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22 de setembro de 2018
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11:20

Alvorada em quadrinhos: Artista homenageia cidade com cartões postais e tirinhas de seus moradores

Por
Sul 21
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‘Alvorada em quadrinhos’. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Giovana Fleck

Alvorada é uma cidade sem cartões postais. Em seus 72,9 km², não há um ponto de referência especial, capaz de caracterizar a cidade. “É o que eu tento desconstruir”, diz o quadrinista e designer Pablo Aguiar, o Pablito.

Pablito vive em Alvorada desde que se entende por gente. Já morou fora do Brasil e contemplou se mudar permanentemente. “Mas a cidade tem muito a oferecer”, explica. Ele tira de um envelope uma imagem impressa em papel cartão com um dos lados envernizado. A cena é uma ilustração sua, com a representação do entardecer entre as ruas Antão de Lima Franco e Oscar Schick. “Alvorada é bonita. Esse é meu primeiro cartão postal da cidade”.

Depois de voltar de um período morando no norte da Espanha, Pablito conta que precisou encontrar maneiras de redescobrir o lugar onde sempre viveu para renovar suas experiências diárias. “A melhor forma de fazer isso é conversando com as pessoas”. Ele trabalhava em um jornal local, como diagramador e chargista. Em determinado momento, sugeriu iniciar uma série de quadrinhos para a publicação impressa. A ideia era resgatar memórias de cidadãos sobre Alvorada. “A primeira pessoa que entrevistei foi a avó de uma colega minha. Ela contou histórias sobre a infância, sobre como era sua casa. Coisas bem familiares de vó mesmo”.

Crianças de escola municipal com cópias de ‘Alvorada em quadrinhos’. Foto: Pablito Aguiar/Divulgação

A partir da primeira publicação, o quadrinista conta que começou a trabalhar a forma como iria abordar as próximas pessoas que se tornariam suas personagens. Por indicações, foi descobrindo novas histórias. “Quando você pensa em Alvorada, que palavra surge na tua cabeça?”, perguntava, no início das entrevistas. “Violência, lixo, assalto, medo”, surgiram, em grande quantidade. “Mas, também, perseverança, trabalho, esperança”.

Para ele, Alvorada precisa de uma nova perspectiva, de algo que faça seus moradores se sentirem pertencentes à cidade. Por isso, as tirinhas de Pablito foram reunidas no livro “Alvorada em quadrinhos”. Editada e diagramada pelo autor, a publicação está em sua segunda edição.

A primeira foi distribuída de forma gratuita em escolas da rede pública da cidade. “Queria que toda biblioteca escolar tivesse uma cópia”, diz o quadrinista. Como resultado, o trabalho de Pablito virou parte do currículo. “Não existia nenhum livro com linguagem acessível para crianças sobre a cidade”. Com orgulho, ele mostra uma série de fotos que guarda em uma galeria no celular, de uma feira organizada pelos estudantes. Cada turma se apropriou de uma história para reproduzir. O ônibus que um dos personagens, Paulo Kobielski, dirige foi recriado em cartolina. Uma menina de cerca de 10 anos está sentada atrás da direção de papel preto, com pelo menos 12 cartazes sobre a vida do motorista. “Paulo Kobielski, 54 anos. Seu ônibus era decorado com cortinas. Hoje, é professor em Alvorada”, lê-se. Outros cenários das histórias de Pablito também foram reproduzidos: a Paróquia Santo Antônio, o Centro de Tradições Gaúchas Campeiros do Sul, os caminhões de bombeiros da cidade. “As crianças têm que crescer conhecendo a história da cidade e tenham orgulho de onde vivem”.

O primeiro postal que Pablito desenhou sobre Alvorada. Foto: Joana Berwanger/Sul21

Espaço reinventado

“Eu tinha muito preconceito com a cidade”, ele começa. “Puramente por conta da minha ignorância. A imagem que eu tinha, quando me perguntavam sobre a cidade, era da violência que todo mundo falava. Ela é, sim, uma cidade violenta. Mas não é só isso. Foi custoso perceber que é preconceito. Mas por isso eu decidi iniciar as entrevistas. Desenvolvi uma relação de carinho com Alvorada a partir da carência que sentia”.

