Cidades
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8 de outubro de 2020
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20:28

Prefeitura de Porto Alegre exige que diretores implementem e fiscalizem medidas para volta às aulas

Por
Sul 21
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Preocupação com rotatividade nos refeitórios escolares foi uma das questões relatadas pelos diretores | Foto: Governo do Estado do RS

Débora Fogliatto*

O retorno das aulas presenciais, autorizado desde esta segunda-feira (5) em Porto Alegre para a Educação Infantil, terceiro ano do Ensino Médio, Ensino Profissional e Educação de Jovens e Adultos, segue gerando debates e controvérsias dentre os diversos entes envolvidos. Uma das principais críticas à maneira como o assunto tem sido conduzido pela Prefeitura diz respeito à decisão de não criar um Centro de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COE-E), apesar de haver determinação por parte do governo do Rio Grande do Sul para que isso fosse feito.

Inicialmente, em decreto publicado no dia 5 de setembro, o Estado determinou que só poderiam retomar as aulas presenciais as cidades que cumprissem uma série de requisitos, dentre os quais “a comprovação da criação de um Centro de Operações de Emergência em Saúde para a Educação (COE-E Local)”. Após Porto Alegre retornar para a bandeira laranja dentro do mapa de risco da covid-19 elaborado pelo governo estadual, no dia 23 a Prefeitura então anunciou seu plano para voltar às aulas, sem a presença do COE-E. O Ministério Público se posicionou de forma contrária ao retorno nesses moldes, mas no dia 28 de setembro concordou com o calendário proposto pelo poder municipal.

Menos de uma semana antes da reabertura, em reunião realizada com diretores de cerca de 300 escolas municipais e conveniadas, o secretário da Educação de Porto Alegre, Adriano Naves, explicou que, ao invés de um COE-E Local, cada diretor de escola será responsável pelo “monitoramento e prestação de informações para as autoridades municipais”. A orientação é que cada instituição informe, além do diretor, entre um e dois outros nomes para compor esse grupo de responsáveis por monitorar e controlar as medidas tomadas para a prevenção da covid-19 na escola.

No decreto 20.747, de 1º outubro de 2020, que determina as condições para a volta às aulas no município, consta que “compete às instituições a execução, o monitoramento e o controle do plano de contingência e dos protocolos sanitários” e, ainda, “Incumbe à diretoria da instituição de ensino e aos membros por ela indicados a responsabilidade pelo funcionamento, monitoramento e execução do plano de contingência e dos protocolos sanitários”.

Gestores realizaram reunião online com o secretário municipal de Educação, Adriano Naves de Brito | Foto: Ederson Nunes/CMPA

Outra condição que foi determinada pelo governo estadual para a volta às aulas é a “comprovação do preenchimento de autodeclaração de conformidade sanitária, conforme as normas estabelecidas pela Secretaria Estadual da Saúde”. Segundo a Prefeitura, também ficará à cargo das gestões das escolas, que irão cumprir um checklist para assegurar que estão seguindo as medidas sanitárias necessárias. Caso a escola não o faça, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) prevê que a mantenedora poderá preencher a declaração diretamente.

Na reunião, o secretário assegurou que as escolas não serão responsabilizadas caso haja algum episódio de contágio nas instituições. “A autodeclaração não é de responsabilização, ninguém vai dizer que não vai ter nenhum contágio. É simplesmente um checklist, ninguém está se responsabilizando por não ter contágio. Segurança sanitária não significa ausência de possibilidade de contágio, significa monitoramento, controle sobre os processos de contágio”, explicou.

“Gestor não pode decidir coisas tão importantes sozinho”

A fala do secretário, assim como a ausência da instalação de um comitê para acompanhar o retorno às aulas, preocupa os professores. Nas cidades que criaram um COE-E Municipal, como em São Leopoldo, o comitê conta com representantes das secretarias, das direções das escolas públicas e privadas, e do Conselho Municipal de Educação. Em Santa Maria, a partir do COE-E Municipal, foi determinada a criação de COE-E locais para cada escola. Lá, cada comitê local é composto por, no mínimo, um representante da direção da instituição, um representante da comunidade escolar ou acadêmica e um representante da área de higienização. Após elaborar o plano de reabertura, cada COE-E Local na cidade o envia ao COE-E Municipal para análise e aprovação antes de retomar as aulas.

É algo nesses moldes que os diretores das escolas esperavam ter em Porto Alegre para que se sentissem seguros em relação ao retorno das aulas. “O que é problemático no meu ponto de vista é que o gestor não pode decidir coisas tão importantes sozinho. O COE-E Local tem membros inclusive das comunidades escolares, as famílias fazem parte. A forma como a Prefeitura de Porto Alegre gere a cidade é responsabilizar e dar autoridade pra uma pessoa dentro da escola, o que ignora a gestão democrática”, avalia a professora Karime Kiener, diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Ildo Meneghetti, comparando com municípios em que o COE-E foi implantado.

“Vários municípios já iniciaram esses protocolos, inclusive municípios que decidiram não retornar esse ano mesmo assim instauraram o COE-E Local. E a Prefeitura quer retornar às atividades sem ter feito isso”, critica. Outra questão levantada por ela para a qual não houve instrução por parte do poder público é a substituição de profissionais que fazem parte do grupo de risco e que não poderão retornar às atividades presenciais.

Dentre as exigências da Prefeitura, segundo decreto publicado no dia 1º de outubro, consta que é responsabilidade das gestões das escolas: produzir materiais educativos para fixar e diversos pontos das instituições, nos quais devem constar “orientações para higiene de mãos, etiqueta respiratória, manutenção do distanciamento e atenção à presença de sintomas; enviar para professores, pais ou cuidadores as medidas de prevenção, identificação de sintomas e controle da transmissão do novo coronavírus, incluindo cuidados a serem adotados em casa e no caminho entre a escola e o domicílio; orientar e dar diretrizes sobre como proceder em caso suspeito (sintomático ou contato assintomático) ou em investigação, casos confirmados e presença de surto nos espaços escolares”.

Retorno das aulas já foi liberado desde essa semana para a educação infantil | Foto: Karine Viana/Governo do Estado do RS

O diretor da EMEF Migrantes, Eduardo Antonio Triches, afirma que os diretores discordam da forma como o assunto está sendo conduzido. “Em primeiro lugar, acho lamentável a Prefeitura não ter um COE-E nos moldes científicos. E acho que ela está delegando a função que cabe à mantenedora realizar, de concretizar os protocolos de segurança. Eles deixaram tudo nas mãos da direção, como fizeram desde o início da pandemia nas questões pedagógicas. A gente discorda disso, além do que não temos nenhuma formação na área da saúde”, analisa.

Os gestores se preocupam com a questão de serem os únicos responsáveis por assegurar que a escola está em condições de retomar as atividades. “Para mim, não poderemos assinar essa autodeclaração de que a escola está em perfeitas condições sem termos uma visita da vigilância sanitária ou da própria Smed’, afirma Eduardo.

De forma semelhante, a diretora-geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre (Atempa), Maria José da Silva, a Zezeh, observa que do ponto de vista da instituição, “os professores não têm habilitação e formação técnica para aferir espaços e condições necessárias para a prevenção dentro de um contexto de pandemia, de ampla propagação do vírus, principalmente nas periferias. A gente nem se sente segura para retornar, nem para avaliar esse retorno. Alguém deveria nos passar a segurança, alguém com habilitação técnica e responsabilidade de gestão”, coloca.

A preocupação é compartilhada por outros diretores, como Rosele Cozza, da EMEF Anísio Teixeira. “Isso é grave. Primeiro, eu deveria saber o que tenho que fiscalizar, eu não sei. A Prefeitura está dizendo ‘abre de qualquer jeito’, só que eu tenho que assinar um termo dizendo que está tudo ok”, critica, em relação à autodeclaração que deve ser assinada pelos gestores.

Ângelo Barbosa, diretor da EMEF Saint Hilaire, também demonstra receio em se colocar como responsável por todo o controle e monitoramento necessário para o retorno. Ele diz que o secretário, na reunião, minimizou a seriedade do documento que as direções devem assinar. Para Barbosa, no discurso externo, a Prefeitura responsabiliza as direções das escolas, enquanto internamente, diminui a responsabilidade dos diretores, como forma de tranquilizá-los. “Tenho preocupação em assinar isso, em me responsabilizar, mas ouvi ele dizer que não é toda essa responsabilidade…É um discurso feito por encomenda para cada público, é um jogo de cena feito para a opinião pública.”

