Cidades
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5 de dezembro de 2019
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20:13

Câmara de POA determina realização de audiência pública e adia votação do ‘Escola Sem Partido’

Por
Luís Gomes
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Representantes da frente de entidades se reuniram com vereadores para negociar a realização de audiência pública
| Foto: Júlio Sa

Da Redação

Depois de ser liberado para votação em plenário, o PLL 124/16, o chamado projeto de lei da Escola Sem Partido, não deverá mais ser votado em 2019. Isso ocorre porque, nesta quinta-feira (5), a Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Porto Alegre determinou que, antes da votação, deverá ser realizada uma audiência pública para debater o tema. Como esse evento só deverá acontecer no ano que vem, o mesmo deve ocorrer com a votação em plenário.

Presidente da Associação Mães e Pais pela Democracia, Aline Kerber destaca que o pedido de audiência pública, apoiado por mais de 60 entidades, foi protocolado na quarta para tentar garantir discussão e participação social sobre o projeto, que foi apresentado em 2016 e, mesmo não tendo recebido parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), acabou sendo aprovado para seguir ao plenário na reunião conjunta das comissões da Casa.

A expectativa é que a votação pudesse ocorrer ainda esse ano, mas as entidades convenceram a presidente da Casa, Mônica Leal, a pautar a realização de audiência pública na reunião seguinte da Mesa Diretora da Câmara, o que acabou se confirmando nesta quinta. Com a aprovação da realização da audiência, sem data marcada ainda, a votação também será adiada.

Para Aline Kerber, essa decisão é uma “grande vitória” da união de entidades que defendem a educação livre e plural, o que está sendo chamado de “Frentaço pela Democracia”. “É uma grande conquista, porque se possibilita que se faça o debate, que tenha participação social e, provavelmente, também ganhamos tempo e possibilidade de fazer mais mobilizações”, diz.

Aline Kerber (centro) e representantes da frente protocolaram pedido de audiência pública na quarta | Foto: Júlio Sa

O projeto da Escola Sem Partido, de autoria do vereador Valter Nagelstein (MDB), estabelece orientações para o que os professores podem falar em sala de aula e determina que eles eles devem se abster de emitir opiniões pessoais de cunho político. A Associação Mães e Pais pela Democracia e as demais entidades signatárias de um manifesto contra o projeto defendem que ele tenta estabelecer uma lógica de pensamento único e atenta contra a pluralidade de ideias, uma vez que cerceia a liberdade de manifestações dos docentes e poderia acabar gerando um clima de denuncismo contra eles.

“Isso gera um clima de desconfiança entre aluno e professor. E professores passam a se autocensurar, sobretudo nos temas dos direitos humanos, o que impede que o meu filho e todos os estudantes tenham uma educação plural. Queremos todo tipo de debate na escola e acreditamos que para isso é preciso fortalecer a gestão democrática das escolas, grêmios, conselhos e fortalecer a figura do professor e participação das mães e pais nas decisões da escola”, diz Aline Kerber.

Ela destaca que a oposição ao projeto não significa um apoio ao proselitismo político em sala de aula e avalia que, na verdade, há pontos em comum entre defensores e opositores do projeto, mas o que os diferencia é a forma como se relacionam com a questão. “No fim, acho que a gente está falando a mesma coisa, tanto nós quando o Escola Sem Partido. A questão toda é de onde a gente parte. Eles partem de uma desconfiança em relação ao processo de ensino e aprendizagem. A gente parte de uma relação de confiança com a educação, com a escola e acreditando no pessoal dos nossos filhos para produzir a transformação social a partir da educação que recebem”, diz.

Aline afirma que as entidades agora seguem na luta para derrubar o projeto, o que ela considera que seria o mais lógico a ser feito, visto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já determinou a inconstitucionalidade de uma série de projetos semelhantes que foram aprovados em outras localidades. “Esse projeto é de 2016. De lá para cá, houve muitas decisões no campo jurídico, sobretudo no STF, sobre essa causa, declarando inconstitucionalidade. Onde foi aprovado, inclusive houve revogações. Então, a Câmara só vai gastar dinheiro aprovando esse projeto, porque ele é inconstitucional”, diz.

Durante a semana, as entidades que participam do “Frentaço” haviam divulgado nota denunciando a realização de uma “manobra” para acelerar a votação e cobrando pela realização da audiência pública. Confira a seguir.

Nota de repúdio:

Na tarde desta segunda-feira (02/12/19) fomos surpreendidos com a tramitação do famigerado projeto “Escola Sem Partido” – uma manobra gravíssima e antidemocrática da Câmara Municipal de Porto Alegre, porque não foi apresentado publicamente até as 10h do dia de HOJE (03/12) que o PLL 124/2016, do Vereador Valter Nalgestein, que traz o disciplinamento de professores e cartazes com regras para eles nas escolas públicas municipais, o conhecido projeto “Escola Sem Partido”, que também poderia ser chamado de escola do pensamento único ou do partido sem escola, que estava parado na CCJ, terá parecer votado nas comissões conjuntas e possivelmente o seu mérito no plenário da CMPA na próxima quarta (04/12).

