Cidades|z_Areazero
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5 de julho de 2018
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11:52

Mesmo com retificação de Marchezan, oposição acredita que PL pode pôr em risco fundos municipais

Por
Sul 21
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Entidades encheram a Câmara para discussão sobre PL de fundos municipais, que ainda não aconteceu | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Fernanda Canofre

A plateia do Plenário da Câmara de Vereadores de Porto Alegre lotou na tarde desta quarta-feira (4). A maior parte do público, como os cartazes indicavam, estava lá para acompanhar a possível votação sobre o projeto de lei apresentado pelo prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB) que altera a contabilidade dos fundos especiais do município. Terceiro da lista, numa pauta decidida depois que a reunião de líderes não fechou quórum, o projeto ainda não foi votado, mas segue causando polêmica.

O PL 10/2018 teria nascido de um problema nas contas a gestão anterior, de José Fortunati (na época no PDT, hoje PSB). Segundo o governo Marchezan, o governo anterior teria usado dinheiro dos fundos municipais para cobrir gastos em outras contas. A retirada teria prejudicado a nota de Porto Alegre junto ao Tesouro Nacional, uma vez que o dinheiro dos fundos, parte dele vindo de recursos do governo federal e doações, só pode ser usado para a destinação determinada pelos mesmos. Na prática, uma pedalada para tapar outras contas.

Os fundos municipais foram criados para garantir que dinheiro destinado a setores especiais, como políticas públicas para crianças, idosos ou cultura, caísse no caixa único da prefeitura. Em tese, o projeto apresentado pelo Executivo não propõe a extinção dos fundos, mas poderia dificultar o funcionamento dos mesmos. O primeiro texto enviado por Marchezan à Câmara determinava que, se aprovado o PL, o Executivo estaria autorizado a usar 90% dos recursos de cada fundo especial, que não tivessem sido gastos no período de um ano. Esses recursos iriam para um Fundo de Reforma e Desenvolvimento Municipal.

Cartazes pediam que prefeito “honre seus votos” | Foto: Joana Berwanger/Sul21

“Isso complicaria bastante porque o gestor de um fundo, daqui a pouco recebe este ano, mas ele tem que ter um prazo para estabelecer metas, projetos, onde vai aplicar, se chegar ao fim do ano, 90% vai para o caixa único do Executivo. Na verdade, tu vai praticamente inviabilizar os fundos. Este é o projeto que estava aí inicialmente”, explica o vereador Airto Ferronato (PSB), que é aposentado como fiscal de tributos.

Para a reunião de líderes de quarta, o prefeito enviou uma mensagem retificativa para tentar esclarecer pontos do PL. Na mensagem, Marchezan cita que a alteração proposta, permitindo que o Executivo ficasse com 90% dos fundos, seria retroativa até 31 de dezembro de 2016.

Ferronato, que foi líder do governo Fortunati, diz que “o projeto original não poderia ser aprovado”. O vereador, porém, diz ter achado interessante a mensagem retificada.

“A mensagem tem um fundo de correção, porque diz que os recursos usados até 2016 seriam destinados à prefeitura, foi usado de uma vez. Isso liberaria a prefeitura, com relação aos fundos, para dizer que ela está com as contas em dia. Nós autorizamos o Executivo, que usou os recursos, a ficar com eles”, diz ele. O vereador diz que isso poderia liberar os fundos junto ao Tesouro.

O líder do governo, vereador Moisés Barboza (PSDB), disse que a proposta é “apenas uma operação contábil” e que o projeto inicial não estava completo quando foi enviado à Câmara.

“A mensagem assegura que os fundos municipais e os recursos, de até dezembro de 2016, ou seja, antes dessa gestão, poderão os seus recursos colocados contabilmente no fundo de desenvolvimento. Porque eles já foram utilizados para o desenvolvimento da cidade. Os fundos continuam existindo. Deixando claro no texto que não se mexe em verbas dos governos federal e estadual e doações. É mais uma mentira contada repetidas vezes, para mobilizar as pessoas para vir pra cá em ano eleitoral”, defendeu ele.

Barboza criticou ainda a movimentação da oposição contra o projeto, que trouxe entidades às galerias da Casa. Para ele, a movimentação popular de quarta é fruto de “uma histeria coletiva causada pelo oposição”.

Quórum da sessão esteve no limite durante boa parte dela | Foto: Joana Berwanger/Sul21

O que pensa a oposição

Mesmo com a retificação de Marchezan, vereadores da oposição avaliam que o projeto ainda deixa brechas que podem vir a prejudicar o funcionamento dos fundos municipais. O texto diz que a lei dispõe sobre “criação e a extinção de Fundos Públicos, propondo novas regras para a movimentação financeira dos atuais fundos e criando o Fundo de Reforma e Desenvolvimento Municipal”.

