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24 de maio de 2010
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13:59

Crise e Direito do Trabalho

Por
Sul 21
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Por Antonio Baylos

O sistema econômico capitalista se transformou, desde seu início, através de uma série de eventos que podemos definir como crises econômicas, algumas delas de extraordinária gravidade e amplitude. O direito do trabalho, como conjunto normativo que regula as relações de trabalho em um sistema econômico de livre empresa, é um produto cultural e histórico que se associa ao capitalismo desde seus inícios. Por isso, a crise é uma “companheira de viagem” histórica do direito do trabalho.

As crises econômicas induzem, tradicionalmente, modificações importantes na regulação jurídica das relações de trabalho. Estamos acostumados, na grande maioria dos casos, a que estas modificações se resolvem desfavoravelmente aos direitos dos trabalhadores. No entanto, não há uma relação unívoca entre estas categorias, de maneira que épocas de bem-estar e de bonança econômica correspondam a melhorias nas condições de vida e de trabalho, enquanto em épocas de crise reduzem-se estas posições.

Muitas vezes a crise é uma oportunidade para mudanças transcendentais na configuração do sistema de tutela dos direitos trabalhistas e de cidadania social. Assim aconteceu nos Estados Unidos com o New Deal depois da crise de 1929, e na Europa, a experiência da República de Weimer supôs o embrião de um direito do trabalho potente e democrático.

Na Espanha este papel foi desempenhado pela II República. É certo que estas experiências terminaram tragicamente, com o triunfo do nazismo alemão e do fascismo espanhol, e que estas ideologias criminosas eram, também elas, originadas como resposta à crise econômica.  Mas esta constatação trágica não impede de observar o laboratório de propostas e de formas de construir a tutela do trabalho, a dimensão coletiva do trabalho e a intervenção pública que tais experiências democráticas puseram de pé. Por isso a ambivalência de tais situações, quando a crise é profunda e marca uma época.

O Direito do Trabalho, na Europa, tornou-se adulto depois da derrota dos fascismos europeus mediante a “estranha dupla” que forma a aliança entre o liberalismo econômico (Estados Unidos e Inglaterra fundamentalmente) e o socialismo soviético da URSS. É um produto fundamentalmente “eurocêntrico – o mais eurocêntrico dos direitos”, como gostava de dizer Umberto Romagnoli –  já que é nesta parte do globo onde se consolida seu mapa genético mais puro.

O Direito do Trabalho vai se constituindo, com efeito, nas três grande décadas de crescimento econômico que vive a Europa de 1945 a 1975, antes das crises de fontes de energia no final dos anos setenta do século passado. Tem uma base estritamente nacional-estatal, que se fundamenta em um pacto constituinte, que busca integrar o trabalho na sociedade e na política, tornando compatível este reconhecimento basilar do trabalho como fator de coesão social e de atribuição de cidadania com o sistema econômico capitalista, que é regulado e orientado desde o poder público.

O desenvolvimento econômico e o alcance de amplas cotas de bem-estar social são o caldo de cultura para a generalização desta consideração estelar do direito do trabalho nas sociedades de consumo de massas sobre um sistema de produção predominantemente baseado na grande empresa fordista. Assim, pode-se começar a falar de um “modelo social europeu” como denominador comum das conquistas sociais obtidas por uma classe trabalhadora que paulatinamente vai deixando no baú das recordações seus projetos de revolução política e de subversão social, priorizando um processo gradual de nivelamento social.

Certamente o “modelo social europeu” é uma construção ideológica potente, mas que se constroi de forma diferente em cada um dos estados-nação, e se reflete, portanto, de forma distinta em seus ordenamentos jurídicos. Em linhas gerais, não são iguais o modelo escandinavo, o centro-europeu e o mediterrâneo. E todos eles, por sua vez, não têm similar com a insular e orgulhosa Grã Bretanha.

(Na sequência publicaremos a segunda parte do artigo, Aspectos do Modelo Social Europeu)


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