Colunas>Enéas de Souza
|
25 de maio de 2010
|
14:42

As finanças na rota da autodestruição

Por
Sul 21
[email protected]

Por Eneas de Souza

Os economistas críticos são chamados de apocalípticos. São sempre caras com mente de Hitchcock, puxada para um exagero excessivo. Talvez não seja tanto verdade, porque o velho Hitch nos “Pássaros” terminava com os voadores dominando todo o cenário. E não está incluído nesta conta um ataque final. Quem sabe estes economistas críticos tocam a música apenas na clave de fá, a grave, a pessimista, e deixam de lado a de sol, a otimista? Mas, prefiro a frase de Tarkovski lembrando um provérbio russo: “O pessimista é um otimista bem informado”. Escrevo isso para lembrar que temos que entender a situação presente, partindo da idéia de que a economia, como sempre, é política. E a política é dominada, hoje, clara ou disfarçadamente, pelas finanças, que agruparam neoliberalmente diversos grupos a seu favor. Nos Estados Unidos, porque uma empregada possuía ações, o povão se achava um dos “donos do capital” – para parodiar um título de um livro de Raymundo Faoro. Mas, este castelo de ações caiu em 2000. E o pior veio em 2007, quando tombou o castelo de títulos financeiros. Só que a sociedade americana já sabe que a economia foi liderada por quadrilheiros. E há uma passagem em “Os infiltrados”, de Martin Scorcese, no qual Jack Nickolson diz: “este é um país de ratos”. E o filme termina com uma cena onde um rato caminha na janela tendo ao fundo o Capitólio.

Nada mais interessante do que ver o que está acontecendo no lado ocidental da economia. O dominó vem caindo. Wall Street, a City londrina, as bolsas européias. Atenção: o mercado financeiro, hoje, não se reduz à Bolsa. Ela é um símbolo e um termômetro e um instrumento de chantagem aliada ao jornalismo econômico. Contra quem? Contra o Estado e as populações. Porque, as finanças têm dois objetivos. Primeiro de tudo, ganhar dinheiro como se toma cerveja no carnaval. É preciso, então, ver como os mercados financeiros funcionam. Diferente dos de produto, eles são especulação pura, quanto mais aumentam os preços, mais cresce a demanda. A valorização de amanhã é maior do que a de hoje, até que a desconfiança faz o mercado cair. É a roda da fortuna. Num mercado comum, ao contrário: quando o preço de um carro sobe, por exemplo, o número dos compradores diminui automaticamente.  Aqui sim, o mercado se regula.

O segundo objetivo é manter um Estado sempre pronto para a sua defesa, desregulamentando as finanças, se endividando para enriquecer as instituições financeiras, salvando-as quando quebram, etc. Todavia o principal: ter na prática um Estado que jamais os ameace. E faça uma política econômica que seja capaz, no limite, de empobrecer uma população. Essa política deve proteger os resultados financeiros, como hoje na Europa. As finanças são bactérias oportunistas, forçam um Estado a defendê-las até pontos extremos: ou a recessão prolongada ou o suicídio da depressão. Funcionam politicamente assim: sempre contra o desenvolvimentismo, pois este busca o investimento, o emprego e as finanças controladas. E o crédito fluindo para a produção e não para os especuladores. Mas, as finanças preferem o Apocalipse ao desenvolvimento, por isso estão na rota da autodestruição, e não como desejava Keynes, na da “eutanásia do rentista”. Parece que Machado de Assis tem razão quando escreveu com ironia: “Deus recebe em ouro e Satanás em papel”… A bola passa, então, para o domínio do Estado. Entramos no período, talvez longo, do “Match Point”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora