Cidades
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6 de março de 2020
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19:05

Sem apoio, pacote de Marchezan para o transporte é debatido: ‘armadilha para opor trabalhadores’

Por
Sul 21
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Audiência Pública sobre transporte coletivo na Câmara de Vereadores dividiu trabalhadores de ônibus e de aplicativos. Foto: Luiza Castro/Sul21

Luciano Velleda

A Audiência Pública realizada na noite desta quinta-feira (5), na Câmara Municipal de Porto Alegre, sobre os projetos do governo Marchezan para o transporte público da Capital, mostrou novamente os elogios, críticas e ponderações que já deram o tom durante a convocação extraordinária da Casa em janeiro. Na ocasião, a Prefeitura apresentou os projetos PLE 01/20, PLE 02/20, PLCE 03/20 em regime de urgência, e pretendia que os vereadores aprovassem o pacote em 48 horas.

Com as galerias lotadas por trabalhadores do transporte público de um lado e trabalhadores de aplicativos de outro, a cada manifestação favorável ou contra os projetos do governo, o resultado era o mesmo: vaias de um lado e palmas de outro.

Entre os pontos polêmicos, o principal tem sido o PLE 01/20, que propõe a taxação das empresas de transporte por aplicativo. A Prefeitura quer que tais empresas forneçam à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) as informações dos veículos e condutores cadastrados e as viagens realizadas, além de pagarem uma tarifa fixa de R$ 0,28 por quilômetro rodado a cada viagem. Segundo o governo municipal, a Tarifa Urbana do Serviço Viário do Município de Porto Alegre (TUSV) terá o objetivo de “contribuir para a execução de políticas de mobilidade que incentivem a utilização dos modais de transporte coletivo”. A Prefeitura quer que o valor arrecadado com a taxa seja transferido para a Câmara de Compensação Tarifária (CCT), de modo a subsidiar o transporte coletivo por ônibus em Porto Alegre.

“Se taxarmos as empresas (de aplicativos), quem vai pagar o preço somos nós. Isso prejudica tanto o jovem empreendedor, como o trabalhador”, afirmou Laura Pandolfo, presidente da Associação de Jovens Empreendedores de Porto Alegre. Para ela, a diminuição de passageiros no sistema de transporte público é um fenômeno de longo prazo, anterior à chegada dos aplicativos.

Audiência lotada na noite de quinta-feira. Foto: Luiza Castro/Sul21

Jairo Morais, Presidente da Associação Líder de Motoristas de Aplicativo, disse que a queda do número de passageiros nos ônibus de Porto Alegre tem acontecido desde 1998. “Sobretaxar não é a solução, e sim abrir a caixa-preta da tarifa do transporte público. Hoje, nós vamos onde o ônibus não vai”, enfatizou, sendo aplaudido por parte da plateia e vaiado por outra.

Já entre as propostas menos polêmicas está o PLCE 03/20, que revoga a cobrança da taxa administrativa da Câmara de Compensação Tarifária (CCT), atualmente cobrada pela Prefeitura para fazer a gestão do sistema. Segundo o governo Marchezan, a extinção da taxa reduziria em cerca de R$ 0,15 a tarifa final cobrada dos passageiros. A CCT tem como objetivo fazer a compensação entre os valores arrecadados – seja por meio de passagens pagas antecipadamente, via bilhetagem eletrônica, e pagamentos em dinheiro feitos diretamente nos ônibus – e os custos de cada operador do transporte público.

“A ideia geral do pacote, que é cobrar do transporte individual para subsidiar o transporte coletivo, é uma ideia interessante, muitos países fazem isso”, analisa André Coutinho, pesquisador do Observatório das Metrópoles. Porém, ele avalia que o pacote de projetos da Prefeitura é tecnicamente falho, com muita falta de informação. “Boa parte dos projetos não explica quase nada e diz que depois a prefeitura vai regulamentar.”

Como exemplo de omissão, cita a proposta de pedágio para os veículos com placa de fora de Porto Alegre, cuja proposta do governo Marchezan não determina em quais vias, áreas ou bairros será cobrada a tarifa, ou se será na cidade toda. Apesar desta falta de critério, a prefeitura já calcula o impacto financeiro.

