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13 de setembro de 2010
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18:21

O ato final

Por
Sul 21
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PorEnéas de Souza

As eleições brasileiras se encaminham para um final antecipado. Mas, curiosamente, há temores de que a direita pratique um golpe, um lance fatal. A tocaia da véspera do voto, a bala da agulha, o derradeiro disparo. Mas, há muita coisa surgindo nesta campanha. É preciso tentar dar-se conta do que brota e emerge.

1) O que de fato parece estar acontecendo é que está para se concretizar uma jogada política brilhante e genial de Lula. Não só ele vai fazer o seu sucessor, como vai abrir o campo para que o lulismo fique 12 anos no poder; se não mais. Lula é o primeiro político depois de Juscelino Kubistschek que pode passar para a História como um estadista. E ainda por cima, poderá construir uma corrente política para tentar governar o país por um bom tempo. O lulismo é o seu resultado; o neodesenvolvimentismo a sua prática.

2) O que de fato parece estar acontecendo é a liquidação do neoliberalismo de Fernando Henrique, já devastado desde o início de seu segundo mandato por sua falência social. Esta opção agora se encaminha, pela persistência obstinada e sem inteligência política de José Serra, para o desmantelamento ou, pelo menos, para o encurtamento da base desse processo, o PSDB, um partido social democrata que vingou como oportunista nas costas das finanças. Um desastre após a morte de Covas.

3) O que de fato parece estar acontecendo é que a direita vai ter que repensar a sua representação, tanto em termos de nomes como em termos partido, como em termos de qualidade. Aécio, o herdeiro mal amado pelos paulistas, vai ter que trabalhar muito para se tornar a sua voz. Porque antes da voz tem que ter pensamento. E isso Aécio, afora os próprios, não receberá, pois até agora não se conseguiu saber o que Serra pensa. E FHC, que no passado, anos 70, chegou a ser um ícone da esquerda, pediu, já nos anos 90, que esquecessem o que escreveu…

4) O que de fato parece estar acontecendo é que a direita está ficando sem discurso. O do moralismo, não há como emplacar. Pois tendo feito as privatizações, principalmente a de lesa pátria da Vale do Rio Doce, não tem moral política para sustentar qualquer tese. E como também não tem proposta econômica, o que lhe resta na atual fase do capitalismo é pegar a barca de Caronte ou se atrelar ao neodesenvolvimentismo que está aí. O pássaro da história está para deixar as ruínas do neoliberalismo. Da janela do avião se vê FHC e Serra dizendo adeus ao novo correr do desenvolvimento.

5) O que de fato parece estar acontecendo é que emerge uma estarrecedora incompetência do PSDB nacional, de Serra e de FHC, que além de estarem vazios de idéias, acabaram pautados pelo denuncismo desesperado da mídia conservadora. Mídia absolutamente apavorada, principalmente, com a diminuição do seu mercado, onde a concorrência oligopolista foi quebrada pela presença de novas mídias eletrônicas. E também porque ela própria mudou de forma, de uma mídia efetivamente liberal transformou-se na mídia de Pandora, uma mídia partidária, que vende notícias como se faz falsa propaganda, mentindo; tirando de sua bolsa as serpentes da maldade. Percebe-se igualmente que esta mídia além de não ter propostas para o Brasil não tem para o seu próprio setor. Está desprovida de mínimas condições, salvo a baixaria. Está, por reposicionamento social, econômico e ideológico, deixando de ser um setor hegemônico da economia e da sociedade brasileira. Vai sobreviver, vai. Mas vai andar muito tempo na corda bamba como um trapezista de aluguel.

6) O que de fato parece estar acontecendo é a incapacidade de intelectuais de porte do Rio e São Paulo, de diversas áreas, sejam cientistas sociais ou artistas, em distinguir a amplitude política de Lula. Brigam com o PT quando Lula está mais além do PT, fazendo um enlace político do estilo de Getúlio Vargas. Este grupo insiste igualmente em não ver que a herança do presidente passa pela envergadura política de Dilma, seja como administradora pública, seja como chefe da Casa Civil, posto que equivaleria a de um Primeiro Ministro ou a de um Chefe do Planejamento do Estado. Porque a miopia? Um trem da nova era está chegando à estação brasileira.

7) O que de fato parece estar acontecendo é que São Paulo, embora continue como o maior Estado do país, vai perder não só a liderança das idéias como a liderança política, pela soberbia em tratar, só para si, os negócios do país. Vejam como foi a escolha do candidato do PSDB. Aécio e Minas que o digam!

