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29 de agosto de 2018
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11:12

Fundo que financia revitalização de prédios históricos em Porto Alegre corre o risco de acabar

Por
Sul 21
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Fachada de residência na rua Riachuelo, 933. Primeiro prédio privado restaurado pelo Monumenta. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

O Centro Histórico de Porto Alegre conta com 32 bens tombados, seja pela Prefeitura, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) ou pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Desses, doze são propriedades particulares e o restante está distribuído entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e a Prefeitura. Existem, ainda, outros imóveis que aguardam a regularização como patrimônio tombado.

O tombamento é uma das iniciativas possíveis de serem tomadas para a preservação dos bens culturais, na medida que impede legalmente a sua destruição e descaracterização. No entanto, existem poucos mecanismos que facilitem sua preservação física.

Porto Alegre é uma das 26 cidades brasileiras integrantes do Programa Monumenta. “Mas a única onde ele deu certo”, afirma o arquiteto Lucas Volpatto. O Monumenta é um Programa do Ministério da Cultura voltado à requalificação de centros históricos urbanos no território nacional. Seu modelo foi o primeiro a reunir a prática de restauração de edificações e espaços públicos, o financiamento de imóveis privados de valor histórico, e projetos no campo da educação patrimonial e da economia da cultura, aliando a memória social da comunidade ao desenvolvimento econômico.

Catedral da Santíssima Trindade, restaurada com recursos do FUMPOA em 2007. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Volpatto, que integra o Conselho Municipal do Patrimônio Histórico Artístico e Cultural (Comphac), explica que a prática em torno do Monumenta é viabilizada por meio de um fundo de investimentos pensado de forma auto-sustentável. “No caso de imóveis privados, através de financiamentos sem juros e com parcelas de até 10 anos, os proprietários de imóveis tombados podem requerer o recurso para realizar suas reformas.” Do total de recursos investidos, 70% são repassados a fundo perdido – ou seja, sem expectativa de devolução – pelo Ministério da Cultura. Os 30% restantes são aportados como contrapartida pelo município (com depósitos anuais no valor de até R$ 200 mil), Estado ou pela iniciativa privada.

Desde o início do projeto, 15 imóveis particulares foram restaurados, assim como prédios icônicos de Porto Alegre, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), o pórtico principal do Cais do Porto e a Biblioteca Pública.

Ainda assim, entre os projetos apresentados à Câmara de Vereadores no início do ano pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) está o PL 10/2018, que propõe a extinção dos 26 fundos municipais. Entre eles, estão os únicos dois que incentivam o restauro do patrimônio, o Fundo Monumenta Porto Alegre (FUMPOA) e o Fundo Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (FUMPAHC). “É um retrocesso de gestão”, opina Volpatto. O PL deve ser votado nesta quarta-feira (28) na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Da iniciativa ao fim das negociações

15 imóveis privados foram contemplados, além de projetos de restauração do patrimônio público. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Eduardo Hahn, coordenador da memória cultural do município, explica que a criação do Projeto Monumenta se fundamentou na dificuldade existente para a restauração de bens de valor cultural sob propriedade privada. “É um instrumento promotor da preservação e divulgação do patrimônio cultural e deve sustentar suas ações no longo prazo, dando suporte financeiro a ações locais.”

Ele foi instituído em Porto Alegre pela Lei Municipal nº 8.936, em 2002. Segundo Hahn, o Ministério da Cultura teria investido cerca de R$ 5 milhões iniciais para que fosse possibilitada a abertura do primeiro edital. Quinze imóveis privados foram contemplados, além de projetos de restauração do patrimônio público.

Assim, por volta de 2012 e 2013, quando os financiamentos estavam terminando de serem pagos, o Fundo já contava com recursos suficientes para a abertura de um novo edital. No entanto, com o incêndio do Mercado Público, onde se localizava a sede administrativa do FUMPOA, o processo foi desacelerado. Somado à isso, a Caixa Econômica Federal, que detém os recursos do Fundo, sinalizou interesse de deixar o projeto. Na metade de 2013, o Programa Monumenta, enquanto iniciativa nacional, deixou de existir. Ainda assim, o fundo local permaneceu. “Foi o fundo com melhor resultado em todo o Brasil, com muitos resultados positivos. Em outras capitas, o poder público acabou usando a totalidade dos recursos do Ministério da Cultura, esvaziando o recurso. Aqui, houve um equilíbrio”, destaca Hahn.

Com a Caixa desejando se desvincular, o IPHAE passou a buscar outro banco que atuasse como agente financiador. “Por mais que seja muito dinheiro para quem trabalha com restauro cultural, para um banco é um rendimento pouco significativo”, afirma Hahn. Segundo ele, o recurso do FUMPOA hoje é de cerca de R$ 11 milhões.

