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27 de dezembro de 2010
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21:49

Choque de ordem em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Estimados leitores sobreviventes do caos aéreo, das chuvaradas da semana e dos exageros natalinos, aquele abraço! E os meus exageros de Natal foram cometidos na minha Porto Alegre natal, num calor que deve ser importado da Austrália, combinado com a umidade que trazemos do Pantanal especialmente para a ocasião. Quem o vive, sabe do que estou falando.

E os taxis insistem em não usar o ar condicionado, minha gente! Esse foi o meu primeiro desacordo na chegada a cidade. Desci de dois deles, porque me recuso a pagar por um serviço sem receber nada em troca. E serviço de taxi em Porto Alegre precisa ser definido como algo capaz de nos levar até algum lugar sem que a gente derreta ou entre em combustão no caminho, concordam. Desci e fui até a esquina pegar outro, outros, porque esse neto da minha avó Jovita conhece os seus direitos, estimados leitores, e briga por eles.

E foi isso que senti no decorrer do feriado. Porto Alegre precisa de um choque de ordem. Porto Alegre precisa de gente que acredite em civilidade e civilização, ou vamos pro fundo, sem escalas.

Eu fui a vários lugares para comer, beber, ou conversar. Em vários, pessoas fumavam à vontade DENTRO deles, minha gente. Isso não é proibido em Porto Alegre? Faz muitos meses que eu não vejo isso acontecer mais, em lugar algum do Brasil. Em Porto Alegre pode? Nós vamos representar a vanguarda do atraso, justamente nós?

Eu andei pela Cidade Baixa e vi bares, desses pequenos e desimportantes botecos com cerveja barata, com centenas de pessoas, jovens, do lado de fora. E isso em prédios residenciais, estimados leitores. Podem imaginar o que se torna a vida deles, de pessoas que provavelmente gastaram anos pagando por seus apartamentos e pelo direito de viver com tranqüilidade, especialmente naquelas horas que as pessoas costumam usar para descansar e dormir? Cadê a prefeitura, o estado, cadê quem zela pela vida em sociedade, cortando os excessos antes que eles provoquem as injustiças que sempre provocam?

Deixem eu relatar o que vivi há uns tempos aqui em São Paulo, onde vivo. Fui conhecer o bar de uma amiga, era em torno da uma da manhã, a ultima mesa da rua tinha sido retirada há pouco, quando chegou uma patrulha do Psiu, programa que controla o ruído na cidade. Algum vizinho tinha reclamado, a patrulha tinha ido até lá e minha amiga literalmente desabou. Para sorte dela, o bar realmente tinha removido a última mesa antes do horário limite. Ela me explicou que tinha sido multada uma vez antes, e sabem o valor da multa, meus leitores? VINTE E NOVE MIL REAIS. E, caso fosse autuada pela segunda vez, o bar seria fechado por trinta dias.

Algum de vocês duvida que os bares respeitem a lei do silêncio aqui?

Uma sociedade é de muitos e para todos, não é mesmo? Isso significa que alguém precisa mediar os interesses muitas vezes conflitantes dos seus membros, para que a coisa não termine em barricadas. Fumantes não podem fumar em lugares freqüentados por outras pessoas, por todos os motivos que conhecemos. A necessária animação de uma cidade com bares e clubes e restaurantes não pode colidir com o direito das pessoas à paz no seu sacrossanto lar. Táxis precisam oferecer seus serviços de maneira correta e uniforme, e não por conta da disposição de um ou outro motorista mais bem humorado naquele dia e local. Alías, quem organiza o recrutamento dos taxistas de Porto Alegre deve ter feito o pior curso de RH do planeta, não é mesmo? E quem deixa que todos sejam aqueles pequenos sedãzinhos, tipo Corsa, acredita que a nossa cidade é do tamanhinho deles, não é? Pensamento pequeno, deus nos livre.

Do lado positivo, vi que apenas seis anos depois de ter iniciado o processo, a prefeitura conseguiu resolver a Vila Dique e teremos pista decente no aeroporto. Por esse impressionante desempenho a cidade está cheia de out-doors celebrando a conquista, não é?

Pude revisitar o exemplo do que somos capazes de fazer quando abandonamos o tacanho, no impressionante museu da Iberê Camargo, e descobrir as delícias da pequena bakery Priscilla´s, ali perto da Protásio, um teco de NY transposto para o Bom Fim. Vi que o Mercato está abrindo um Empório na Bela Vista e que a cidade segue mantendo seus pontos de inovação criados dos por pessoas nada tacanhas, que as temos, de sobra.

Nossa cidade, estimados leitores, não precisa de revitalização. Vida não nos falta, por sorte. O que falta é quem se importe o suficiente com ela para que, no poder, se dedique a torná-las mais digna e justa, para todos. Só isso. Coisa que nem de dinheiro precisa, mas tão simplesmente de vontade. E vontade, que eu saiba, nunca foi coisa que nos faltasse.

*Jornalista e escritor


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