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28 de janeiro de 2020
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11:11

Árvores em frente à Igreja das Dores foram cortadas a pedido do Exército

Por
Sul 21
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Av. Padre Thomé após o corte de 15 árvores e a poda de outras tantas. Foto: Ana Ávila/Sul21

Hygino Vasconcellos

No final de novembro do ano passado, 15 plátanos foram cortados na Avenida Padre Thomé, em frente à Igreja Nossa Senhora das Dores, no Centro de Porto Alegre. A supressão modificou totalmente a paisagem da via e provocou uma onda de reclamações da população, devido à intervenção drástica. As árvores tinham de 8 a 18 metros de altura e formavam uma espécie de túnel verde. Estavam localizadas ao lado do Museu Militar e do Quartel General do Comando Militar do Sul – os dois prédios são separados pela avenida.

O Sul21 teve acesso ao laudo técnico, por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), encaminhado para a Prefeitura solicitando o corte das árvores. Elaborado pelo Exército, o documento aponta que os 12 “falsos plátanos”, como são conhecidos popularmente, estavam em estado fitossanitário “bom”. Segundo o biólogo e presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, a condição fitossanitária dos plátanos cortadas indica que as árvores não estavam com pragas ou podres, como chegou a ser comentado no dia da supressão. “Não há razão para o corte”, diz ele.

No laudo, o Exército justificou inicialmente a necessidade do corte “devido ao grande risco” aos pedestres e veículos. E observou que, na noite de 12 de agosto, uma árvore caiu ao lado do museu e atingiu um carro que estava estacionado – de propriedade de um sargento da corporação, mas não deixou ninguém ferido. “O estado fitossanitário geral pode ser considerado bom na grande maioria das árvores, no entanto, há um risco iminente de queda de galhos ou da árvore inteira (…) pois os indivíduos foram plantados no início do século XX, apresentado risco muito grande a vida dos transeuntes, além dos danos materiais. Tais fatores corroboram a necessidade de supressão das árvores localizadas na Avenida Padre Thomé”, argumentou o Exército.

Laudo elaborado pelo Exército traz imagens dos plátanos. Foto: Reprodução

Além disso, o órgão federal alegou que, pelo fato de as árvores serem adultas, “não possuem a mesma capacidade de fixação de CO² se comparadas com árvores jovens em pleno crescimento” e que as podas não davam mais conta do crescimento desordenado. O Exército salientou que as árvores estavam “gerando muitos problemas”, como a queda sobre o carro em agosto, elevação e rupturas das calçadas laterais aos prédios dificultando a locomoção dos pedestres, aparecimento de fissuras e trincas nas estruturas na fachada e pisos da edificação, sombreamento da fachada sudoeste do museu e obstrução permanente das calhas, além de outras árvores suprimidas em temporais de anos anteriores.

O Exército também argumentou que o prédio do museu é de 1867, considerada uma das edificações mais antigas da cidade e “reconhecido como prédio de interesse sociocultural com fins de preservação” segundo a lei complementar 43 de 1979 e ainda é nomeado como uma unidade “de Preservação Histórica Municipal” de acordo com lei complementar 434 de 1999.

Árvores formavam um túnel verde na Padre Thomé. Foto: Prefeitura de Porto Alegre

O laudo técnico foi despachado em 19 de agosto do ano passado. Menos de 20 dias depois, foi analisado na Prefeitura pelo engenheiro agrônomo Paulo Fialho Meireles que, em texto escrito à caneta, autorizou o corte das 12 árvores. Quase três meses depois, os falsos-plátanos foram colocados abaixo. Além das 12 árvores com corte autorizado, outras três foram suprimidas. Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb) informou que um técnico acompanhou o serviço e autorizou in loco a retirada dos outros três plátanos.

Ao todo, mais de 3,3 mil árvores foram removidas em Porto Alegre no ano passado em ações da Prefeitura, mais que o dobro em relação a 2018. Os dados foram repassados à reportagem pela Smsurb. Em nota, o órgão justificou o aumento pela contratação de uma empresa terceirizada, em junho de 2018, após quase três anos sem o serviço de corte e poda.

Podas cresceram 97%

Além da supressão de árvores, as podas também cresceram em 2019 em relação ao ano anterior. De 8.891, saltaram para 17.545. Na lista também estão 15 jacarandás da segunda quadra da Avenida Padre Thomé, ocorrida na mesma época da derrubada dos plátanos. Todas tem mais de 15 metros de altura e apresentam situação fitossanitária considerada boa.

No pedido, o Exército argumentou que a poda anterior foi feita de forma incorreta “gerando desequilíbrio da copa das árvores, fator que favorece a queda/quebra dos galhos e as árvores inteiras, devido ao deslocamento do centro de gravidade”. Na solicitação, foram autorizadas a poda de oito jacarandás. Entretanto, segundo a Prefeitura, durante o serviço se identificou a necessidade de intervenção em outras cinco espécies, totalizando 13 árvores podadas.

Outro local da cidade onde tem ocorrido muitas podas e cortes de árvores é o bairro Menino Deus. Segundo moradores, os trabalhos começaram em dezembro do ano passado e seguiram por janeiro. “Foi bastante árvore podada, um corte sem critério. Na frente da casa do meu pai, que fica na Avenida Erico Verissimo, cortaram o galho de uma pitangueira porque falaram que estava atrapalhando a ciclovia. É um corte sem critério. A gente sabe que tem muitas árvores com erva-de-passarinho e que não tem manutenção”, conta a nutricionista Loraine Scholz Gomes.

Moradora do Menino Deus teme que pássaros desapareçam com os cortes de árvores. Foto: Arquivo Pessoal

Ela rotineiramente coloca frutas em uma árvore em frente ao seu apartamento para os pássaros. Os flagrantes são registrados em fotografias. Entretanto, ultimamente percebeu diminuição no volume de aves que pousam nos troncos. “Não sei se é coincidência ou não, mas o número de pássaros diminuiu”, conta. “Quando eu saio e passo pela árvore que tem aqui na frente, eu nunca sei se, quando eu voltar, ela vai estar ali”.

“Estão fazendo algo criminoso”, diz especialista

O presidente da Agapan critica a remoção das árvores. “Estão devastando as árvores, estão fazendo algo criminoso. Deveriam fazer arborização da cidade. Estamos em crise climática, são as próprias árvores que reduzem os gases perigosos, diminuem os ruídos e trabalham para o condicionamento térmico”. Milanez discorda da justificativa apresentada pelo Exército de que as árvores são adultas e não repõem tanto CO² em relação a plantas jovens. “Isso é estupidez. Porque não estão crescendo mais, vamos matar todas as árvores adultas?”

Podam quase dobraram no último ano. Foto: Arquivo pessoal

Milanez observa que as podas de árvores no verão são contra-indicadas devido ao risco de contaminação. “Quando a poda é necessária por alguma razão, deve ser feita no inverno, entre os meses de maio a agosto. Agora, fazer nessa época do ano (verão) é um crime. As árvores estão lutando para sobreviver, perdem muita água. Não é recomendado. É um período mais propício para contaminação de fungos e bactérias, o que, se não for cuidado, pode matar a árvore”, salienta.

Por meio da assessoria, a Smsurb informou que os pedidos de poda são analisados por técnicos ambientais, que vão até o local e fazem laudo técnico sobre o estado da árvore. “A avaliação é bastante minuciosa, seguindo o Plano Diretor de Arborização Urbana (PDAU). O profissional avalia diversos aspectos e preenche um relatório com informações detalhadas sobre a árvore, como tronco, galhos, folhas etc. – que servirá para definir uma possível intervenção, seja poda ou até mesmo a supressão”, observou o órgão em nota.

Segundo a Secretaria, a execução da poda é feita por “pessoas habilitadas” e sob supervisão técnica. O órgão reforça que esse tipo de intervenção pretende “corrigir um ou mais conflitos entre o vegetal e elementos mobiliários urbanos (poste, prédios, luminárias, veículos, rede de energia)”. E que as remoções ocorrem quando a poda já não é mais suficiente ou o vegetal “apresenta instabilidade e num próximo temporal pode vir a cair e causar graves danos”.

A Secretaria salientou que toda árvore têm um ciclo de vida. Ou seja, nasce, cresce e morre. “Esse processo pode levar décadas ou mais de mil anos, dependendo da espécie”.


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