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10 de maio de 2010
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14:13

A minha missão no exílio

Por
Sul 21
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Por Marcelo Carneiro da Cunha

É duro ser um gaúcho fora de casa. Não poder dizer lomba, cacetinho, bergamota. Não poder abanar, chavear a porta, dizer que o frio anda de renguear cusco, ou nem ao menos poder dizer cusco, porque o pessoal vai te olhar com cara de quem não entendeu coisa alguma.

Morando já há alguns no Norte profundo, eu posso assegurar a todos que sinto um enorme prazer ao viver a nossa diversidade cultural onde ela mais acontece, nesse festival brasileiro que é São Paulo. Eu realmente gosto de morar aqui, me sinto à vontade nesse entrevero, o trânsito não me incomoda, a arquitetura não me faz chorar, além de eu ter duzentas opções de comida na hora de sair de casa, e, glória das glórias, ter um Zaffari aqui ao lado!! Porque aqui, mais do que nunca, eu sou o que os meus ossos dizem que eu sou: um gaúcho – mesmo que com novos métodos e em outros espaços.

Por isso, esse convite para estar presente no mais novo jornal que surge no meu Rio Grande só pode fazer de mim um guri muito, mas muito contente. Em especial porque esse jornal vem responder ao que eu mais sinto que o Rio Grande anda querendo e precisando: diálogo, idéias refrigeradas e abertas, relação com o mundo inteiro e não apenas com nós mesmos.

Eu penso que o que tornou o Rio Grande o lugar especial onde eu nasci e cresci foi a imigração, a importação de idéias vindas de todos os lados. Dos nossos socialmente avançados vizinhos platinos, dos imigrantes que vieram de todas as partes do Brasil, e de várias partes do mundo, criar a nossa gente e ocupar a nossa terra. Eu sou o resultado de antepassados pernambucanos que vieram há quase dois séculos, de uma avó francesa que não sei direito o que veio fazer aqui, a não ser casar com meu bisavô Carneiro da Cunha. De uma avó mezzo uruguaia. De um avô nascido na Bahia.

A chave da nossa sociedade e cultura sempre foi a diversidade, além da nossa inigualável vocação para o, digamos, debate intenso. Lembro de uma experiência que ilustra bem o que eu quero dizer: minha editora da Record, carioca e finíssima, no elevador do meu prédio, comigo e um vizinho do andar debaixo, cada um de nós com a bandeira de um partido político diferente, discutindo pra valer a eleição que acontecia naquele dia. Minha editora nunca tinha visto gente com bandeira de partido andando pela rua, ou debatendo de maneira ao mesmo tempo tão intensa e informada, e – como ela enfatizou, civilizada. Acho que isso define o melhor da nossa forma de ser. Existe o pior, claro. Que é a propensão ao conflito antropofágico, onde a primeira vítima são as idéias e a lucidez. A intolerância, a diminuição da nossa cultura a um par de slogans reducionistas. O conservadorismo traduzido em amor sem muita lógica por um passado que talvez nem tenha existido, ou não daquela forma. O que o nosso estado precisa não é de passado, que isso temos do bom e de sobra. O que precisamos, é de futuro.

Esse jornal vem para promover o melhor, combater o pior, e promover o debate amplo, de todos, em todas as partes do Rio Grande e de fora dele, sobre esse futuro que precisamos construir. Ele vem para lembrar a todos nós que somos parte de um todo muito maior do que nós mesmos, e com ele vivemos e dialogamos. Que a solução nunca é fecharmos o mundo em nós mesmos (o que até temos feito, não é mesmo?), mas nos construirmos continuamente a partir de nossa identidade e nossa voz, ouvindo e falando, mas, acima de tudo, tendo o que dizer – porque pensamos, porque debatemos, porque geramos consensos, e porque temos para dizer o que nós mesmos precisamos e o mundo precisa escutar.

Eu vou fazer a minha parte desde aqui fora. O meu sotaque não é muito marcado (eu acho, ou me convenço) e aprendi a falar “você” pra usar como camuflagem, e portanto, posso atuar como um agente infiltrado, ouvindo o que se fala, se pensa, se debate aqui no mundo, vasto mundo, e trazendo o que eu escuto para o nosso ambiente através do Sul 21.

Em troca, tudo que eu espero é que aqui nesse espaço eu não seja apresentado como “o escritor gaúcho Marcelo Carneiro da Cunha”, algo que nunca acontece aqui em São Paulo, e, acho, não deveria acontecer aí, uma vez que origem até nos descreve, mas raramente nos define.

Então, mais do que nunca, cá estou, cá estamos, para juntos, independentemente do nosso local de operação, tentarmos traduzir o que acontece, o que nos agrada e desagrada, nesse espaço de debate e mudança que surge para se chamar Sul 21.


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