Giovana Fleck
Em 1890, os irmãos Antonio e Caetano Frasca chegam a Porto Alegre. Eles vêm de uma família abastada da região da Calábria, no sul da Itália. No Brasil, montam uma loja de produtos agropecuários no centro da capital gaúcha. A família decide morar nas proximidades do negócio. Por isso, encomendam a construção de um conjunto de residências, com destaque a um palacete italiano em estilo neoclássico.
As obras começaram em 1906. Em 1911, a Casa Frasca estava concluída. Com mais de um século de existência, já foi moradia de muitos, marcou a cena do rock gaúcho e virou ponto de resistência cultural. Apesar disso, quase caiu no esquecimento; sua estrutura original foi comprometida pelo tempo e a casa chegou a correr o risco de deixar de existir.
Leia mais:
Com mais de 150 anos de história, Casa Azul da Riachuelo está interditada e corre risco de desaparecer
“Porto Alegre, sem seus símbolos, não é Porto Alegre”. Solar dos Azulejos, do século XIX, é restaurado
Artista leva cor às ruas de Porto Alegre com Mona Lisas feitas em mosaico
Com altura de um prédio de cinco andares, a Casa Frasca é formada por um conjunto de detalhes que acompanham todo seu interior e o exterior. Da madeira do corrimão aos desenhos pintados nas paredes, passando pelas molduras das janelas e as esculturas que marcam a passagem da família – como as inscrições ‘AF’ e ‘CF’ acima das portas das casas de Caetano e Antonio Frasca.
Ao entrar, os dois principais ambientes revelam as vigas originais no teto, que se complementam com o piso de madeira e as janelas. “Encontramos o pigmento azul durante o estágio inicial das obras. Tentamos nos aproximar ao máximo do tom original”, explica Lucas. Na sala aos fundos, a entrada para o porão está aberta. Com pouco mais de um metro de altura, revela como a descida da rua Barros Cassal foi aproveitada na construção.
Subindo as escadas, as pinturas nas paredes mostram como a família se organizava. Pinturas com flores e laços marcavam o espaço destinado ao dormitório das meninas. Ilustrações mais sóbrias designavam os quartos masculinos. Seguindo pelo corredor, chega-se à cozinha. Do outro lado, a sala de visitas. “Aqui, tudo está original. Apenas o rodapé e o assoalho foram trocados”, destaca o arquiteto.
O segundo andar também conta com o quarto do casal, uma sala de estar e os banheiros – estes, construídos apenas em 1930. O corredor termina com um terraço que, com as portas abertas, deixa entrar o som do trânsito circulando pela Independência.
Há, ainda, uma escada em espiral que leva ao sótão. “Um dos filhos não queria mais trabalhar no comércio. Queria ser médico. Aí o pai construiu este sótão para ele poder estudar”, conta Lucas. Ali, a equipe de restauro encontrou o trabalho de conclusão de curso de Ottorino Frasca. “Encontramos muitas coisas: vidros, latas de erva mate, documentos”, diz o arquiteto, mostrando o boletim escolar de um dos filhos.
Volpatto conta que, junto com as obras de restauro, uma pesquisa foi realizada para elaborar uma linha do tempo sobre a história do imóvel. Em seus primeiros 18 anos de existência, a Casa Frasca permaneceu como moradia. No início do século XX, em 1908, livros da Secretaria Municipal da Fazenda registram a abertura de atividades comerciais em uma das partes do palacete, mesmo antes das obras de construção serem concluídas. Quase 30 anos depois, a família passa a receber inquilinos que alugavam alguns quartos. A parte comercial passou a abrigar um supermercados, um estúdio de ballet e um centro espírita.
Em 1966, falece Marietta Innocencia Frasca. Seu filho, Antonio, se muda do palacete. Assim, ele permanece com sua parte residencial fechada por anos – mantendo as atividades comerciais.
A banda Cachorro Grande, formada em 1999, passou a alugar o espaço para produzir suas músicas. De Frasca, a casa passou a ser conhecida como “FunHouse, nome inspirado no disco homônimo da banda estadunidense The Stooges. Ali, os integrantes da banda chegaram a morar e organizavam festas no início dos anos 2000. O casarão ficava em ponto estratégico: ao lado da Garagem Hermética, onde aconteciam os principais shows de bandas de rock locais e a alguns metros do Bar Bambus.
Somente em 2002 os herdeiros vendem o imóvel para pessoas de fora da família. Oito anos mais tarde, em 2010, o Ministério Público abre um inquérito para cobrar soluções para o restauro das fachadas das duas casas – que já constavam no inventário da Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural da Secretaria Municipal da Cultura. Assim, o escritório de Volpatto é contratado e as obras se iniciam e 2012. “Em 2014, a primeira fachada foi restaurada. Não sabíamos quanto tempo levara para concluir tudo, achamos, inclusive, que não veríamos as três casas restauradas juntas. Finalmente, em 2018, pudemos ver o conjunto que resgata com certa fidelidade o aspecto original.”
O proprietário assumiu a obra com recursos próprios. O espaço já foi alugado. Um mercado funciona em uma das casas, no térreo. O restante deverá se transformar em um cursinho pré-vestibular em breve.
“Todo mundo que mora ou trabalha aqui em volta sabe o que é a Casa Frasca. Mas Porto Alegre não conhece. Porto Alegre não sabe de sua própria história. E precisa conhecê-la. É importante mantermos lugares como esse para preservar a memória”, encerra o arquiteto.