Escolas em vulnerabilidade

A Escola Migrantes é localizada na “antiga” Vila Dique, comunidade que vive atrás do Aeroporto Salgado Filho e que, desde 2009, passa por um longo e penoso processo de remoção e reassentamento. A princípio por conta das obras da Copa de 2014, a maior parte das famílias foi deslocada para o complexo Porto Novo, ao lado do Porto Seco, assim como o posto de saúde que ficava no local. Quem vive lá atualmente e frequenta a escola são famílias em situação de vulnerabilidade, as quais muitas vezes vivem entre muitas pessoas em casas pequenas e até com pouco acesso a saneamento. Antes das remoções, a EMEF tinha o dobro de estudantes.

A Escola Migrantes atende principalmente estudantes da antiga Vila Dique | Foto: Google Street View

Para acessar os equipamentos de saúde pública, uma vez por semana, um posto móvel em um caminhão da Secretaria Municipal de Saúde estaciona no local e atende a comunidade. Ou seja, para esta escola, seria complicado seguir o decreto da Prefeitura no que diz respeito a estabelecer vínculo com a unidade de saúde mais próxima, para avaliar os casos suspeitos e notificá-los a procurarem serviço de saúde de referência do indivíduo ou da escola para avaliação e testagem.

Com exceção das quintas-feiras pela manhã, para a população da região ir até um posto, é preciso pegar dois ônibus. “Isso é um grande problema, não podemos esperar até quinta-feira se uma pessoa apresentar sintomas [de covid] na segunda ou terça. Então, como encaminhar essas pessoas que têm dificuldade até de pagar uma passagem de ônibus? A Prefeitura não tem noção disso. Eles têm questionário perguntando se vamos indicar uma pessoa de referência do posto de saúde, e nós, como vamos fazer? Aqui no posto, quinta de manhã temos sim um ótimo vínculo, porém e todos os demais dias da semana?”, questiona o diretor da Migrantes.

Sem condições de reabrir dentro do calendário

Karime já está ciente de que a EMEF Gov. Ildo Meneghetti, localizada no bairro Rubem Berta, com cerca de 1.400 alunos, não conseguirá reabrir tão cedo. Dentre as diversas decisões que competem à gestão da escola está a questão de como se darão as refeições dos estudantes, visto que mais de uma turma não pode estar no mesmo ambiente ao mesmo tempo, muito menos se alimentando. “Temos que preparar a escola para o retorno, fazer todo o estudo de quantos alunos podem frequentar o refeitório ao mesmo tempo, ver quantos alunos devem voltar, como vai ser o fluxo da entrada e da saída, do recreio, do almoço… Então assim, quanto tempo vai demorar essa refeição? Vai ter que ser uma turma por vez, e quando a turma sai os funcionários têm que higienizar todo o ambiente”, reflete.

De forma semelhante, Eduardo também relata que a Escola Migrantes ainda não está pronta para retornar. Todo o calendário determinado pela Prefeitura só foi autorizado no último dia 28, e o decreto para a reabertura das escolas foi divulgado dia 1º, quatro dias antes (dois dias úteis) da data em que se poderia voltar. A verba para compra de equipamentos, relata o professor, foi depositada na conta das escolas na sexta-feira (2), enquanto os alimentos chegaram somente na terça-feira, um dia após a data prevista para a reabertura.

Na EMEF Migrantes, ainda, um funcionário que a escola precisava para compor o quadro da cozinha chegou apenas na quarta-feira (7). Foi também nesta semana que a escola constituiu um grupo de trabalho para lidar com os protocolos necessários para a reabertura. “Agora estamos fazendo reuniões, tiramos as medidas das salas e elas são pequenas, pelo distanciamento exigido só vai dar nove alunos por sala, temos que dividir as turmas. E no refeitório com o distanciamento só cabem dez alunos. Então imagina quantos grupos de alunos para almoçar vamos ter que fazer. Estamos preparando a escola, mas isso demora tempo”, relata, acrescentando que a instituição conta atualmente com 160 estudantes. Ambas as escolas têm alunos a partir de 4 anos e, em teoria, já poderiam ter reaberto desde o dia 5.

Prefeitura diz que irá fiscalizar e exigir justificativa

Em comunicado por meio de assessoria de imprensa, a Smed informou que: “A prefeitura irá fiscalizar o cumprimento dos protocolos sanitários nas escolas das redes públicas e privada como acontece com as outras atividades. A Smed realiza monitoramento diário das suas redes sobre a quantidade de crianças atendidas em cada instituição de ensino municipal e comunitária. As escolas que receberam alimentação e recursos e não estão abertas para a população deverão justificar a decisão”.

*Colaborou Luciano Velleda
*Atualizada às 18h36 com a posição da Smed


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