Após alguns anos de procura, o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) manifestou interesse em manter os recursos. As reuniões de transição iniciaram em julho de 2017, com uma “perspectiva positiva”, segundo o diretor do IPHAE. “Tínhamos a ideia de relançar o edital para um futuro próximo, com a possibilidade de revitalizar imóveis como a Casa Azul“. No entanto, as negociações pararam assim que os projetos de Marchezan foram apresentados.

Fim dos fundos

O sobrado amarelo, na rua Fernando Machado, também foi beneficiado pelo Monumenta. Foto: Guilherme Santos/Sul21

A ideia da atual da Prefeitura é de, basicamente, reduzir as contas. Por isso, propõe que os 26 fundos – que contemplam as mais diversas áreas de destinação de recursos para políticas públicas específicas – sejam concentrados em um único caixa. A oposição alega que o projeto vai desassistir políticas públicas importantes e institucionalizar o calote da Prefeitura com os fundos municipais.

Em reuniões referentes ao PL, o argumento central apresentado pelo prefeito é de que o débito com os fundos impacta negativamente a avaliação sobre as finanças da Capital – impedindo, por exemplo, a obtenção de novos empréstimos. Além disso, por destinarem recursos para áreas específicas, os fundos engessariam a administração do dinheiro em caixa na Prefeitura.

Em memorando encaminhado à presidência do IPHAN, o Ministério da Cultura registrou que “convém esclarecer que os recursos que construíram o Fundo não são originários de Receita Federal e tampouco do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento)”. Mesmo que a criação do FUMPOA tenha derivado de obrigatoriedade no Contrato de Empréstimo firmado com o BID, a origem dos recursos atuais é majoritariamente privada, fruto do pagamento dos financiamentos originais e outras formas de captação, como aluguéis, arrendamentos e outras receitas provenientes de imóveis que sejam destinadas ao FUMPOA. Assim, não haveria riscos de impedimento de novos empréstimos ou qualquer retenção de verba.

Para Hahn, a dificuldade na discussão sobre o fim dos fundo está na proposta de criação de um caixa único. “Não se sabe como será utilizado. O que se sabe é que Porto Alegre precisa de um aporte para o patrimônio.”

Por que investir no patrimônio cultural?

Hotel Praça da Matriz, restaurado entre setembro de 2007 a março de 2009. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Há cerca de três meses, parte da rua Riachuelo está interditada. Duas rachaduras na fachada do imóvel conhecido como Casa Azul são as responsáveis. Com risco de desabamento, tapumes e sinalizações de trânsito tomaram conta do entorno para impedir o acesso de carros e pedestres. O imóvel é propriedade de diversos herdeiros, fruto de um inventário-cascata, e foi classificado pela Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (Epahc) como Imóvel Inventariado de Estruturação, ou seja, não pode ser destruído, mutilado ou demolido.

Nenhum dos descendestes dos proprietários originais sinalizou interesse em assumir a responsabilidade pelas obras do imóvel. Assim, a Prefeitura passou a pedir pela municipalização da Casa Azul. Por meio de liminar, afirma querer executar as obras emergenciais para assegurar a estabilidade estrutural da fachada. “Algo que poderia, facilmente, acontecer através do Monumenta”, aponta Volpatto. “Inclusive, já deveria ter acontecido”, completa.

Ameaçada, Casa Azul provoca alterações no trânsito na Riachuelo. Foto: Guilherme Santos/Sul21

De acordo com ele, há uma preocupação entre os proprietários de imóveis tombados, que,  muitas vezes, sentem-se prejudicados por não terem condições financeiras manterem o patrimônio. Assim, a única alternativa de preservação se dá pela possibilidade de obter financiamento através de recursos do Monumenta. Para Volpatto, é fundamental que o FUMPOA seja mantido. “O projeto já foi responsável pelo restauro do 15 imóveis. Além disso, é fruto de um convênio com o Ministério da Cultura, com previsão de fim para 2022”. O arquiteto diz que o foco deveria estar voltado à melhor aplicação dos recursos, não em maneiras de limitá-lo. “É um privilégio poder contar com esse mecanismo. E isso deveria ser valorizado.”

Atualização – 13h29min 

Em nota, a Prefeitura de Porto Alegre afirma que propôs, por mensagem retificativa enviada ao Legislativo, a criação de Fundo de Reforma e Desenvolvimento Municipal – em que permite que os valores revertidos a esse Fundo possam ser destinados à recuperação de bens culturais do município. Acrescenta ainda que: “O PLCE 10/2018 objetiva aperfeiçoar a gestão financeira de recursos públicos, vedando a criação dos Fundos que possuam como fonte o Tesouro municipal e extinguindo os que não têm mais movimentação financeira”.

 


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