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29 de outubro de 2010
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12:44

Serra McCain e Índio Palin

Por
Sul 21
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Marcelo Carneiro da Cunha *

Estimados leitores, me considero um observador atento do que acontece nas eleições que afinal definem o futuro do nosso país. Não sei se tão atento quanto o Barrichello, que não sabia sequer quem era a oponente do Serra, mas ele nem mora no nosso país e parece preferir sempre se preocupar mais com o segundo lugar, não é mesmo?

De qualquer maneira, eu sei que estamos votando no futuro, porque o Brasil define por agora o que ele vai ser no século 21 – uma era que, ao menos enquanto a China não resolver buscar Taiwan de volta ou o Irã ou Coréia do Norte decidirem mostrar ao mundo toda a sua maluquice, traz enorme promessas, mesmo que com igualmente enormes desafios.

E, olhando com a atenção devida para a propaganda política, vi, pela primeira vez, o escolhido por Serra para ser o seu vice, Índio da Costa.

Gente, eu nunca tinha visto esse Índio. Eu realmente nunca tinha visto ele ao vivo e se movendo, talvez ele andasse em algum Quarup por aí nos últimos anos. Ele não falou muito nos exatos dois segundos que deram a ele no horário político, praticamente um tuiter político e televisivo. Portanto, fui para o Google saber quem era esse candidato a vice do presidente e que pode estar encarregado de conduzir o país enquanto ele tenta entrar no século 21 pela porta certa. E a minha reação foi, “sério?”. E a segunda reação foi pensar no John McCain e Sarah Palin, na eleição americana de 2008, quando McCain criou o conceito de ameaça do vice, do tipo, “votem em mim e não atirem em mim depois, ou olhem só quem vira presidente!”.

Sarah Palin era, seguiu sendo, uma piada de péssimo gosto e com uma tendência exagerada a atirar em ursos usando helicópteros e armas pesadas. Historicamente, candidatos a presidente preferiram vices que não fossem uma ameaça para eles mesmos. McCain criou a idéia de um vice que se tornou uma ameaça para o mundo.

Não creio que seja o caso do Índio, ele não me pareceu um sujeito com tendências a atirar em ursos, embora a gente nunca saiba direito até o sujeito estar frente a frente com um urso, coisa que deve ser meio difícil no Brasil. Mas, lendo um pouco sobre a carreira e as falas mais importantes do tal Índio, me veio a forte sensação de que ele não deveria ter tido sequer os dois segundos na televisão que ganhou. Filhote de partido originado na ditadura já desenvolve tão cedo essas tendências à agressividade exagerada? O menino recém completou quarenta, aparenta ter trinta, e já sabe tudo sobre os métodos clássicos da direita? Vejam o que ele andou falando, estimados leitores, a saber: que o PT é cúmplice das Farc e do narcotráfico; que querem implantar uma ditadura no Brasil, que querem censurar a imprensa no país.

Quanto aos dois últimos itens, me parecem mais sonhos e desejos do que qualquer outra coisa. Um garoto crescido na ARENA e PFL sente saudades do que, enquanto dorme e sonha?

Quanto ao PT ser associado ao narcotráfico e às Farc, bom, alguém aí acha que se pode levar algo disso a sério? Alguém aí sinceramente acredita nesse tipo de besteira? É mais provável o PT estar associado às Farc ou os latifundiários do DEM estarem juntinhos na exploração de mão-de-obra escrava? Se o tema é fazer acusações à mancheia, que tal soltar a mão e acusar pra todos os lados?

Alguém viu o PT, a campanha da Dilma, ou a Dilma, fazendo isso? Não, né? Porque do lado de cá houve compostura, mesmo em uma eleição marcada pelos exageros no rumo ao subsolo.

Essas acusações do Índio sugerem que Serra cometeu um erro e, para solucionar o problema da lacuna deixada pela prisão do candidato natural dele para vice, José Arruda, topou um sujeito da inexpressão de um Índio da Costa e o elevou à condição de Sarah Palin brasileira, a nova voz da velha direita, louquinha para voltar à cena, saindo do armário e do porão úmido e escuro onde ela vive e se reproduz.

Nem Sarah, nem Índio têm autonomia de voo para irem muito longe ou causarem maiores estragos, eu diria, hoje. Mas ao escolher o seu vice, Serra legou para si mesmo uma escolha que o diminui, e olhem que ele se diminuiu mais do que o suficiente nessa campanha sem a ajuda de Índio. Serra alimentando a neura fundamentalista, tanto evangélica quanto católica, para se eleger a qualquer custo, se tornou mais próximo de Collor do que mesmo do FHC, que fez as concessões de praxe, mas não se jogou para o lado do mal, desse jeito ao menos.

Otimista pela própria natureza, espero que o Gremão chegue ao G4 e que o Índio saia de um grupo especial, o formado por candidatos a presidente e a vice, para onde jamais deveria ter sido elevado, e desapareça. Essa campanha já deixou cicatrizes suficientes para que a gente precise de mais essa.

É o que desejamos, todos os de bem, que todo dia seja dia de índio, mas nenhum dia, em especial, seja o dia desse aí, que apareceu para o mundo graças ao mal-pensar do Serra, e já desponta para o anonimato – ambiente para o qual ele me parece, muito, mas muito mesmo, melhor preparado.

* Escritor e jornalista


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