Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
|
24 de outubro de 2010
|
10:49

Papo de mau perdedor

Por
Sul 21
[email protected]

Marcelo Carneiro da Cunha *

Nada mais divertido do que dor de cotovelo, não é mesmo? Dos outros, pelo menos. Agora que a eleição parece que se decidiu, e não por ela, a direita, por meio de sua imprensa e comentaristas, anda dizendo que o PT está se tornando o partido dos pobres, aquela enorme parte da população brasileira incapaz de fazer as melhores escolhas para si mesma e para o país, claro.

Afinal, e apesar de toda a dordecotovelice, o que eles esperavam? Que os mais pobres continuassem votando nos partidos dos ricos como antes, mesmo após oito anos de demonstrações práticas de que um governo de esquerda poderia ser bom para todo mundo?

Eles dizem ainda, e olhem que bonitinho, que, ao votarem no PT os mais pobres realizam a mesma confusão que os fazia votar no ACM? Cuma? O PT é igual que nem a oligarquia?

Lula implantou a transposição do São Francisco para tornar perenes os rios da região. Querem maior demonstração de compromisso com mudança? Oligarca que é oligarca gosta mesmo é de uma boa seca! Ou seja, ao assumir o governo, Lula fez o que se espera de um governo de esquerda, com os necessários ajustes da social-democracia, e distribuiu renda, poder e direito de acesso a coisas como eletricidade, água e viagens aéreas. Quem não tinha nada disso, eram os mais pobres. Quem viveu mais intensamente os ganhos desse governo, foram os mais pobres. Por que eles iriam agora votar na oposição de direita? Porque Jesus, na voz do pastor mais esganiçado disponível, mandou? Não, né.

Aliás, o choro de perdedor leva a direita agora a dizer que o PT virou o partido dos grotões enquanto eles, PSDB e DEM (êita sigla mais injustificável) governam o Brasil civilizado. O meu Rio Grande do Sul é o Sudão? Minas agora é a Noruega?

Amigos meus que trabalham com análise de mapas eleitorais dizem que, na cidade de São Paulo, por exemplo, existem claras áreas azuis e claras áreas vermelhas, de que as azuis votam com uma forte noção de classe social, mais que qualquer outra coisa. As áreas azuis não perderam nada com o governo que tiveram nos últimos oitos anos, e não é por isso que votam na direita. Votam porque a direita oferece a eles a sensação de indignação com tudo isso que está aí. A direita adora se indignar, exceto quando fica claro que ela seja a responsável pela indignação, como em mais esse caso do metrô em São Paulo, não é mesmo? Votam por um certo desconforto, de pensar em ter que dividir não apenas o bolo, mas a cobertura de chocolate, que por tanto tempo pareceu ser privilégio de uma e apenas uma classe nesse país.

Resumindo: é natural que os mais pobres votem na esquerda e que os mais ricos votem na direita. E é usual que a classe média não saiba direito quem a representa , mesmo que tenha as condições, em tese, para descobrir. Era natural que, no passado, os mais pobres votassem com a direita ou com os populistas, até mesmo por falta de alternativa. Agora que a têm, não é mais ou menos natural que votem nela?

Choro de perdedor é algo esperado, mas esse choro é tão engraçado quanto o recente cristianismo fundamentalista pelo qual José Serra foi, digamos, assaltado. Chorar a eleição derramada, tudo bem. Acreditar que o projeto da direita foi vencido por um suposto populismo lulista, tudo mal. Isso é subestimar a capacidade das pessoas de ver o que se passa, inclusive com elas.

Agora, se quiser mesmo pensar alguma coisa importante, por que a direita não reflete um pouco sobre como, como, como, um partido que supostamente se tornou proprietário do voto da mais populosa classe do Brasil, luta continuamente para que ela deixe de ser o que é hoje, e se torne justamente uma classe onde ele aparentemente se dá menos bem? Por que não tenta entender como um governo pode lutar para libertar da sua condição uma classe que hoje o apóia, sem garantia alguma que esse apoio vá se manter em um futuro de mais conforto e bem-estar?

Compreenda isso, estimada direita, e você vai então compreender um pouco do que faz a esquerda ser esquerda. Mas duvido que isso venha a lhe fazer qualquer bem. Se há uma coisa que deixa a direita perturbada é exatamente isso – encontrar pela frente exotismos tais como altruísmo, visão de igualdade, e pior, mas muito pior mesmo, a idéia de que seja possível moldar o mundo para ele que se torne, ao mesmo tempo em que fica mais próspero, mais generoso.

* Escritor e jornalista


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora