Cidades
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12 de novembro de 2020
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23:11

Trabalhadores apontam aumento de situações de vulnerabilidade e risco social em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Região Sul e centro-sul vai do bairro Teresópolis até Hípica. Na foto, o CRAS do bairro Hípica | Imagem: Google Street View

Débora Fogliatto

No ano de 2020, especialmente com a pandemia do coronavírus, as crianças e adolescentes de Porto Alegre estão expostos a diversos riscos devido à precarização das políticas públicas voltadas para assistência social, saúde e educação. É o que denunciam os trabalhadores da região Sul – Centro Sul da Rede Integrada de Proteção e Atendimento à Criança e ao Adolescente.

Em manifesto lançado nesta quarta-feira (11), os responsáveis pelos diversos setores que dizem respeito a serviços voltados para crianças e adolescentes, especialmente os mais vulneráveis, apontam que “observa-se um aumento exponencial de situações de vulnerabilidade e risco social, tanto pelo contexto de fechamento de postos de trabalho quanto pela baixa cobertura dos serviços públicos que não estavam preparados (capacitados e com recursos necessários) para a execução de políticas em outras modalidades de atendimento”.

Em teoria, Porto Alegre tem uma Rede Integrada voltada para crianças e adolescentes, que durante gestões passadas era administrada pela Secretaria de Governança Local, extinta na atual gestão. Assim, as diversas redes regionais da cidade seguiram existindo de forma autônoma, com a participação de servidores das secretarias da Saúde, Educação, Assistência Social e do Conselho Tutelar de cada região.

“Nos encontramos em espaços de discussão dos casos que a gente pauta, porque é a mesma família que vai na escola, que frequenta os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que vai no posto de saúde da região. E daí a gente faz a discussão em rede, porque tem trabalhos que não dependem de uma única política”, explica Andréa*, assistente social que compõe a rede Sul – Centro Sul.

Cada rede regional é composta por diversos bairros. Os trabalhadores que lançaram o manifesto atuam nos bairros Teresópolis, Nonoai, Cavalhada, Camaquã, Vila Nova, Campo Novo, Ipanema, Guarujá, Espírito Santo e Hípica. São em torno de 60 a 70 equipamentos públicos que compõem a rede da região, incluindo escolas, unidades básicas de saúde, Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e CRAS. Embora nem todos os aparelhos presentes na região atuem na rede, ela é uma forma de se compreender as famílias das comunidades locais como um todo, analisando as situações de forma conjunta.

Trabalho em rede permite que serviços avaliem em conjunto dificuldades de crianças nas escolas, por exemplo | Camila Domingues/Palácio Piratini

“Sem a rede, cada um fica sozinho, atendendo a mesma família de forma isolada. A gente consegue muitas vezes encaminhar situações que são difíceis de serem encaminhadas por só um equipamento. Para nós, o trabalho é importante, mas é mais importante ainda vermos o resultado para as pessoas que procuram o serviço. Os olhares são complementares, às vezes a escola tem um olhar a partir da criança e a gente nos CRAS, que lida com a família, consegue trazer outro olhar e auxiliar nessa situação”, coloca Andréa.

Ela destaca, porém, que a própria Rede teve um desgaste muito grande este ano, especialmente com a redução de horas de reunião e planejamento para os professores determinada pela gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB). “Isso deveria ser fomentado pela Prefeitura, porque são diversas situações em que a partir da Rede, a escola consegue pensar diferente, ver o que pode fazer com alunos que estão passando por problemas. Mas agora, a Prefeitura cortou a possibilidade de participação nas reuniões, e as escolas ficaram ausentes”, lamenta.

As críticas feitas na carta manifesto perpassam as diversas áreas que integram a Rede. “A população em situação de rua vem aumentando drasticamente, assim como a situação de trabalho infantil. Além disso, acentuam-se o desemprego e a perda de renda, as fragilidades ligadas à habitação (levando, inclusive, à perda de moradia), a violência doméstica contra mulheres, crianças e idosos), o aumento dos conflitos intrafamiliares, mendicância, insegurança alimentar, sofrimento psíquico, situações de isolamento e abandono de idosos, violência e abuso sexual e, também, recrutamento de crianças e adolescentes para o tráfico de drogas”, observam.

Dentre as falhas nas políticas públicas apontadas, um dos elementos é a insegurança alimentar, representada pela dificuldade de administração da entrega de alimentos para as escolas municipais. “As entregas de alimentos nas escolas, por parte da Prefeitura, aconteceram somente durante o mês de agosto, e com sérios problemas na comunicação por parte da Smed (Secretaria Municipal de Educação) com as escolas, o que levou algumas escolas a entenderem que receberam cestas por aluno e outras, por família, o que se reforça, talvez, pelo fato de que algumas escolas tenham recebido um número de cestas muito abaixo do solicitado”, relatam.

Unidades Básicas de Saúde (UBS) também compõem o trabalho da Rede | Foto: PMPA

Ainda, afirmam que os trabalhadores de assistência social, mesmo os que seguiram atendendo usuários nas ruas durante o período de isolamento, não receberam equipamentos de proteção individual (EPIs) em momento adequado. Os trabalhadores terceirizados dos CRAS não foram pagos e o serviço acabou sendo suspenso pela falta de profissionais “que se estabeleceu frente ao sumiço da empresa contratada pela PMPA e pelo descaso da FASC [Fundação de Assistência Social e Cidadania] e Prefeitura na fiscalização dos contratos e na tomada de atitude frente ao contínuo descumprimento, que vinha sendo formalizado sistematicamente pelos profissionais”.

Este ano, com a pandemia, outra especificidade foi o aumento da necessidade de se atentar para questões de saúde mental, o que também não foi possível diante da falta de políticas públicas. “O que se tem de oferta de serviço é muito aquém do que se tem de demanda. A região Sul – Centro Sul ainda não dispõe do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), já conquistado para o território e não efetivado pelo poder público. E ainda existe a necessidade de ampliação do serviço especializado em saúde mental na área da infância e juventude”, expõem os trabalhadores.

Eles ainda destacam a gravidade da situação financeira dos trabalhadores da cidade em geral, apontando a falta de um Plano de Contingência por parte do poder municipal. As condições de trabalho dos próprios servidores também são criticadas, tendo em vista a falta de EPIs e de materiais de conscientização; a ampliação de terceirizações; a falta de capacitações para os servidores diante do novo contexto de trabalho remoto e a dificuldade de se garantir testagem para os trabalhadores quando um colega é afastado pelo coronavírus.

Após finalizarem o texto da carta, os trabalhadores pensam em distribui-la nas próprias comunidades. “A ideia era que cada serviço, escola, posto de saúde, pudesse ter esse material para as pessoas que acessam terem conhecimento do que está acontecendo”, explica Andrea.

Leia o documento na íntegra:

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*O nome da trabalhadora foi alterado para preservar sua identidade.


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