8) O que de fato parece estar acontecendo é que o Brasil vai entrar num novo período histórico, no qual vai se preparar para participar da nova divisão internacional do trabalho. Para tal, vai combinar um mix exportador – envolvendo energia, ferro e matérias primas (sobretudo agrícolas) – com uma reformulação dupla de sua economia interna; de um lado, dinamizando a construção civil (logística da produção, infra-estrutura urbana, construção residencial, etc) e de outro, ampliando as indústrias ligadas ao setor petrolífero (indústrias de bens de capital, indústria naval, etc.). Portanto, explode coração! O centro do investimento será o investimento do setor público. Na maioria dos casos, associado e/ou financiando convenientemente o setor particular. Logo, o leitor esperto já sabe, o que está em jogo é um retorno a pré-FHC: a demanda será puxada novamente pelo investimento estatal. Faz-se claro o movimento político e econômico do momento: inúmeros empresários estão pedindo a volta do Estado. Esta novidade tem um nome diferente do anterior desenvolvimentismo: o setor público brincará de roda com o investimento privado. O que permitirá compreender que a gloriosa demanda externa por exportações, da qual já falamos acima, integrará um expressivo volume de investimentos sob o comando do Estado, cujo benefício tem um sol de primavera: novos empregos; e, por conseqüência, o vagão do consumo continuará nos trilhos.

9) O que de fato parece estar acontecendo é que a diplomacia brasileira será a peça chave de uma política nacional com estratégia de ampliação da presença do Brasil no mundo, tanto econômica quanto política. O neodesenvolvimentismo trará condições para a transformação não só do país num global player médio mais experimentado, liderando a América Latina com maior presença nos conflitos do mundo, como se tornando uma nação com um poder militar insuspeito e não desejado na década passada. Os tempos da diplomacia de Lampreia e Celso Lafer estão encerrados definitivamente.

10) O que parece estar acontecendo é que Lula vai obviamente continuar na política e no comando do movimento que agora está desembocando no “lulismo”, com a possível vitória da Dilma. Qual será o próximo passo do presidente? Ou melhor: quais os caminhos nacionais e/ou internacionais que tomará? Qual será o seu objetivo? Obviamente o aumento do poder e da liderança do lulismo,. É dentro deste projeto que se pode entender o caminho de Dilma e o novo itinerário de Lula.

11) O que de fato parece estar acontecendo é que o temor de uma baixaria, uma bala de prata na reta de chegada das eleições é, de fato, uma possibilidade. Mas, a dúvida é, se com a desarticulação que está a direita, um lance deste porte e deste vôo, poderá ter condições de êxito. Sobretudo, numa época onde a TV não tem mais a penetração que tinha e, principalmente, porque a população favorecida com o aumento de renda e viajando nas novas possibilidades de ter uma melhor qualidade de vida não está disposta a navegar em mares gelados. Ou entrar na imensidão fria do Serra. Acresce a isso o fato que os capitais de qualquer tipo estão protegidos razoavelmente na concepção de política econômica do neodesevolvimentismo. Não estão disponíveis, portanto, os revólveres e as balas para uma aventura deste tipo.

12) O que de fato parece estar acontecendo é que, afora o setor midiático, onde as condições atuais de fragilidade das empresas são evidentes, os demais capitais, embora possam estar descontentes com certas propostas do PT e de Lula, não têem razões suficientes para achar que a perspectiva de Dilma os exclui, nem que Serra está com uma política econômica bem definida. Uma tem projeto, o outro balbucia – e esperneia.

13) O que de fato parece estar acontecendo é que esta história já tem um final desenhado. Pode ser mudado? Pode. Ela tem um texto que está sendo tecido pela sociedade e tem uma lógica determinada. Tem um final cinematográfico, a câmera fecha no rosto de Dilma, os olhos e o sorriso tinindo. Naturalmente que Serra e a mídia tradicional gostariam de escrever um outro texto muito diferente, uma virada da eleição. Bem, isso até pode acontecer. Só que o roteirista desta história tem que ser muito bom para proporcionar uma metamorfose inusitada. Mas, tanto quanto posso enxergar, a reviravolta da “peripécia”, como diria Aristóteles, não vai acontecer. Por quê? Porque a lógica do relato nos leva ao triunfo de Lula. O leitor desconfiado pode sempre perguntar: e a lógica comanda a emoção? É exatamente o que quer fazer Serra. Construir e imaginar, neste derradeiro momento, uma emoção nova para fazer do jogo um outro combate, uma outra figura. Quer reverter o que o Lula fez, quando plantou em cima dele uma história absolutamente inesperada. E de sucesso: o lançamento de Dilma, a ministra desconhecida do grande público. E Lula jogou com audácia num risco calculado. E parece que deu certo. E vejam a ironia: Dilma, a desconhecida, até agora, bate fragorosamente aquele que tinha, na aparência, o maior capital político. E que era o imbatível Serra. Digamos que ali por novembro, dezembro do ano passado, era o que quase todo mundo pensava, o PSDB e o próprio candidato. Toda a água caminhava, parecia, para o seu moinho. Serra contava-se como imbatível. Mas, como se vê, aqui emerge um princípio de teatro, que vale para os dois lados: a questão eleitoral é como uma situação dramática: trata-se de saber fechar a peça, de escrever o ato final.
Originalmente publicado em Econobrasil


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