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22 de novembro de 2019
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20:14

Porto Alegre perde cerca de 500 mil usuários pagantes de ônibus em 2019

Por
Luís Gomes
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Redução do número de passageiros voltou a se acentuar em 2019 | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Com a aproximação do final do ano, a discussão sobre o aumento da passagem de ônibus em Porto Alegre já começa a ganhar força. Costumeiramente concedido entre os meses de fevereiro e março, o reajuste da tarifa tem sido marcado por constantes acréscimos acima da inflação na Capital. No entanto, isso só tem agravado o problema da queda no número de passageiros, um dos fatores que mais impacta no valor da passagem, e deve se acentuar em 2019. Segundo dados referentes aos 10 primeiros meses do ano, a redução de passageiros pagantes deve fechar o ano na casa dos 500 mil.

Nesta quinta-feira (21), a coluna da jornalista Rosane de Oliveira trouxe a informação de que, diante deste cenário, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) está tentando convencer autoridades em Brasília sobre a necessidade de o governo federal ajudar as prefeituras a subsidiarem o transporte coletivo. O temor do prefeito é que, caso haja um novo aumento da tarifa acima da inflação, como se tem visto nos últimos anos, protestos de rua como aconteceram em 2013 e estão acontecendo agora no Chile — cujo estopim foi o aumento da tarifa do metrô de Santiago — possam voltar a ocorrer no Brasil em 2020.

Confira o especial do Sul21 sobre o risco de colapso no transporte coletivo de Porto Alegre 

De acordo com o relatório Focus, divulgado pelo Banco Central na última segunda-feira (18), a expectativa de inflação para 2019 é de 3,3%. Caso fosse esse o percentual aplicado para o reajuste da tarifa em 2020, a passagem subiria entre 15 e 16 centavos. No entanto, a tarifa tem subido bastante acima da inflação em Porto Alegre. Em 2019, o aumento de R$ 4,30 para R$ 4,70 representou uma alta de 9,3%, ante uma inflação de 3,43%. Um levantamento realizado pelo Movimento Economia Pró-Gente aponta que a inflação acumulada desde o início do Plano Real, em 1994, até julho de 2018 foi de 459%, enquanto a passagem de ônibus de Porto Alegre subiu 1.170%.

Isso ocorre porque o cálculo da tarifa envolve a soma de todos os custos operacionais do sistema — como combustível, recursos humanos, renovação da frota, etc. — divididos pelo número de passageiros equivalentes (que pagam a tarifa), o que compõe o chamado IPK, índice de passageiros por quilômetro. Se os custos de cada quilômetro aumentam e o número de passageiros aumenta na mesma proporção, o IPK pode permanecer estável, o que teoricamente permitiria que a tarifa não fosse reajustada. Contudo, quando o volume de passageiros cai e o IPK também cai, a tendência é que o reajuste seja maior do que o aumento das despesas das empresas.

Para 2020, há dois elementos que ligam o alerta de que o valor da tarifa pode voltar a ter um aumento acentuado. O primeiro deles é o custo do diesel, que aumentou cerca de 10% entre janeiro e outubro deste ano. O segundo deles é a queda no número de passageiros, que tem se repetido anualmente desde 2011 e se acentuado nos últimos anos (ver tabela abaixo), tendo inclusive acelerado nesta ano na comparação com o resultado anterior.

Fonte: ATP

A gestão Marchezan apontou as isenções como o principal motivo para a queda de passageiros pagantes, encaminhando projetos para o fim da gratuidade da segunda passagem, o fim da isenção para quem tem entre 60 e 64 anos e para limitar o meio passe estudantil. As duas primeiras medidas já entraram em vigor, enquanto a última ainda tramita na Câmara.

As medidas ajudaram a frear a queda de passagens vendidas em 2019, mas não contiveram a queda de passageiros. De acordo com dados da Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP), entre janeiro e outubro, os ônibus porto-alegrenses transportaram 19.616.948‬ passageiros brutos (incluindo pagantes e não pagantes) e 13.676.981,1 passageiros equivalentes (número equivalente a passagens cheias pagas). Caso essas médias se consolidem até o final do ano, isso representaria uma queda de mais de 800 mil passageiros brutos e de mais de 500 mil passageiros equivalentes ante 2018.

