Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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3 de janeiro de 2011
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16:27

Agora é Dilma

Por
Sul 21
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Estimados sulvinteumenses, saravá! Este que vos tortura com essas mal traçadas linhas acaba de voltar de uma excursão ao Brasil profundo, aquela terra de contrastes entre o que temos de urbano e colonial, também conhecida como Rio de Janeiro.

Fui para ver os tais fogos em Copacabana, e voltei de queixo caído. A praia toda iluminada, dois milhões de pessoas numa boa extremamente boa, muitos navios de cruzeiro ancorados ali em frente, compondo muito bem a decoração do evento – e ainda o show de fogos de artifício para chinês algum colocar defeito foram mesmo um espetáculo. Os defeitos ficaram por conta do animador que colocaram pra comandar a festa, a música infernal que escolheram para acompanhar os fogos, que parecia coisa de quem andou pela Disney e achou que aquilo é que era legal, e dos defeitos do Rio, como um todo. Estimados leitores, estamos longe, muito longe de onde precisamos estar para sermos o que dizemos que pretendemos ser. O Rio precisa de muito mais do que um choque de ordem. Ele precisa de uma faxina, urgentemente, e de alguém que bote o exército a ocupar os ônibus. Nenhuma cidade pode existir com motoristas que dirigem ônibus daquele jeito. Não em um lugar que se pretende maravilhoso, e nem mesmo em um lugar que se pretenda maisoumenoszinho.

O que ele tem de maravilhoso são elementos realmente maravilhosos, mas pontuais. O Trapiche Gamboa, casa de samba no centro, a Lapa, o germaníssimo Bar Luiz, um pedacinho de Morro Reuter na rua da Carioca, os botecos, como Jobi, Bracarense, o melhor da alma e do corpo cariocas, junto com o que deve haver de legal nos morros e a gente ainda não está sabendo. O que a cidade tem de maravilhoso não são a cidade e suas calçadas, mas a atitude cultural e a natureza maravilhosa que colocaram lá, e não por obra do Sérgio Cabral, dizem.

E vi pela televisão a posse de nossa novíssima presidente, confortavelmente instalado em um dos botecos da cidade, e teve a sua emoção, não é mesmo? Não por essa coisa de gênero, a primeira mulher e tal. Isso nos prende ao passado, e eu prefiro pegar um atalho até o presente, acreditando mesmo que a nossa sociedade não deu a mínima, ou quase isso, para o fato de a Dilma ser mulher.

Foi emocionante demais ver o Lula passando a faixa, Dilma recebendo, e Lula saindo de cena. A mensagem foi clara: “Agora é com você, Dilma”. E isso quer dizer, essencialmente, agora é com a gente.

Lula fez a sua parte, com sobra. Um grande líder e estadista, na hora certa, no lugar certo, faz tudo que a gente teve a sorte de ter e ver. Lula, entre outras coisas, mostrou o valor da democracia, estimados leitores, num país pouco acostumado com isso. Ele deixa um país diferente, e com mais jeito de país contemporâneo, e por isso, talvez, a Dilma fique tão bem no comando dele.

Mas, sabem, estar no Rio me fez sentir muito claramente o que Dilma precisa fazer para que o Brasil comece a parecer com o Brasil das estatísticas otimistas. Porque o que você vê na rua não é isso. Produzir x milhões de carros e ônibus não faz com que eles se comportem de maneira civilizada. Distribuir renda não torna os taxistas menos propensos a se comportar como se estivéssemos todos na Mongólia, eles na condição de Kublai Khan. O Rio é desleixado, confuso, complacente, e encantador, muito como o Brasil não deixou ainda de ser. Muito precisa ser feito para que o Brasil se torne o que andam dizendo que ele se tornou. Não se tornou, pode se tornar, mas o caminho é imenso, e Dilma precisa saber disso e não afrouxar um instante. O Rio é disléxico, como o Brasil também mostra ser, boa parte do tempo, e isso exige novas soluções.

Bastou em voar trinta e cinco minutos para chegar em um lugar onde os taxis são como deveriam ser, portanto, temos o código, precisamos apenas traduzi-lo. Os ônibus de Porto Alegre andam como devem andar, os de Curitiba e de São Paulo também. Portanto, basta puxar o tapete e cobrir o Rio com essa visão de urbanidade. Mas lembrando que não é apenas o morro, e sim o asfalto arcaico que cobre partes mais supostamente nobres do país. O Rio tem uma classe média-alta que oferece quartinhos equivalentes a um sub-cubículo para as mulheres que ainda trabalham para ela. Tirar essas mulheres de lá é imperativo, para que essa classe repense a sua condição, ou aprenda a lavar louça, ou ensinar seus filhos a fazerem eles mesmos o seu suquinho. Assim, liberando uma classe do jugo, liberamos duas.

O Brasil precisa passar por isso, e espero que a Dilma saiba. Olhando para o jeitão dela ontem, fiquei na dúvida. Dilma tem bom senso e pressa. Mas políticos, ainda mais sob o ar de Brasília, começam em algum momento a acreditar nas estatísticas e nas placas de obras, mais do que no significado real do que elas omitem. Vamos torcer para que a Dilma seja a Dilma, que gosta de cobrar e de fazer, porque, estimados leitores, existe muito, mas muito mesmo, a fazer.

Que 2011 seja o ano do começo, e vamos todos em frente, se não por falta de escolha, então por escolha.


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