Não se critica o uso de reuniões conjuntas de comissões da CMPA de modo a respeitar o princípio da eficiência. Porém, o que se critica é introduzir sub-repticiamente temas de enorme interesse da sociedade porto-alegrense ao lado de outros, mais simples e pacificados, o que implica na falta de transparência e na ausência de participação da sociedade organizada para qualificar as políticas públicas, sobretudo as que fortalecem o bem viver. Ou a sociedade porto-alegrense entende que não existe hierarquia de relevância entre um projeto de lei que altera o nome de um logradouro da capital gaúcha (PLL 239/2019) e o que trata de princípios constitucionais na área da educação (o mencionado PLL 124/2016), com efeitos graves e impactantes, e que, portanto, ambos possam seguir o mesmo rito de urgência e sem prévio e exaustivo debate democrático?

Um tema que envolve a educação infantil e fundamental de milhares de crianças em Porto Alegre e afetará a relação de confiança entre alunos e professores, estes suspeitos e chamados no projeto de “doutrinadores” a priori, exige uma atualização no debate público, feito somente há 1 ano, e não só uma emenda do Vereador Pujol (28/11) com o intuito de aprovação sem compromisso com os resultados no processo de implementação, pois várias inconstitucionalidades foram apresentadas em outros municípios e estados pelo STF com projeto de mesma natureza que não foram considerados pelo relator – de 2017 até os dias atuais.

É sabido por nós que a decisão da presidente do Egrégio Poder Legislativo Municipal, Vereadora Mônica Leal, em facultar a votação urgente de projetos pelos vereadores e pelo Executivo preza pela legalidade, pelo diálogo e pela ética, mas os critérios precisam ser revistos, pois assuntos simples e complexos não podem ser tratados como se tivessem o mesmo impacto na vida dos cidadãos e cidadãs.

Não é possível que um projeto que afeta a pluralidade de ideias nas escolas, a liberdade de cátedra (de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber) e as liberdades de crianças e adolescentes, asseguradas na Constituição Federal, em normas internacionais, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação e no Estatuto da Criança e do Adolescente, seja parte de uma votação urgente e em conjunto sem chances de mobilização da opinião pública e dos grupos de interesse. Além disso, cumpre salientar que as liberdades antes mencionadas compõem o conjunto de direitos fundamentais de primeira geração, que numa perspectiva histórica foram conquistas de movimentos liberais contra o abuso e arbitrariedade estatal. Nesse sentido, nos causa surpresa que parlamentares que se declarem liberais possam defender o PLL 124/2016, sem que isso configure uma injustificável incoerência ideológica.

Convidamos os democratas e defensores das liberdade a se somarem a esta nota, compartilhando-a e assinando abaixo. Queremos impedir esta votação pela falta de transparência e de debate público atualizado.
Propositora: Associação Mães e Pais pela Democracia
Apoiadores:
1. SIMPA
2. Movimento em Defesa da Educação
3. CPERS
4. FCI – Fórum de Combate à Intolerância e ao Discurso de Ódio
5. Associação de Juristas pelas Democracia – AJURD
6. Instituto Fidedigna
7. Nuances – grupo pela livre expressão sexual
8. SINPRO
9. Movimento Meninas Crespas
10. Coletivo Catarse
11. Vila Flores
12. Coletivo ProsperArte
13. CTB
14. CGTB
15. UNEGRO
16. UBM
17. UGES
18. UEE
19. UJS
20. JPL
21. UMESPA
22. SindoIF-Andes
23. Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito
24. SINDFARS
25. RENAP – REDE NACIONAL DE ADVOGADOS POPULARES
26. Fórum Justiça
27. SISERGS
28. Coletivo Cidade que Queremos – CCQQ
29. Salve Sintonia
30. Café com Paulo Freire
31. FEGAMEC
32. Grupo Canjerê
33. Aya – Coletivo de Professoras/es Negros da Rede Municipal de Porto Alegre
34. Fundação Maurício Grabois/RS
35. Fórum Estadual de EJA RS
36. Jornada em Defesa da Educação Democrática e do Pensamento de Paulo Freire
37. EMANCIPA
38. Coletivo Quilombelas
39. Comitê em Defesa da Democracia
40. ATEMPA
41. TEIA – Instituto de Direitos Humanos e Cidadania
42. Coletivo de Professoras e Professores de História da RME (CPHis)
43. CUT
44. Coletivo Democracia Municipária
45. Fórum Gaúcho de Educação Infantil
46. Movimento em Defesa da Educação
47. Juntos! RS
48. Coletivo Voz Materna
49. Alicerce
50. Coletivo Feminino Plural
51. Coletivo Cidade Mais Humana
52. Laboratório de Políticas Públicas e Sociais – Lappus
53. ANDES/UFRGS
54. ADUFRGS
55. Somos Movimento Raiz Cidadanista
56. Conselho Regional de Psicologia
57. ASSIBGE/RS Sindicato
58. Professores pela Democracia
59. Associação Negra de Cultura
60. UNE
61. Associação dos Pos-Graduandos – APG UFRGS
62. UAMPA
63. Fora da Ordem RS
64. Coletivo Formação Política


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