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25 de maio de 2010
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14:07

O estranho caso de Mordechai Vanunu

Por
Sul 21
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Por Flávio Aguiar

No mesmo dia (24/05/2010) em que o governo do Irã entregava à Agência Internacional de Energia Atômica o detalhamento do plano de entrega de 1,2 t. de urânio à Turquia, em cumprimento à Declaração de Teerã, e em que o jornal britânico The Guardian publicava documentos sobre contatos de cooperação, inclusive militar e possivelmente nuclear, entre os governos de Israel e da África do Sul do Apartheid, Mordechai Vanunu era detido mais uma vez numa prisão israelense.

Mordechai Vanunu foi quem denunciou pela primeira vez a fabricação de armamento nuclear em Israel. Para alguns ele é um herói da não-proliferação de armas nucleares, e deveria ganhar o Prêmio Nobel da Paz; para outros, ele é um traidor delirante e deveria ser apagado da face da Terra.

Mordechai nasceu no Marrocos em 1954, numa família judaica. Seu pai era rabino. Ainda jovem emigrou para Israel com a família. Depois de seus estudos universitários, tornou-se técnico nas instalações nucleares de Dimona, no deserto de Negev, onde ficou de 1976 a 1985. Durante seus tempos de estudante (e depois) envolveu-se com organizações pacifistas de esquerda.

Saindo de Dimona, foi viver na Austrália, onde converteu-se à Igreja Anglicana. De lá foi para Londres, com um jornalista do jornal The Sunday Times, de quem ficara amigo. Em entrevista a este jornal, em setembro de 1986, ele revelou o que sabia sobre a construção de armas nucleares em Dimona. Entretanto, o jornal britânico decidiu checar as declarações de Mordechai, enquanto ele se aproximava de um outro jornal, o Sunday Mirror.

Não se sabe como o governo israelense foi alertado sobre as declarações de Mordechai. O fato é que ainda em setembro, a uma agente do serviço secreto israelense aproximou-se dele, como se fosse uma turista norte-americana, e o convenceu a ir a Roma.

Em Roma, Mordechai foi dopado e abduzido – seqüestrado – melhor dizendo –  pelo Mossad, que o “repatriou” para Israel. Em 5 de outubro o The Sunday Times publicou, afinal, a história de Mordechai, com suas denúncias.

O ex-técnico de Dimona enfrentou um julgamento secreto, em que foi condenado a 18 anos de prisão, com base na violação do compromisso de sigilo que tinha em relação ao trabalho na instalação nuclear. Dos 18, ele passou mais de 11 em confinamento numa solitária. Solto em 2004, passou a viver em liberdade vigiada, com uma série de restrições, como as de não dar entrevistas, não manter contatos com estrangeiros sem autorização, não deixar o país, informar seus movimentos e não se aproximar das fronteiras.

Violando seguidamente essas normas, Mordechai foi reenviado várias vezes à prisão por períodos curtos de tempo, sempre dizendo que isso não significava nada para ele, pois se não o tinham “quebrado” em dezoito anos não seria agora que conseguiriam.

É uma figura controversa, com declarações complicadas, como a de que agentes de Israel estariam implicados no assassinato de Kennedy, mas que foi homenageada diversas vezes por suas atitudes e convicções. Foi indicado por várias vezes ao Premio Nobel, mas de uns anos para cá tem declinado da indicação, dizendo que não poderia aceitar um prêmio que foi dado a Shimon Peres, a quem acusa de ser o mentor de sua prisão. E que, ademais, o que ele precisa “não é de prêmios, mas sim de liberdade”.

Seus advogados alegam que não há mais motivos para mantê-lo neste confinamento, porque ele certamente não tem mais segredos a revelar. Até o momento a argumentação não teve sucesso. Há suspeitas de que por insistência do Mossad, ou porque, apesar de não ter mais segredos a revelar, suas atitudes públicas poderiam criar situações demasiadamente embaraçosas para a política de silêncio que Israel tradicionalmente mantém sobre suas atividades nucleares.

Essa política, por sua vez, está cada vez mais expondo, ela mesma, Israel a situações embaraçosas. Como a de agora, quando, durante a rediscussão do Acordo de Não-Proliferação das Armas Nucleares, se pretende lançar a consigna de uma conferência em 2012 para declarar o Oriente Médio uma região “desnuclearizada” do ponto de vista de armamentos. Se de um lado, isso envolve o Irã, por outro, lança a pergunta: como desenvolver a proposta, sem que Israel, diante da ampla convicção internacional de que tem “a bomba”, mude sua política, abra o jogo, e inclusive permita a inspeção internacional pela AIEA de seu possível arsenal (e da desativação) e de suas instalações em Dimona?


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