É preciso salientar que a tendência é essa diferença diminuir, uma vez que os meses de janeiro e fevereiro, que tradicionalmente registram menos viagens, estão ajudando a derrubar a média mensal. No entanto, mesmo que novembro e dezembro se aproximem do resultado de outubro (ver abaixo), o ano fecharia com uma redução de mais de 400 mil passageiros pagantes. Para empatar com 2018, seria necessário transportar 33,5 milhões de passageiros em dois meses, o que seria mais de dois milhões a mais por mês do que o melhor resultado do ano, o mês de agosto (14,64 milhões de passageiros transportados).

Tabela com o número de passageiros totais transportados e pagantes em 2019 | Fonte: ATP

O que vemos, portanto, é a manutenção de um círculo vicioso de queda no número de passageiros, que leva à necessidade de um maior reajuste da tarifa para compensar essa perda, por sua vez afastando ainda mais os usuários do transporte coletivo. Uma situação que leva as próprias empresas operadoras a falarem na possibilidade de um colapso no sistema. A Prefeitura ainda está tentando colocar outras medidas em prática, como a redução de linhas e horários e o aumento da idade permitida da frota, mas que vão no sentido de reduzir a qualidade do transporte coletivo, o que também afasta passageiros.

Diretor-executivo da ATP, Gustavo Simionovschi diz que a entidade trabalha com a estimativa de que 2019 encerrará com um média de 13,6 milhões de passageiros transportados por mês, o que representaria uma queda de 4% em relação à média de 2018, na casa dos 14,2 milhões. Simionovschi atribui ao aumento de aplicativos a perda de passageiros pagantes, especialmente aqueles usuários de linhas curtas, o que tem um efeito amplificado, uma vez que Porto Alegre pratica a tarifa social. Isto significa que, como o valor é o mesmo para quem anda 20 km ou 1 km, os usuários de linhas mais curtas acabam por financiar aqueles de linhas mais longas. “Os aplicativos só tiram o passageiro da linha curta, isso acaba afetando a sustentabilidade do sistema”, diz.

Simionovschi destaca que uma série de medidas vêm sendo tomadas pela Prefeitura e pelas operadoras, como a instalação de GPS, de câmeras de segurança, de reconhecimento facial, a possibilidade de comprar créditos por aplicativos, as faixas exclusivas, a retirada da gratuidade da segunda passagem e redução de linhas.

A ATP defende um tripé de medidas para enfrentar a queda de passageiros pagantes. A primeira delas diz respeito à redução de isenções, pois Porto Alegre teria o maior percentual de passageiros não pagantes do Brasil, mais de 30% do total, ainda que, atualmente, a única isenção relevante que ainda persiste é a de idosos com mais de 65 anos, que trata-se de uma lei federal. A segunda seria aumentar a velocidade das viagens. A terceira seria reduzir os impostos sobre o transporte coletivo. “A passagem tem que ser barata, para que isso aconteça, o ônibus tem que andar mais rápido, porque diminui custo. Tem que ter uma fonte para pagar isenções, porque não dá para o usuário pagar isso, e tem que desonerar. Não dá para ser mais fácil comprar um carro e botar gasolina do que comprar um ônibus e colocar diesel”, diz Simionovschi.

Por outro lado, são raríssimas as medidas da gestão Marchezan para tornar o sistema mais atrativo de fato para os usuários. Até o momento, a Prefeitura sequer conseguiu apresentar à sociedade um Plano de Mobilidade Urbana (PMU). A gestão anterior apresentou um plano em 2015, mas este nunca chegou a ser votado na Câmara. O governo atual supostamente estava promovendo a revisão daquele plano e tinha a previsão de apresentar um novo em agosto passado, o que não ocorreu. A única medida estrutural tomada recentemente foi retomar a instalação de faixas especiais para a circulação de ônibus e lotação nos horários de pico, com a implementação de trechos nas avenidas Ipiranga, Independência e Mostardeiro. As faixas trazem como fato positivo a redução do tempo de viagens.

Sem ideias, a aposta da Prefeitura agora parece ser passar o chapéu em Brasília, o que não é uma ideia nova. Após 2013, o prefeito José Fortunati também tentou articular junto ao Congresso a aprovação de um aumento do imposto incidente sobre a gasolina, a Cide, para financiar o transporte público, mas não teve sucesso.


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