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8 de abril de 2020
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19:30

Empresas de ônibus cortam 20% dos salários e pedem R$ 13 mi à Prefeitura para ‘evitar colapso’

Por
Luís Gomes
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Empresas de ônibus cortam 20% dos salários e pedem R$ 13 mi à Prefeitura para ‘evitar colapso’
Empresas de ônibus cortam 20% dos salários e pedem R$ 13 mi à Prefeitura para ‘evitar colapso’
Trabalhador atua na higienização de ônibus da Capital em razão da epidemia de coronavírus | Foto: Cesar Lopes/PMPA

Luís Eduardo Gomes

Diante das medidas de isolamento social adotadas em Porto Alegre e no Rio Grande do Sul em meados de março para conter o avanço da epidemia do novo coronavírus, a circulação de passageiros no transporte público da Capital foi reduzida a praticamente um quarto do normal. Um cenário que já resultou no corte salarial de cerca de 20% dos trabalhadores rodoviários. No entanto, as empresas de ônibus afirmam que, sem aportes emergenciais ou alternativas que possam compensar a necessária redução de passageiros, pode ocorrer uma quebradeira no sistema.

Engenheiro de Transporte da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), Antônio Augusto Lovatto destaca que os decretos do governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre restringiram a mobilidade urbana e trouxeram restrições específicas para o sistema de transporte coletivo, como limitar a lotação dos coletivos ao número de passageiros sentados que cada veículo comporta. Diante dos decretos, a EPTC autorizou a redução no número de horários das linhas de ônibus da Capital.

“Essa programação que a EPTC definiu para todos os operadores, ela tem um custo de aproximadamente R$ 42 milhões por mês. Houve uma redução nas tabelas normais que eram operadas antes da crise epidêmica de 40%, mas a receita reduziu em 75%. Ou seja, enquanto nós estamos hoje com o custo de R$ 42 milhões, a nossa receita projetada para o mês de abril é de R$ 16 milhões”, afirma Lovatto.

O diretor da ATP diz que as empresas pleiteiam junto à Prefeitura um aporte de R$ 13 milhões, que seria necessário para garantir a folha de pagamento do mês de abril e manter o sistema operando. “A gente também entende que a Prefeitura tem que remunerar o sistema de transporte coletivo por quilômetro e também a retirada dos 17% do ICMS do óleo diesel”, afirma o diretor da ATP. Esse último pleito, de redução de imposto, dependeria de aval do governo do Estado, que é quem define alíquotas de ICMS. Segundo ele, as empresas têm mantido conversas com a Prefeitura, mas ainda não receberam resposta sobre essas demandas.

Secretário extraordinário de Mobilidade Urbana, Rodrigo Mata Tortoriello corrobora os números apresentados pela ATP e avalia que esta é uma crise sem precedentes. “Quando as empresas falam de um colapso do sistema, esse colapso não é só uma ameaça”, diz. O secretário ressalta que a Prefeitura não conta com recursos disponíveis para realizar o aporte, mas diz que ele ainda está sendo analisado. “Apesar das dificuldades, a gente vai tentar viabilizar esse valor, mas a dificuldade é grande.

Segundo ele, uma alternativa mais viável seria o governo federal socorrer os sistemas de transporte público das cidades. “Se a gente não tiver algum tipo de aporte do governo federal, a gente vai ter um problema muito grave com relação ao transporte público, das empresas não resistirem por falta de fluxo de caixa”.

Tortoriello pontua que o problema não é exclusivo de Porto Alegre e que tem conversado diariamente com secretários de transportes e mobilidade urbana de outras cidades do País. “O desespero é igual, porque a gente tá vendo o problema se aproximar e estamos sem nenhum tipo de alternativa”, diz Tortoriello, que é presidente do fórum nacional de secretários da área.

Nessa função, ele tem pleiteado apoio do governo federal ao setor, mas ainda não há nenhuma medida concreta. Uma das possibilidade que está sendo tratada é a liberação de linhas especiais de crédito junto ao BNDES. “Estamos tentando viabilizar uma coisa que seja factível, tanto para o banco emprestar, quanto para as empresas serem tomadoras desse crédito. Porque não adianta nada você abrir uma linha de crédito para quem está negativado. Então, nós temos que ter critérios diferentes de análise de crédito, nós temos que ter critérios diferentes de carência para que eles tenham tempo de se recuperar e, aí sim, poderem pagar o empréstimo. Não adianta colocar um prazo de seis meses para começar a pagar isso, porque elas não vão ter condição. Nós estamos falando de uma crise que vai durar, pelo menos, três meses, é o que a gente tem visto da experiência internacional”, afirma.

