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5 de janeiro de 2019
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11:39

Governo Marchezan praticamente paralisou ampliação de ciclovias: ‘nem prometer promete’

Por
Luís Gomes
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Ampliação da malha cicloviária praticamente congelou no governo Marchezan |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Houve um tempo em que a ampliação da malha cicloviária era um tópico corriqueiro nos debates sobre mobilidade urbana em Porto Alegre. Por pressão de movimentos sociais efervescentes, a primeira metade da década marcou um período que, ainda que de forma tímida, ruas e avenidas da cidade (ou calçadas) passaram a conviver com espaços exclusivos para o tráfego de ciclistas. Desde o início da gestão do prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), no entanto, a construção de novas ciclovias e ciclofaixas é praticamente inexistente. E pouco ou nada se fala no assunto.

“O que era lento ficou mais ainda”, diz o vereador e cicloativista Marcelo Sgarbossa (PT). “Eu lembro que o [ex-prefeito José] Fortunati queria chegar a 50 km até o fim de 2016. Mas, diferente do antecessor, o governo Marchezan é um governo que nem prometer promete”, avalia.

Aprovado em 2009, o Plano Diretor Cicloviário Integrado (PDCI) de Porto Alegre tinha por objetivo “incentivar o uso da bicicleta como meio de transporte, dotando a cidade de instrumentos e infraestrutura eficazes para a implantação de uma rede cicloviária que propicie segurança e comodidade para o ciclista”. A legislação estabelecia um planejamento para a implementação de 495 km de ciclovias ou ciclofaixas na cidade.

Evolução da malha cicloviária

Em setembro de 2011, o então prefeito Fortunati participou de uma “bicicletada” de 3 km pela Av. Ipiranga para marcar o início da construção da ciclovia no local. As obras, que deveriam se estender por 9,4 km (entre as avenidas Beira-Rio e Antônio de Carvalho) e utilizar recursos de contrapartidas do grupo Zaffari, tinham previsão, à época, de conclusão no início de 2012. Passados mais de sete anos, a ciclovia da Ipiranga ainda não está concluída.

Na época, a Prefeitura prometia chegar a 40 km de ciclovias até a Copa do Mundo de 2014. A cidade então contava com uma ciclovia de 2 km na Diário de Notícias, um trecho de 1,2 m da ciclofaixa de Ipanema e dois trechos em obras na Restinga (3,2 km) e na Beira-Rio (5 km). No entanto, quando a Copa chegou, a cidade não tinha nem 25 km prontos. Ao final de 2015, a Prefeitura anunciou que chegava a marca de 35,8 km de vias para circulação exclusiva para bicicletas. Na ocasião, estava sendo entregue o trecho da Érico Veríssimo entre a Ipiranga e a Rótula do Papa (1,2 km).

Questionado sobre seus planos para as bicicletas na coletiva que precedeu sua palestra na Federasul em 22 de março de 2017, o prefeito Marchezan disse que a sua gestão iria analisar a expansão da malha cicloviária da Capital de maneira “muito mais técnica” e que faria um planejamento de acordo com a “perspectiva de utilidade”.

Em entrevista ao Sul21 em abril de 2017, a engenheira civil Alessandra Both, então gerente da Gerência de Projetos e Estudo de Mobilidade da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), apontava que o Executivo  teria recursos garantidos, sem sair do caixa único da Prefeitura, para a construção de 7.190 m de novas ciclovias a serem executadas ainda em 2017.

Contudo, a cidade inicia 2019 com apenas 46,47 km de faixas exclusivas implementadas, de acordo com números atualizados nesta sexta-feira (4) pela EPTC. Desse total, apenas 3,1 km foram concluídos nos dois primeiros anos da gestão Marchezan, sendo 450 m em 2017 (trecho da Nilo Peçanha diante do campus da Unisinos) e 2,65 km em 2018, referentes a trechos das avenidas Goethe, Joaquim Porto Villanova e Ipiranga (entre a Silva Só e a Lucas de Oliveira), além de um trecho da Rua A, ao lado do Beira-Rio. No entanto, de acordo com os números informados pela EPTC ao final da gestão passada, a cidade já teria 44,7 km de vias para ciclistas ao final de 2016, uma diferença de um pouco mais de 1 km na contabilidade atual.

Ciclovia da Goethe foi finalizada em 2018 | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Paralelo a não ampliação da malha, basta andar pela cidade para verificar uma deterioração nas vias já existentes. Apesar de ser uma das ultimas a serem construídas,  a ciclovia da Av. Goethe intercala momentos de boa sinalização com abandono total. Este é o caso do trecho entre a Rua Dona Laura e a Castro Alves, onde a faixa vermelha indicando o local para os ciclistas desaparece em alguns pontos da calçada. E a ciclovia da Goethe não é exceção, a falta de manutenção é visível em diversos outros locais.

Devagar, quase parando

André Gomide, representante do coletivo Mobicidade, avalia que foi feito muito pouco na gestão atual e que, na prática, a ampliação da malha cicloviária está parada. Representante do Conselho do Fundo Gestor do Plano Cicloviário, que deveria se reunir mensalmente para tratar da efetivação do PDCI, ele diz que as próprias reuniões estão paralisadas, tendo sido realizadas “apenas três ou quatro” delas em 2018. “É comum eles marcarem as reuniões e 24h antes desmarcarem”, diz. “A lógica do plano cicloviário foi extinta. A Prefeitura não está se preocupando com isso”, complementa.

