Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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7 de janeiro de 2011
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19:29

A arte de falar baixinho

Por
Sul 21
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Estimados sulvinteumenses, mais uma do Wikileaks nos informa que os americanos nos acharam moles demais no trato com a Bolívia no episódio da nacionalização das refinarias da Petrobras. Vindo de gente que acha que falar no tom certo é invadir países e explodir gente ao menor sinal de contrariedade, eu acho que esse foi um enorme elogio à nossa política externa nos anos Lula. Chico Buarque colocou melhor do que ninguém: disse que gostava que seu país não falasse fino com Washington, nem grosso com a Bolívia ou Paraguai. Nem submissão com o império, nem arrogância com os mais fracos. Me parece ótimo, não, estimados leitores?

Claro que a imprensa paulista berrou, os chatos de sempre gritaram, afinal, cadê a proteção aos bens e à honra nacionais, ameaçados pela Bolívia? Pela Bolívia, estimados leitores? Um pobre país cujos problemas fazem os nossos nem parecerem o que são. Um sistema praticamente impossível, tentando desesperadamente se mover até algum lugar no futuro e a gente ainda vai tornar as coisas mais difíceis? Pra quê?

Com os americanos, a coisa era assim: seguindo a doutrina do começo do expansionismo imperial, com Theodore Roosevelt – falar baixinho e carregar um porrete. Um século depois, eles pularam a parte do falar baixinho e esperam que a gente faça o mesmo. Tempo perdido, estimados irmãos do Norte, porque o Brasil, simplesmente, não é igual a vocês.

E não que a gente não saiba defender os nossos interesses, e olhem que o governo Lula fez isso com uma habilidade impressionante. O que não é do nosso jeito, mui simplesmente, é usar o jiu-jitsu nas relações com os vizinhos. Somos a expressão máxima da soft-power, estimados leitores. E soft-power é a forma de exercitar o poder no século 21, eles é que não descobriram isso, ou nunca vão descobrir, com tantos republicanos por todo lado.

Se quisermos fazer negócios com a Bolívia, com o Paraguai, com o Equador, precisamos saber no que estamos nos metendo, ou ficar de fora. Entrar na confusão não querendo amassar a roupa é coisa de almofadinha do Texas, não da gente. A Bolívia é assim, a Venezuela é assim, e vão ser assim por um bom tempo, e não existe força externa capaz de tornar as coisas muito diferentes do que elas são. A melhor coisa que a gente pode fazer é o que estamos fazendo. Sermos bons vizinhos, mesmo enquanto ganhamos muito dinheiro com eles, o que é a maior verdade, no fim do dia. Por mais que a imprensa e os setores de sempre gritem, o Brasil tem sido extremamente beneficiado nas relações com nossos vizinhos, a Odebrecht e Camargo Corrêa que o digam.

O que temos que fazer é mostrar que eles saem perdendo, e muito, se nos hostilizam. Somos um país amigo, compartilhamos dos mesmos problemas, e podemos fazer muito por eles, mesmo que nossos objetivos sejam, também, pragmáticos. Somente o Brasil tem a escala, a economia, e a tecnologia para realizar a integração da infraestrutura e investir nos grandes projetos que podem transformar a América do Sul em um território contínuo, integrado e mais capaz de aproveitar seus enormes potenciais. Nós ajudamos com a estabilização política de toda a região, há horas. Nós não somos culturalmente imperialistas, e temos as condições de sermos o elemento de ligação dos demais países do nosso continente. Nós somos, olhem com atenção, o meio de tudo. Se um dia a América do Sul vai realmente se unir, vai ser através da gente, e com a gente. E ela já começou esse processo e ele não tem volta. Quem vai querer ficar de fora?

Olhando para esse cenário, é impossível que esses países não se dêem conta de que precisam se dar bem com a gente, que não precisamos ficar ameaçando ninguém, basta estarmos aqui, sendo o que somos, e o que estamos nos tornando como nação democrática e que se desenvolve de maneira mais includente. Não precisa gritaria, basta o exemplo.

E é isso que os americanos talvez não entenda, talvez porque não entendam o conceito de exemplo, como deveriam ter feito em Honduras, e fizemos nós.

Penso eu tudo isso, porque amanhã vou até um país que tem feito tudo mais ou menos ao contrário do que a gente tem feito, e paga pesadamente por isso. Estive lá no ano passado, e o que vi me encheu de tristeza e preocupação. A Venezuela não é um lugar feliz, estimados leitores, e Hugo Chávez tem muito a ver com isso. Ao escolher o caminho inverso ao que Lula tomou, ele partiu para a divisão e o confronto com tudo e todos, ativando muito mais conflitos do que recomenda a vã filosofia. O país não vai bem, estimados leitores e não dêem bola para o que diz a imprensa a favor ou contra, mas, como eu, vão, e vejam.

Apesar de tudo, eles são aqui, nossos vizinhos. O povo se parece muito com o nosso, o rum é simplesmente sensacional, e as praias deles, bom. Vejam.

Eu acredito num destino melhor para a América do Sul, gostaria de ver todo mundo avançando junto, em vez de diferenças aumentando. Eu acho que temos tantas coisas em comum, que deveríamos ter uma vida muito, muito mais compartilhada. Isso vai ser mais fácil quando tivermos sistemas mais similares nos conduzindo, a todos. Que o Brasil atue para que isso se torne realidade, é o que eu espero, e é por isso que eu vou.


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