Colunas>Lélia Almeida
|
29 de dezembro de 2010
|
16:57

É Natal e nasceu uma menina

Por
Sul 21
[email protected]

Acervo pessoal

Numa tardinha quente de fevereiro, minha mãe, grávida de sete meses, subiu os três andares do edifício onde morava, carregando uma melancia. O trabalho de parto começou naquela noite. E ninguém sabia que era um casal de gêmeos. Meu irmão nasceu um menino muito pequeno e quando minha mãe fez força para expulsar a placenta o médico anunciou que era uma menina, menor que ele ainda. Durante muito tempo o meu apelido familiar foi o resto. Meu irmão ganhou peso e pôde ir para casa e eu fiquei ainda um tempo na incubadora do hospital. Fiquei para ganhar peso através de uma sonda de soro e gotas de leite materno pingadas num chumaço de algodão pelas mãos de freiras fervorosas que me batizaram como Lélia Maria, em homenagem à Virgem, para que eu sobrevivesse. Sinto que todas as decisões da minha vida não foram, inteiramente, tomadas por mim. Mas pelo espírito valente daquela menina que se mantinha a sopros e determinação, dia a pós dia, decidindo ficar.

Todos os dias deste ano de 2010 vivi provas que me pareceram impossíveis de suportar, e ao final de cada dia, agradeci a travessia. Mas hoje eu sei que a decisão de suportar ou desistir não me cabia. Aquela menina diminuta já tinha decidido por mim, lá, no início de tudo. E hoje, quando me desespero entro em sintonia com o espírito dela, o corpo enrolado em fios e panos, numa incubadora que talvez lembrasse a precariedade da manjedoura como a daquela história de tanto amor. Ela respira e não desiste. Eu reverencio aquela menina a cada noite escura que meu coração pede trégua. Então eu fico, eu digo, depois de orar, e agradeço a sua força.

Eu fico. E quero a minha jornada por inteiro.

Com tudo o que me cabe.

Amém!


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora