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2 de agosto de 2018
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11:22

Entenda o que pensa quem é contra e quem é a favor do projeto de Marchezan para uma previdência complementar

Por
Sul 21
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Em junho, servidores também ocuparam parte de público do auditório para se manifestar contra propostas do governo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fernanda Canofre

No retorno da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, nesta quarta-feira (1º), o Plenário voltou a lotar de servidores municipais para acompanhar a votação de mais um projeto apresentado pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB). Por decisão do colégio de líderes, a pauta abriu com a discussão do projeto de lei 007/2018, que cria uma entidade fechada de previdência complementar para o município: o PoaPrev.

O projeto gera tanta polêmica entre trabalhadores, quanto confusão entre a classe política. Com 28 emendas propostas e duas subemendas, vereadores da base e da oposição apontam que o texto deixa algumas interpretações em aberto e dúvidas. Além disso, o que o governo queria evitar, a proposta chegou ao Plenário no segundo semestre do ano, a menos de duas semanas de começar o período de campanha eleitoral para as eleições de outubro. Com parte dos vereadores já pré-candidatos, comprar briga numa pauta do funcionalismo não parece ser do interesse nem de independentes que costumam votar com o governo, no momento.

O debate, porém, mal teve tempo de começar, a própria base retirou quórum da sessão e empurrou a votação para a próxima segunda-feira (2).

O prefeito Marchezan e o vereador Valter Nagelstein (MDB), presidente da Câmara | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A justificativa da prefeitura para a proposta é que o município não tem condições de seguir pagando as contribuições de quem ganha acima do teto, hoje, por volta de R$ 5,6 mil. Segundo cálculos do poder público, isso corresponde a cerca de metade do quadro de servidores. Atualmente, com o Previmpa, Porto Alegre possui dois regimes de previdência vigente: um simples, para servidores que ingressaram até 2001, outro de capitalização, que passou a valer a partir de uma emenda apresentada naquele ano. Para o regime mais antigo, a prefeitura cobre toda a colaboração e a maioria dos servidores conseguia se aposentar com salário integral relativo ao último cargo que estava ocupado no momento da aposentadoria. Para o regime dos últimos 17 anos, o trabalhador contribui com 14% do salário e a prefeitura complementa com cerca de 24%.

A nova proposta prevê que o pagamento de contribuições com salários até o teto seguiria normal e administrado pelo atual Previmpa. Para os servidores que ganham acima dele, porém, e que pretendem se aposentar ganhando o mesmo que na ativa, teriam de pagar uma contribuição extra de 8,5% em cima da quantia excedente, que seria colocada no PoaPrev. A prefeitura completaria o valor também com 8,5%. Além disso, há proposta de uma modalidade para servidores que ganham abaixo do teto, mas gostariam de ter uma complementação na aposentadoria. Nestes casos, os trabalhadores pagariam 3% de contribuição em cima do salário, que seriam complementados com mais 3% pela Prefeitura.

O precedente da proposta é a Emenda Constitucional 20 de 1998, que fixou limites máximos a serem concedidos por regimes próprios de previdência social e instituiu a previdência complementar para União, Estados, municípios. O primeiro Estado a adotá-la, porém, foi São Paulo e apenas em 2011. No ano seguinte, o governo federal também aderiu à previdência complementar para seus servidores. O Estado do Rio Grande do Sul aprovou a sua em 2016. Atualmente, 15 Estados do Brasil tem previdência complementar aprovada e 7 estão com projetos em discussão.

A nova regra seria automática para servidores que ingressarem no quadro da prefeitura a partir de 1º de janeiro de 2019. Ou seja, do momento em que a lei passa a valer. Servidores atuais não teriam adesão compulsória, mas podem optar por migrar para o novo regime. Há ainda a hipótese de novos servidores também optarem por não permanecer nele. Nesses casos, eles contribuiriam com os 14% até o teto, no Previmpa, tendo complementação de 24% da prefeitura. Quando se aposentarem, porém, receberiam o equivalente ao teto do INSS.

Antes do recesso, tensão marcou sessões da Câmara que debatiam projetos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

No final de maio, em debate no Conselho de Administração do Previmpa, o projeto de lei recebeu parecer desfavorável por 15 votos a 3. Entre os argumentos para rejeitar a proposta, o Conselho diz que o PoaPrev é “um produto semelhante às múltiplas modalidades de investimentos oferecidas no mercado financeiro e bancário nacional que, inclusive, adotam a idêntica denominação de ‘Previdência Complementar’” e “não se enquadra como solução previdenciária eficiente e, sobretudo, sustentável”. Eles também apontam como problema os gastos com a manutenção da nova estrutura, estimado para R$ 4 milhões em dois anos.

Para entender os argumentos dos dois lados da questão, o Sul21 conversou com vereadores que já decidiram seus votos e com o presidente do Conselho e procurador do município, Edmilson Todeschini.

O voto a favor

Com o líder do governo, Moisés Barboza (PSDB), em licença para tratar de problemas de saúde na família, os líderes dos partidos da base assumiram a defesa da proposta. Entre eles, Cássio Trogildo (PTB). O vereador alega que a previdência complementar funcionaria como uma garantia de que os servidores que contribuírem agora, recebam aposentadoria integral no futuro. Com a situação atual, segundo ele, não há essa segurança.

“Não mexe no regime atual. Não sei quem está falando pela oposição, mas o governo do PT fez isso em 2012 na União. Lá era bom, podia, era positivo. Na verdade, esse é o caminho do futuro. Não existe mais condições do conjunto da sociedade custear a Previdência pública do jeito que ela é, por isso que, os Estados, os municípios e a União estão migrando para o regime de Previdência complementar”, defende ele.

Na União, segundo ele, cerca de 9 mil servidores fizeram essa migração para a complementar. Trogildo diz ainda que, hoje, o governo gasta cerca de R$ 800 milhões por ano completando contribuições.

Vereador Cassio Trogildo (PTB): Não sei quem está falando pela oposição, mas o governo do PT fez isso em 2012 na União. | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

“Esse projeto é importante porque a Previdência complementar é um caminho aprovado em 1998, através de uma emenda constitucional. São Paulo foi o primeiro Estado que implementou, em 2011, e isso faz com que o Estado tenha um superávit de R$ 5 bilhões ao final do exercício. Logicamente que isso para São Paulo não é muito dinheiro, mas é dinheiro em qualquer lugar. A União aprovou em 2012 e esse projeto não mexe em nada na vida dos atuais servidores, nem dos ativos, nem dos aposentados. Ele até ajuda a garantir que, no futuro, essas aposentadorias estejam garantidas”.

O projeto de lei apresentado pela prefeitura estima que a criação da nova estrutura, com quatro diretores, deverá demandar um gasto de manutenção de R$ 2,7 milhões no primeiro ano, R$ 3,1 milhões no ano seguinte, chegando a cerca de R$ 4 milhões em dois anos. O aporte inicial sairia do Tesouro e seria pago depois. A sustentabilidade do Fundo se daria a partir do momento que mais servidores fossem aderindo a ele.

Para o vereador Felipe Camozzato (Novo), independente, mas que costuma acompanhar o governo, as projeções apontam que esse aporte inicial de creca de R$ 10 milhões pode levar entre 5 e 10 anos para voltar à Prefeitura. O projeto começará a mudar significativamente a situação, porém, dentro de 15, 20 anos. Ainda assim, ele seria mais seguro que a situação atual com o Previmpa.

Vereador Felipe Camozzato (Novo): “Hoje, se a gente não fizesse nada em termos de previdência complementar, só milagres salvariam as aposentadorias daqui a 10, 15 anos” | Foto: Divulgação/Câmara de Vereadores

“O que dá mais garantias para quem entra hoje e ganha acima do teto, definitivamente, é o PoaPrev. Primeiro, ele consegue ter uma projeção de resultados reais, destacando os recursos para aquele servidor que está contribuindo e ainda dá governança ao próprio servidor, ao fazer com que ele tenha duas cadeiras no conselho deliberativo, ou seja, não há como se decidir nada sem anuência da parte dos servidores. Isso aumenta muito a governança, coisa que não existe hoje no Previmpa. Também, o fato de o governo ter colocado na diretoria, a necessidade de ter diretores que são estatutários, faz com que, na diretoria executiva do Fundo, tenha pessoas com vínculo e interesse para que o negócio dê certo. Isso é muito mais garantidor do que o que se tem hoje, numa crença de que no futuro o Previmpa terá dinheiro para pagar o que não se verifica em nenhuma das projeções, por mais que a gente tente esticar os números”, explica ele.

Camozzato, que está no primeiro mandato na Câmara, diz que, por um lado, há muito desinformação dos colegas com relação ao projeto, por outro, uma parcela de vereadores que é contra apenas por ser uma proposta do governo Marchezan.

“Hoje, se a gente não fizesse nada em termos de previdência complementar, só milagres salvariam as aposentadorias daqui a 10, 15 anos, porque não vai ter dinheiro para fazer a aposentadoria em regime integral de salário nas atuais circunstâncias. O que a Prefeitura está propondo, na minha opinião, enquanto vereador independente, é bastante razoável. Inclusive, algumas das críticas que eu fiz à Prefeitura e à diretoria do Previmpa, que ajudou a redigir o projeto, é que ele era muito brando, muito generoso com os servidores, porque numa situação de caixa tão fragilizado, fazer com que a prefeitura faça uma contraparte de um para um, é uma coisa muito generosa. Acho que foi dos pontos que o governo teve, para que rapidamente houvesse adesão dos servidores e pudesse se sustentar. Por isso, me estranha muito existir uma oposição tão ferrenha. Se eu tivesse na posição de diretoria do sindicato, estaria defendendo esse projeto”, afirma.

O voto contra

Vereadora Sofia Cavedon (PT): ““A gente começa a questionar o tema, será que isso não vai desorganizar a nossa estruturação da previdência, o nosso fundo de capitalização? ” | Foto: Divulgação/Câmara de Vereadores

Assim como os vereadores favoráveis ao projeto dizem que não há garantia de dinheiro para pagamento da aposentadoria se seguir o modelo atual, do Previmpa, a líder da oposição, Sofia Cavedon (PT), afirma que o novo sistema também não oferece segurança de retorno além do teto. Ela também está entre o grupo de quatro vereadores que assinou a proposta de emenda 28 ao projeto, segundo a qual, se no prazo de 12 meses o PoaPrev não conseguir ser viável financeiramente, será extinto.

“Não tem uma garantia de valor final. O que render, o que tiver de rendimento nos valores que estão lá, ou seja, vai depender do sabor do financeiro, do momento, de algum investimento, não há órgão garantidor”.

Entre as 28 emendas e subemendas, a vereadora diz que a oposição acha importante conseguir aprovar uma que garante que a adesão será opcional e que os trabalhadores poderão escolher o regime como é agora, se assim desejarem. Assim como servidores de agora poderão escolher migrar para o PoaPrev, se quiserem.

“A gente começa a questionar o tema, será que isso não vai desorganizar a nossa estruturação da previdência, o nosso fundo de capitalização? Afinal, a gente já tem 17 anos de fundo de capitalização. Temos mais de 7 mil servidores, isso é metade da categoria ativa que vai para esse fundo. Quando eles se aposentarem, daqui a 15, 17 anos, não custarão mais nada para o município. Então, se esses começarem a migrar, poderemos começar a ter problemas da cálculo fatorial, desorganizar esse fundo. Nós entendemos que isso não está bem equacionado ainda. Não tem o que justifique de imediato fazer um terceiro sistema”, aponta a vereadora.

O presidente do Conselho de Administração do Previmpa, Edmilson Todeschini, que assina o parecer contrário ao projeto, diz que “o principal risco” dele é “trazer prejuízo simultâneo ao servidor e ao município”, com o gasto estimado de R$ 10 milhões para manutenção de estrutura em três anos. Partindo de uma comparação com a previdência complementar da União, que teve adesão de apenas 2% dos 430 mil servidores que estariam aptos a ela, Todeschini fez uma projeção de como seria isso em números na capital gaúcha. Aqui, 2% seria o equivalente a 300 servidores.

“Num cálculo preliminar, seriam necessários 4.160 servidores ingressarem no fundo de previdência complementar apenas para cobrir a despesa da pessoa jurídica gestora a ser criada. Somente o que exceder a esses é que começaria a dar alguma sobra de dinheiro para investir. O quadro do município de Porto Alegre, hoje, está em torno de 14 mil servidores, com aproximadamente 40% abaixo do teto e 60% acima. E tem uma renovação com média de pouco mais de 500 servidores ao ano”, analisa ele.

Durante sessão da Câmara, servidores do Sindicato dos Municipários – Simpa critica em campanha vereadores que apoiam projetos do governo | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para o Conselho do Previmpa, há uma tendência de que em um período de 8 a 10 anos, o novo fundo passe a dar prejuízo, sendo que será dependente da intensidade das nomeações no funcionalismo e da política salarial do poder público.

“O que restará para capitalizar? Nada. Temos um dado extremamente relevante, que tirei do Portal da Transparência da Prefeitura de Porto Alegre, o município e suas quatro autarquias gastam mensalmente R$ 128 milhões com folha de pagamento. Esse valor se projeta ao ano para R$ 1,673 bilhão. O que significa economizar R$ 15 ou 20 milhões num ano, numa despesa de mais de R$ 1 bilhão? Significa que, ao longo de 30 anos, atingirá 1% de economia com despesa de pessoal”, avalia.

Há ainda outro aspecto que diferencia as duas previdências, segundo ele, a questão social. O parecer contrário do Conselho diz que há características no projeto que apontam “negócio financeiro, ao investe plano previdenciário”, por exemplo, quando prevê que outros entes federados poderão “formalizar adesão de convênio ao PoaPrev” mediante autorização legal. Embora os percentuais de contribuição reduzidos pareçam “atrativos”, “teria como efeito colateral o achatamento das aposentadorias do atual regime capitalizado no teto”. O texto aponta ainda que “o PL carece de previsão quanto a garantias, responsabilidades, pagamento de resgates, dívidas e compromissos em casos de insolvência, quebra ou falência do Ente, gerando riscos de enormes prejuízos e passivos financeiros ao município”.

“É ruim para servidor porque a previdência complementar tem regras totalmente diferentes da previdência social. A social pode ser o regime geral do INSS ou pode ser os regimes próprios, como o IPE (do Estado do Rio Grande do Sul) ou o Previmpa (do município de Porto Alegre), ela se rege pela filiação compulsória e pela solidariedade. Significa que o cidadão contribui e ele não sabe qual será a expectativa de vida, que é muito variável, ninguém sabe quem vai socorrer e quem vai ser socorrido. A complementar se rege pelo principio da individualidade, é e caráter contratual e não compulsório, são contas individuais, em que o indivíduo não terá a garantia daquela parcela segurada”, alega Todeschini.


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