Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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1 de novembro de 2010
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13:20

Ai que ressaca!

Por
Sul 21
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Eleitoral, quero dizer. Bom, cá estamos, fizemos a travessia, elegemos uma presidente, vimos um retrato instantâneo do estado das coisas no Brasil por meio da eleição, o que vale por um bom recenseamento do IBGE, em relação ao nosso momento político, cultural e social.

Não sei como vocês se sentem, mas eu estou passando um dia meio tonto ainda, excessos por todos os lados, talvez. O primeiro deles, de quilometragem. Ontem pela manhã, saí do Tucanistão, onde moro atualmente e fui até a minha Porto Alegre votar.  Sinceramente, algumas expectativas não se realizaram. Achei tudo meio calmo demais, em um lindo dia de primavera na cidade com sua luz sem igual. Entre as coisas que eu realmente sinto falta em Porto Alegre estão o pão da Barbarella, o iogurte da dona Edith, o mil-folhas de bergamota do Patissieur, a cor do nosso céu com os jacarandás fazendo o escândalo de sempre, e a farra nas eleições, coisa impensável aqui em Sampa, pelo que me contam os nativos. Ontem pude matar a saudade de várias, menos o iogurte, o mil-folhas e o clima de eleição de que eu tanto gosto. A cidade estava pacata, com jeito de acomodada com algo que eu não soube entender direito.

O lado bom, ótimo, de sempre, é ir até a minha seção eleitoral  e ver as pessoas com aquele jeito meio solene, meio já acostumado que estamos assumindo diante da urna. E talvez seja isso o que tenha acontecido ontem. Talvez nós, brasileiros, tenhamos ultrapassado o ponto onde a gente tinha um medo profundo e guardado de que aquela eleição pudesse ser ameaçada por movimentos ou golpes. Mais ou menos como morríamos de medo da inflação e hoje ela virou um ruído ao fundo, mostrando algo com que precisamos nos preocupar, sempre, mas que não está nos engolindo e nem ao menos conserva os velhos dentes.

Votei em segundos, como todos, me sentindo orgulhoso da nossa maquininha e do nosso sistema eleitoral, acreditando que em poucas horas saberíamos o resultado e que ele refletiria o que realmente teria acontecido, sem qualquer dúvida, mancha, estrondo, como acontece o tempo inteiro ao nosso redor, nas Américas e no mundo. Alguém aí lembra da horrível eleição do Irã no ano passado?

A nossa maquininha é mais ou menos como o nosso sistema de etanol e carros flex, algo que todo mundo poderia fazer e só a gente fez. Coisas como encontrar o pré-sal, que nos torna mais confiantes do que somos e do que podemos, algo muito novo para quem foi historicamente ludibriado para acreditar que não podia nada.  Coisas do Brasil em que vivemos hoje, bom, ótimo lugar, com ainda tantas coisas a consertar que seremos brasileiros por muito tempo, antes de podermos relaxar e virarmos, sei lá, suíços?

O que resultou da eleição foi o que vocês viram. O país inteiro deu uma votação bem superior para a Dilma. O país também elegeu muitos governadores do PSDB, em uma soma de estados que eu começo a ver como um Tucanistão, aliás, onde eu vivo, e que é um Brasil como qualquer outro, com a diferença de que muita gente tende a usar camisa azul e pra dentro das calças, como todas as lideranças do PSDB.  Na Porto Alegre de ontem, a camisa azul fez a maioria dos votos, e eu não faço idéia do que tenha acontecido, mas vou tentar compreender melhor o que faz os meus conterrâneos optarem por uma tal  e histórica unanimidade em torno do Tarso, e do PT, para semanas depois darem maioria ao Serra.

Encontrei amigos escritores pra um almoço no muito bom Al Nur, encontrei amigos na Feira do Livro, combinei encontros pra próxima sexta, quando volto pra Porto Alegre para debater o filme que a Ana Luiza Azevedo fez a partir de um livro meu, e autografar outro. Gaúcho que se preza tem que autografar na Feira, não é mesmo?

À noite, uma supimpa picanha de angus no bom e velho Barranco, encontrando conhecidos por todo o lado, desde Marcelo Ferla, Dante Longo e Mauro Dahmer defendendo a turma da música, e do pop, passando por Marcio Pinheiro, and wife; pelo estimado Secretário Municipal de Cultura e, ainda, para surpresa, o ator Celso Frateschi e a Sylvia Moreira, vindos de São Paulo também para participar da festa.

Duas horas depois e dois mil quilômetros ao total, lá estava eu em casa. Antes disso, no aeroporto, deu para ver o discurso da Dilma, bom e generoso, e aquele insuportável papagaio de pirata, Magno Alves, estragando a cena no que dava. Enfim, as celebrações tendem a ter o seu lado menos ordenado, e, se ninguém deu uma de segurança e espantou o Magno pra longe dali, ou mandou a Luizianne ir arrumar o cabelo pra aparecer em público, quem sabe isso já é uma demonstração da tolerância e a disposição para conviver com as diferenças de que a Dilma falou?

A direita certamente não falou em tolerância alguma, nessa eleição, e por isso mesmo não entendo como a minha invencível Porto Alegre deu bola pra eles. Algo a pensar.

Mas noutra hora. No momento, legal mesmo é curtir a sensação de que estamos bem, vamos estar bem, e a luta, assim como aquele céu esplendidamente azul, continua, continuam.


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