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30 de setembro de 2010
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17:18

Fora da picaretagem não há salvação?

Por
Sul 21
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Fora da picaretagem não há salvação?
Fora da picaretagem não há salvação?

É uma sensação, nestes dias eleitorais, ver o filme de Oliver Stone “Wall Street – O Dinheiro Nunca Dorme” (apresentado em muitos cinemas brasileiros com o título mais comercial de Wall Street 2). Enquanto nas telas das TVs de todo   o País os candidatos se acusam de pró-estatizantes ou neo-liberais, o novo episódio da ciranda financeira mundial, apresentada pelo controvertido diretor norte-americano, enche os olhos com a descaída “socializante” dos Estados Unidos na crise de 2008.

Filme de orçamento mediano, Wall Street 2 tem resultados surpreendentes, como o tratamento inteligente e inovador para o pano de fundo de toda a história, a ilha de Mannhatann,  em Nova York, uma das imagens mais desgastadas da cinematografia, que Stone consegue recuperar. Entretanto, não vou dar de crítico cinematográfico, não obstante o filme seja um prato cheio para esses especialistas, tais as saídas que encontra para problemas de produção, roteiro e pós-produção. Quero falar só deste detalhe da história.

O roteiro do diretor americano (ele assina o guião), figura controvertida em seu país, que apoia abertamente (filmou com ele) o presidente venezuelano Hugo Chávez e deu seus pitacos na sucessão presidencial brasileira, é abertamente uma alfinetada no capitalismo financeiro norte-americano. Porém, no final, mostra que a especulação nem sempre está do lado dos bandidos.

É o que ele diz em três momentos. Ele dá uma palmada no capitalismo ao mostrar uma encenação da reunião dos magnatas de Wall Street, quando a Corretora Lehmann Brothers sucumbe, ameaçando levar consigo todo o sistema bancário do país (uma muralha de dominó desmancha-se), o que significaria a ruína de todo o sistema financeiro mundial. A tábua de salvação é a intervenção do estado, tapando o rombo e dando garantias reais para impedir a falência geral. É um momento de glória para os neo-socialistas, embora essa atitude seja seguidamente criticada entre nós pela sentença de “privatizar os lucros e socializar os prejuízos”. Mas, tudo bem, o estado vence o capitalismo selvagem.

A origem da crise se evidencia quando a mãe do mocinho, uma senhora de meia idade, alopradíssima, uma ex-enfermeira que enriquecia pilotando uma bicicleta imobiliária, comprando casas sem ter lastro, jogando as contas dos vencimentos em intermináveis renovações, até que, figuradamente, a casa cai. Uma prova de que essa mulher não era bem certa é que ela sempre aparece em cena fumando o tempo inteiro, corroborando sua insanidade mental. Aquilo não podia dar certo, pois era evidente que a personagem jamais poderia saldar suas dívidas. Porém, o filme defende que o capitalismo se alimenta disso. No fim, o governo teve de bancar o “prejú”, uma atitude socializante (o secretário do Tesouro diz que essa atitude era render-se ao comunismo).

Depois vem o melhor momento. O vilão arrependido, interpretado pelo megastar Michael Douglas, um especulador falido e preso por suas negociatas, que no início do filme sai da cadeia, depois de cumprir uma pena por crime de colarinho branco, vence seus antagonistas e sai da derrocada com operações supercriativas no mercado financeiro, comprando papéis do BRICs, como hoje são chamados os países estrelas do capitalismo emergente: Brasil, Rússia, Índia e China. Ou seja, ele embarcou na marola do presidente Lula e ganhou muito dinheiro com isto. Nos Estados Unidos, esta é a prova provada de que nosso presidente estava certo quando rejeitou a recessão e estimulou o consumo para atacar a crise de frente. O Brasil, o nosso brasilzinho, entrou em cena como a grande tábua de salvação do capitalismo internacional, ou da especulação financeira, como se queira classificar.

Por fim, no epílogo, calçado em nossas ADRs, Gekko, o nome do personagem, volta a Wall Strett, de onde saíra algemado 13 anos antes, como novo megaespeculador. Sua manobra, entretanto, ameaçava arruinar um projeto de energia alternativa, apoiado por sua filha, a personagem romântica da película. Porém, uma vez mais chega a “cavalaria americana”. Com os ganhos na nova especulação, os pepéis do BRICs, Gekko pode tirar 100 milhões de dólares para investir no projeto de hidrogênio. Outra leitura: se o programa científico para salvar o mundo do efeito estufa teve de ser salvo pelos lucros da especulação financeira, parece que Stone, não obstante seu elogio ao papel do estado na economia, não vê outra saída para o mundo senão a especulação financeira. Ou seja, como dizia o velho adágio: Fora da picaretagem não há salvação.


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