O secretário ainda diz que a Prefeitura estuda projetos para a área para serem enviados à Câmara de Vereadores, mas que seria prematuro ainda antecipar o teor dessas propostas.

Corte salarial para os trabalhadores

Questionado sobre a possibilidade das empresas virem a demitir trabalhadores, Lovatto evitou responder diretamente a pergunta. “Deixa eu te falar assim, nós temos um custo projetado de R$ 42 milhões para uma receita de R$ 16 milhões. Cinquenta e dois por cento do custo do sistema é pessoal. Então, mesmo que tu renegocie todos os outros insumos para fazer o pagamento em outro momento, tu ainda vai ficar com a folha de pagamento. Tu tens que honrar a folha no final de abril e início de maio. Ou seja, fatalmente faltará dinheiro”, afirma.

No início deste mês, os rodoviários receberam o salário de março com uma redução salarial de cerca de 20%. Segundo Lovatto, essa redução refere-se aos dias de redução da operação do sistema e foi dialogada com a categoria. “Existem alguns que não estão contentes, mas não tem outra solução além dessa. Porque, desde o dia 20, o transporte coletivo está operando com uma receita de 25% da sua capacidade e está trabalhando com 60% dos custo”, diz Lovatto.

No entanto, o vice-presidente do Sindicato dos Rodoviários de Porto Alegre (Stetpoa), Sandro Abade, diz que o sindicato não aprovou o acordo de redução salarial. “Essa proposta foi feita pela ATP. Nós recusamos a proposta, mas mesmo assim foi aplicada”, afirmou.

Segundo Abade, o sindicato discute junto ao Tribunal Regional do Trabalho o pagamento integral dos 20% cortados da folha de pagamento de março. Além disso, diz que a categoria está pleiteando a antecipação do vale-alimentação do mês, possibilidade que estaria prevista no acordo coletivo. “Este mês está sendo bastante difícil. Então, que ela antecipe o vale-alimentação e que pague os 13 dias [em que houve redução de horários e resultou no corte salarial]”, diz.

Abade defende que, a partir de abril, os trabalhadores podem aderir à Medida Provisório 936, que diz que o trabalhador pode aderir, sem a necessidade de acordo coletivo, a um programa do governo federal em que a empresa arca com 30% dos salários e o governo complementa o restante. “A partir de ontem [segunda-feira,6], já começaram a chamar os trabalhadores para entrar no programa do governo”, diz.

Com a adesão ao programa, Abade acredita que não haverá, e nem poderão ser feitas, demissões de trabalhadores rodoviários. “Essa possibilidade de demissão de trabalhador, a partir do momento em que a empresa entra no programa do governo, ela é descartada. Porque a MP deixa bem claro, a empresa só pode entrar para preservar emprego de trabalhadores. E esse trabalhador ainda terá uma estabilidade depois que acabar a pandemia. Na verdade, é tudo um jogo, tem uma pressão em cima da Prefeitura para que ela possa dar um aporte para as empresas privadas, que estão alegando que dia 15 acaba o combustível”, afirma.

O secretário Tortoriello avalia que a adesão a este programa é necessária para trazer alívio ao sistema. “Com essa medida, a gente evita demissão e consegue que, quando a economia começar a retomar, a gente também consiga retomar o transporte. De forma gradual, mas retornar à normalidade. Tem uma coisa, se a categoria e as empresas aderirem a essa MP, não pode haver demissão. Se não houver acordo, aí não tem saída, porque não dá para trabalhar com esse custo e sem receita. O que nós estamos pedindo as duas partes é que tenham bastante calma na negociação e consigam enxergar o todo. Não se trata de uma negociação de dissídio coletivo, salarial, é uma negociação de sobrevivência de ambas as partes e para que o serviço não parece na cidade e não entre num colapso”, diz.


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