Uma reclamação de Gomide é o não cumprimento de uma emenda ao PDCI que determinava que 20% do montante arrecadado com multas de trânsito deveriam ser aplicados na construção de ciclovias e em programas educativos de trânsito. Sem conseguir aplicar os recursos, a gestão Fortunati chegou a contestar judicialmente a legislação que havia sido sancionada pelo seu antecessor José Fogaça, mas, em 2013, o Tribunal de Justiça considerou constitucional a destinação do recurso das multas. Em 2014, uma nova legislação criou o Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário, mantendo a previsão de destinação de 20% dos valores arrecadados.

Em 2017, por exemplo, a EPTC arrecadou R$ 47,5 milhões com multas. Se aplicados os 20% em sua integralidade, R$ 9,5 milhões deveriam ser destinados para o fundo cicloviário.

“A verdade é que nenhum governante depositou nada. O anterior questionava o marco, isto é, quando deveria começar a cobrança. O atual não tem questionamento, tinha que cumprir. E o presidente da EPTC sabe disso, porque era o advogado da EPTC nesses processos”, diz Gomide. “Se ele (Marchezan) não quer depositar o dinheiro equivalente a 20% das multas, a gente vai ser obrigado a ir ao Ministério Público denunciar o prefeito por improbidade administrativa. A Prefeitura que não chore”, afirma.

Coordenador de projetos cicloviários, Antônio Vigna reconhece que a legislação não está sendo cumprida em sua totalidade, mas afirma que parte dos valores das multas estão sim indo para o fundo cicloviário. “Não revertem a totalidade dos 20% das multas, mas acabam sendo colocados, seja para manutenção ou recuperação das ciclovias. Tem muito custo que não aparece para a população e é aplicado”, diz.

Segundo ele, uma das ideias da EPTC é viabilizar o processo para que empresas possam adotar ciclovias ou fazerem doações com essa finalidade, o que liberaria recursos hoje utilizados com manutenção para serem empregados na ampliação da malha. Ele afirma que, atualmente, a Prefeitura não tem previsão de aplicação de recursos próprios em novas obras.

Diante dessa situação, além do fundo, a principal alternativa empregada pela Prefeitura nos últimos anos para a implementação de novos quilômetros de vias para ciclistas são as contrapartidas que empresas privadas devem dar em troca de empreendimentos de grande porte autorizados na cidade. A Lei Complementar 626/2009 estabelece que para cada 100 vagas de estacionamento, sejam construídos 200 m de ciclovias.

Vigna diz que não houve ainda uma reunião para definir quais são as metas de ampliação da malha para 2019, mas salienta que a ordem que vem da Prefeitura é de priorizar os recursos de contrapartidas que entrarem para a conclusão dos 1,7 km que ainda faltam na ciclovia da Ipiranga. “Acredito que em 2019 a gente conclua”, diz.

Primazia da política de transporte ainda é dos carros em Porto Alegre | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Falta interesse, reduziu a pressão

Para o vereador Sgarbossa, há algumas questões que ajudam a explicar a diminuição do ritmo de implementação da malha cicloviária. Primeiramente, ele considera que a ampliação passa por uma decisão política, que é a de priorizar outros modais de mobilidade urbana em detrimento da bicicleta. Como uma medida dessa porte carrega um custo político — comerciantes, por exemplo, apresentam resistência a ciclovias que ocupam espaços de antigas vagas de estacionamento em alguns locais –, o vereador acredita que acaba sendo mais fácil para o gestor municipal atribuir à falta de recursos a lentidão da aplicação do PDCI.

“Para priorizar efetivamente a bicicleta, vai ter que mexer no espaço reservado ao automóvel, não é nem tanto a questão do recurso, mas essa é uma justificativa que isenta o gestor e é mais difícil de contrapor”, diz.

Sgarbossa aponta ainda que, no caso das vias exclusivas em que a pista de rolamento ou a calçada é apenas pintada e demarcada por tachões, como ocorre na Av. Érico Veríssimo, trata-se de obras na casa de milhares de reais, o que derrubaria a tese da falta de dinheiro para ampliação da malha. Valores mais expressivos seriam necessários apenas para os casos em que é preciso construir toda a pista, como no caso da Ipiranga.

Para além disso, há uma segunda questão apontada por Sgarbossa que é o fato de os movimentos sociais que pressionavam pela ampliação da malha já não terem a mesma força que em anos passados, uma consequência da própria pauta ter perdido força no debate público em meio a uma conjuntura política que já não é aquela do início da década.

“Diante do caos que a gente vive, diminuiu o número de grupos de pressão. Pega três ou quatro anos atrás, semanalmente tinha reportagens. Já se perdeu aquela característica de ser uma novidade histórica, então o Marchezan já não se sente nem pressionado”, diz o vereador. “O lado positivo é que muita gente está pedalando, independente do enfraquecimento dos movimentos sociais. Principalmente aumentou muito o número de mulheres pedalando”.


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