A alteração proposta por Marchezan propõe que o Executivo poderá “apresentar projeto de lei propondo a criação, modificação ou extinção de fundo público após análise, avaliação e recomendação favorável da Secretaria Municipal da Fazenda (SMF) e Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (SMPG), dentro de suas competências, e posterior análise jurídica da Procuradoria-Geral do Município”.

Estariam excetuados da lei apenas os fundos de natureza previdenciária administrados pelo Previmpa, o fundo da Criança e do Adolescente, o Fundo do Idoso, Fundo Municipal de Assistência Social e o Fundo Municipal da Saúde.

Para o vereador Aldacir Oliboni (PT), ainda que a retificação cite a data de 31 de dezembro de 2016, o PL deixa brechas e não altera a posição da bancada petista. Ele avalia que o projeto poderia dar prerrogativas para que o governo use novamente recursos dos fundos para cobrir problemas de gestão.

“O governo está dizendo isso, apresentando uma mensagem retificativa tentando sanar o erro que mandou no projeto original, dizendo que estaria autorizado a legalizar aquilo que o governo anterior já retirou. Mas isso é atribuição do governo anterior. Está dizendo que não vale para o atual momento, só para governos anteriores, mas quando ele muda a lei municipal, ele deixa essa brecha de continuar usando esse recurso, uma vez que se ele não encaminha outro projeto, esse fundo fica disponível”, explica ele.

Na avaliação de Oliboni, o funcionamento dos fundos e o quão úteis eles podem ser para a população depende apenas de interesse da própria gestão. Os recursos presentes neles são exclusivos de receitas da prefeitura, mas de doações e verbas vindas do governo federal, por exemplo. Ele cita o caso do Fundo do Idoso que até recentemente possuía R$ 12 milhões e quase nenhuma política pública para aplicá-los. O próprio Oliboni apresentou então a proposta de criação do Programa de Educação Esportiva para o Idoso, que deveria ser mantido com esses recursos.

A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) avalia a proposta como “um escândalo”. “É permitir que até 90% dos fundos, como de cultura, meio-ambiente, catadores, todas as verbas oriundas dos recursos públicos, possam ser drenados para um suposto fundo de desenvolvimento de Porto Alegre, que está concatenado com a política de privatizações do governo. É um projeto que, literalmente, tira dinheiro das áreas sociais e do controle social. Que os conselhos, entidades, a cidadania da cidade executam e controlam. É um Robin Hood às avessas, que tira dos pobres para dar aos ricos”.

Manifestantes levaram cartazes criticando proposta de Marchezan | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Cultura protesta

Entidades ligadas ao setor da cultura eram maioria no Plenário. Muitos artistas e grupos reclamam há três anos os atrasos nos pagamentos de editais da prefeitura que viriam do Fumproarte, que ainda não foram cumpridos pelo poder público. Além da espera pelo pagamento, no primeiro ano de governo Marchezan foi anunciado que o governo não teria verba para colocar abrir novos editais. O secretário da Fazenda, Leonardo Busato, teria anunciado que os investimentos só retornariam em 2019.

Fábio Cunha, ator e representante do Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul), diz que as entidades temem que, mesmo sem propor extinção, a condução que o governo vem dando aos investimentos no setor possam levar a isso.

“Porto Alegre não investe nem 1% na cultura, ano passado era 0,75% e esse ano foi 0,47%. Então, já não é investido na cultura, não é com esse valor que vão ficar ricos. Se o governo disser que a cultura, que os artistas vão salvar a economia, nós apoiamos. Mas que diga isso, que 0,47% do orçamento do município nos salva da crise. Outros setores da prefeitura têm valor muito maior, como o de comunicação, por exemplo”, avalia Cunha.

O ator citou o mesmo que vem sendo repetido por vereadores críticos ao governo, que mesmo em meio a crise financeira, o governo investiu mais de R$ 5 milhões em contratos de publicidade em grandes veículos de comunicação.

Segundo Cunha, os grupos e entidades não vivem exclusivamente dos fundos de cultura, mas eles são um apoio. Sem perspectiva de investimentos do Executivo municipal, muitos vêm se mantendo “passando chapéu” (com doações espontâneas) ou apoio da iniciativa privada.

“A gente só tem dois teatros abertos no município que é o Teatro Renascença e a Sala Álvaro Moreyra, do Estado temos só a Casa de Cultura para o Estado todo. O acesso e o retorno do poder público para a cultura são mínimos. O artista não vive do dinheiro público, ele é parte para que o artista tenha um suspiro”, salienta ele.


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