Por Flávio Aguiar
Não sei se foram as harpas do meu coração, ou a rabeca das minhas recordações, mas algo tocou em meus interiores ao ler a matéria sobre o destino do Cinema Capitólio aí no Sul21.
É que eu comecei a me formar no Cinema Capitólio.
Eram os tempos das matinês memoráveis que, inicialmente, para um guri que vivia no Gasômetro, eram divididas entre o Capitólio e o Marabá.
No Capitólio vi meu primeiro filme. Também vi o primeiro filme que me impressionou muito. Chamava-se “Os escravos da Coroa”, e era sobre alguma luta libertária em algum país da Europa. O que me impressionou mais foi que no final a mocinha e o mocinho morriam. E se encontravam no céu. Ela, num quadro, emoldurada, enrolando a trança morena. Ele, chegando num cavalo alado, dizendo que a amava para sempre. Parecia (vejo eu agora) um quadro de Chagall. Quem não queria viver um amor assim? E eu tinha uns seis ou sete anos de idade.
No Capitólio eu vi o primeiro filme que torceu minha cabeça em 180 graus. Nem me lembro o nome. Era sobre as lutas no faroeste americano, onde eu sempre torcia pela cavalaria americana e contra os índios. Pois no final do filme, depois do aniquilamento do Sétimo de Cavalaria do General Custer, aparecia o cacique Touro Sentado, para salvar um capitão do fuzilamento, porque ele avisara uma aldeia de mulheres e crianças sioux que os soldados iam atacar em vingança, poupando-lhes a vida. E dizia o cacique, olhando para a platéia: “Por que, quando os brancos ganham, é uma vitória? E quando os índios ganham, é um massacre?”.
A pergunta nunca me saiu da cabeça. Passei a torcer contra a cavalaria americana. Até hoje.
Os cinemas faziam parte de uma conquista da cidade. Depois dos dois, Capitólio e Marabá, vieram os do centro: Vitória, Imperial, Guarani, o recém-inaugurado Cacique. E o Carlos Gomes, que de repente virou cinema de sacanagem, com o Garibaldi, na Venâncio Aires, e o Avenida, dos festivais de Tom e Jerry de manhã, aos domingos.
E a cidade crescia sob meus pés, que já se treinavam na difícil arte de subir e descer de bonde andando: Marrocos, no Menino Deus, Rio Branco, em Petrópolis, Castelo, na Azenha, Vogue, na Independência (onde militei com o Emanuel Medeiros Vieira, no Cedic), Presidente, Continental, o Rex, cinema de arte, sem falar em coisas que ainda peguei, como o Coliseu, e por aí se vai.
Mas esta não é para ser uma crônica memorialista. É para falar dos destinos do cinema – não em geral, mas em Porto Alegre. Fala-se na matéria na crise dos “cinemas de rua” – que não é só na cidade, é no mundo inteiro. No mundo inteiro? Aqui em Berlim não.
Por quê? Por algo que pode servir de exemplo para a nossa capital dos gaúchos, e outras cidades pelo Brasil a fora. Além de haver uma política de subsídios para casas cinematográficas, há uma política de investimentos exemplar no que é fundamental para o cinema: a juventude.
A Berlinale, que sempre se realiza em fevereiro, é hoje o mais importante festival de cinema da Europa, mais do que o de Cannes. E uma grande parte do festival consta de atividades para os jovens e as crianças. Existe até um júri juvenil que escolhe o melhor filme do campo, e as crianças são estimuladas, através das escolas, a comparecer e a debater com artistas e diretores.É um exemplo extraordinário de visão do futuro, e para o futuro.
Dá para pensar em coisas semelhantes na nossa terra, por exemplo, em torno do Festival de Gramado, se houvesse a possibilidade de organizar pré-jornadas em diversas cidades do estado, com atividades específicas para jovens e crianças, em cinemas públicos, ou em casas de cultura, e assim por diante.
Fica a sugestão, embalada por um tanto de nostalgia quanto de desejo de futuro.