André Coutinho, do Observatório das Metrópoles, reconhece pontos positivos dos projetos, mas diz que há erros técnicos e omissão de informações. Foto: Luiza Castro/Sul21

“Se eles não sabem se vão cobrar em toda a cidade ou numa parte da cidade, como já sabem quanto vai ser a arrecadação?”, questiona André Coutinho. “Então todos os números que a Prefeitura está apresentando, não parecem muito confiáveis, tanto que ela se recusa a apresentar os estudos que fizeram pra chegar nesses números.”

Ainda com relação à proposta de pedágio, o pesquisador do Observatório das Metrópoles concorda que a ideia de taxar o automóvel para incentivar o uso do transporte coletivo é adequada. Porém, como esse indivíduo vem de outra cidade, deveria haver algum estímulo para o uso do transporte metropolitano, e não usar o subsídio para o ônibus de Porto Alegre que, nesse caso, não interessa ao passageiro que vem da região metropolitana.

“Se você quer incentivar o uso dos ônibus de Porto Alegre, então deveria cobrar também dos carros de Porto Alegre”, pondera Coutinho, lembrando que os exemplos internacionais apresentados pela Prefeitura, como o pedágio em Londres, envolve justamente os veículos da própria cidade. “A Prefeitura pega projetos que em outros países deram certo e coloca aqui sem debate. Se ela quisesse debate, faria com mais antecedência”, avalia, novamente enfatizando que em Londres, o mais emblemático exemplo de pedágio urbano, a discussão durou quatro anos, com mais quatro anos para entrar em vigor.

A necessidade de um debate que envolva também as cidades da região metropolitana foi igualmente levantada pelo vereador Adeli Sell (PT). Ele reconheceu que há ideias interessantes nos projetos, mas destacou que é preciso haver tempo para discussão, e não querer aprovar um tema tão complexo em regime de urgência. De acordo com o vereador, a Câmara talvez aprove apenas o PLE 02/20, que estabelece critérios para a concessão de benefícios e descontos tarifários para os ônibus em determinados horários e dias da semana, como o período entre-pico, madrugada, domingos e feriados. “Vamos defender o que é certo. O resto não passará”, projetou.

Cortina de fumaça

Linha de pensamento semelhante expôs a vereadora Karen Santos (Psol). “Tem pontos positivos esse projeto? Tem. A intenção é votar esses pontos positivos? Não.” Para ela, o controle público da bilhetagem e das multas são questões importantes que não podem ser esquecidas. “Sem ter esse controle público, não temos como debater sobre subsídios e taxação. Isso é socializar os custos de uma má gestão e não podemos ser coniventes com uma gestão que não respeita edital e leis municipais”, afirmou Karen Santos.

Veradora Karen Santos. Foto: Luiza Castro/Sul21

Na sua avaliação, a proposta de taxação de aplicativos e o pedágio urbano é uma “cortina de fumaça” para encobrir outros temas relevantes, ainda que concorde com a extinção da taxa da Câmara de Composição Tarifária e com taxar os lucros das empresas de aplicativo. “Antes de debater essas saídas oportunistas e eleitoreiras do Marchezan, temos que ter controle do problema real que é a ilegalidade desse governo, que não presta contas da tarifa, da bilhetagem, das multas e da publicidade.”

Karen Santos acredita que a Prefeitura age para colocar “nas costas” dos vereadores o aumento da tarifa de ônibus, possivelmente para R$ 5,20. “A forma como (a Prefeitura) apresentou o projeto sem parecer técnico da Procuradoria Geral do Município e sem articulação com os vereadores da própria base, mostra que foi muito mais uma sinalização eleitoreira para a população, de reduzir a passagem para R$ 2, do que de fato ter força política para implementar esse projeto.”

A vereadora do Psol cobra que o governo preste contas do edital de 2015 que não está sendo cumprido. “O edital está sendo desrespeitado, leis não estão sendo cumpridas, e vamos ser coniventes com esse prefeito que quer taxar ainda mais a população? Não”, afirma, destacando que é preciso haver união dos diversos segmentos interessados no tema para impedir o aumento da passagem de ônibus.

A vereadora acredita que o clima de enfrentamento entre trabalhadores de aplicativos e trabalhadores do transporte público, verificado na Audiência Pública, é uma tática do governo municipal para desunir categorias e enfraquecer a mobilização contra o aumento da tarifa. “A gente não pode cair nessa pegadinha, é uma armadilha”, afirma Karen Santos.

Audiência Pública sobre transporte coletivo na Câmara de Vereadores. Foto: Luiza Castro/Sul21

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