sua prerrogativa de comandante supremo das Forças Armadas para obrigá-las a abrir os arquivos dos anos de chumbo. Nem apoiou iniciativas para que os responsáveis pelos crimes da ditadura fossem levados à barra dos tribunais.

3. Reformas estruturais — o governo termina sem que, nos oito anos de mandato, tenha sido feita qualquer reforma estrutural, como a agrária, a política, a tributária etc. Se os mais pobres mereceram recursos anuais de R$ 30 bilhões, os mais ricos, através do mercado financeiro, foram agraciados, no mesmo período, com mais de R$ 300 bilhões, o que evitou a redução da desigualdade social.

4. Educação — o investimento no setor não superou 5% do PIB, quando a Constituição exige ao menos 8%. Embora o acesso ao ensino fundamental tenha se universalizado, o Brasil se compara, no IDH da ONU, ao Zimbabwe em matéria de qualidade na educação. Os professores são mal remunerados, as escolas não dispõem de recursos eletrônicos, a evasão escolar é acentuada. Os programas de alfabetização de adultos fracassaram e o MEC se mostrou desastrado na aplicação do Enem. De positivo, a ampliação das escolas técnicas e das universidades públicas, o sistema de cotas e o ProUni.

5. Saúde — o SUS continua deficiente, enquanto o atendimento de saúde é progressivamente privatizado. Hoje, 44 milhões de brasileiros estão inscritos em planos de saúde da iniciativa privada. Mais de 50% dos domicílios do país não possuem saneamento, os alimentos transgênicos são vendidos sem advertência ao consumidor, os direitos das pessoas portadoras de deficiências não são devidamente assegurados.

Espero que o governo Dilma possa dar aprimoramento aos avanços do governo Lula e corrigir as falhas, sobretudo na disposição de efetuar reformar estruturais. Tomara que ela consiga superar a deficiência congênita de sua gestão: o matrimônio, por conveniência eleitoral, entre o PT e o PMDB.

* Escritor, autor de “Calendário do Poder”


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