Uma de suas primeiras histórias foi sobre Rita de Cássia. Ela trabalha como recicladora e ajudou a criar o primeiro galpão de reciclagem em Alvorada. Rita construiu sua primeira casa com a madeira e eletrodomésticos que chegaram ao galpão. Atualmente, nove mulheres trabalham com ela. “A mulher é muito mais persistente que o homem. Se estamos com dor, tomamos um remédio e continuamos. Já o homem não. Ele se atira num canto e fica”, conta a personagem ao longo da história.

Sumário do livro ‘Alvorada em quadrinhos’. Foto: Joana Berwanger/Sul21

O quadrinho ganhou o primeiro lugar no Salão Internacional de Desenho para Imprensa. Pablito mostra uma foto de Rita vendo sua história exposta em uma moldura após a premiação. “Ela ficou emocionada”.

Pablito conta que percebeu o quanto as pessoas se sentem bem ao ver Alvorada valorizada através de seu trabalho. “Temos a autoestima muito baixa em relação a onde moramos. Não há produção artística. O que tem de algo escrito ou registrado é o que aparece no jornal”. Por isso, decidiu começar publicando no jornal local. Quando seu contrato se encerrou, o quadrinista permaneceu com a vontade de entregar cópias físicas de seu trabalho para as pessoas que retratava. Assim, surgiu não só o ‘Alvorada em quadrinhos’, como outros projetos pessoais, impressos de forma artesanal.

Pablito não deixa de desenhar quando presencia uma cena que o inspira. Seu perfil no Instagram é repleto de retratos feitos em aquarela de passageiros. Quando circula pela cidade, registra cenas que considera bonitas. Vinte destas paisagens irão se tornar postais de Alvorada. “É lindo enviar, com orgulho, uma paisagem que de alguma forma te pertence”, diz.

De suas idas e vindas a Porto Alegre, surgiram também tirinhas com histórias como a de Janja. Ela é moradora do Quilombo dos Alpes, no bairro Glória. Pablito a conheceu apor intermédio de amigos geógrafos que trabalham no local.

No traço de Pablito, seus olhos pequenos e cabelo grisalho são ressaltados, assim como seu apreço pela história da comunidade. “Ela contou sobre a avó, uma das pessoas que começou o quilombo”. Fugindo da escravidão, a avó de Janja, Edwiges, veio de Charqueadas até Porto Alegre a pé. Edwiges teve cinco filhos e realizou seus próprios partos. Faleceu aos 117 anos, deixando como legado 130 famílias que permaneceram na comunidade. “Vale a pena lutar”, concluí Janja, na tirinha.

“Não são histórias de pessoas conhecidas. Mas são histórias que despertam a minha curiosidade”. Ele aponta para uma das tirinhas que publicou em um jornal de Porto Alegre. “Esse cara, por exemplo. Ele veio do interior. Tem todo o conhecimento sobre plantio. Há alguns anos atrás, teve um temporal na avenida Ipiranga que colocou várias árvores no chão. Ele se sensibilizou e começou a repor, plantando só árvores frutíferas. Já plantou mais de 160. E é difícil fazer uma mudinha vingar em Porto Alegre”.

No momento, ele procura editais e parceiros para lançar um novo livro. Pablito tem exposto em feiras gráficas, como a Bienal de Quadrinhos de Curitiba. ‘Alvorada em quadrinhos’ pode ser adquirido diretamente com o autor em seu site.

Confira mais fotos: 

Trabalhos publicados de Pablito Aguiar. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Orelha do livro ‘Ana Bela’. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Quadrinho publicado em Porto Alegre. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Ilustração de Pablito Aguiar sobre suas entrevistas com moradores de Alvorada. Foto: Joana Berwanger/Sul21

 


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