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10 de junho de 2018
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11:58

‘Rua mais bonita do mundo’, Gonçalo de Carvalho ganha placas de ‘área de assalto’

Por
Luís Gomes
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Moradores da rua Gonçalo de Carvalho relatam uma rotina de seguidos assaltos | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Qual morador de Porto Alegre nunca ouviu falar da “rua mais bonita da cidade”? Localizada em uma das regiões mais nobres da Capital, a rua Gonçalo de Carvalho ostenta esse título graças às centenas de grandes árvores que formam um “túnel verde” que cobre a pavimentação e se fecha a vários metros de altura. Atração da cidade — a linha de ônibus turística passa por ali, por exemplo –, a beleza da via também é citada com orgulho pelos moradores, mas estes agora reclamam da falta de cuidado em sua manutenção e, especialmente, do grande número de assaltos que estariam ocorrendo na região.

A fama de “rua mais bonita do mundo” advém de uma enquete feita nas redes sociais em 2008. Esse “título” é exibido com orgulho em uma placa colocada na rua, que explica que o chamado túnel verde é formado por mais cem árvores da espécie Tipuana plantadas nos dois lados da via no final da década de 1930. Ela é considerada “patrimônio histórico, cultural e ambiental da cidade” desde junho de 2006, quando assim determinou um decreto assinado pelo então prefeito José Fogaça (MDB).

Placa exibida na rua | Foto: Luís Eduardo Gomes/Sul21

Morador, há 10 anos, da rua Pinheiro Machado, perpendicular à Gonçalo, Cristiano Aranha avalia que a região está muito degradada tanto no que diz respeito à violência quanto na questão da manutenção. “Todos os dias tem algum incidente de assalto ou furto. Sem dúvida, o principal é a questão da falta de iluminação”. Síndico do prédio onde mora, ele diz que recentemente fez uma solicitação junto à Prefeitura de troca de lâmpadas em frente ao seu prédio e que o serviço só foi realizado dois meses depois.

Simone Santos, moradora há quatro anos de um prédio na Gonçalo de Carvalho, próximo ao Hospital Moinhos de Vento, diz que nunca foi assaltada na rua e nem presenciou uma situação de violência, mas relata estar sempre ouvindo casos contados pelos vizinhos. Ela chega a avaliar que tem a impressão de que muito da fama de violência pode ser exagerada pela vizinhança. Por outro lado, diz sentir falta da presença ostensiva da polícia. “Policiamento, aqui, eu nunca vi”, diz.

Próximo ao apartamento de Simone, fica parado o trailer de cachorro-quente de Janaína Botelho. Mário César, marido de Janaína, explica que a esposa ganhou a permissão há alguns meses, mas só vieram para o local há cerca de um mês. Na primeira semana que estavam ali, um carro foi roubado logo atrás do trailer.

Mário César reclama da falta de preservação do patrimônio histórico | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Mas a principal reclamação de Mário é quanto à preservação da via, por ser um patrimônio histórico do município e sempre estar atraindo turistas. Ele diz que, quando chegaram, o cordão da calçada em frente ao trailer estava levantado ainda como resultado de uma árvore que tombou durante o temporal que atingiu Porto Alegre no final de janeiro de 2016. Além disso, conta que o poste de iluminação que se encontra atrás do veículo não estava operando. Após conversa com engenheiros da Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov), conta que a situação da pedra foi resolvida. O mesmo aconteceu com a questão da iluminação.

Cuidador de carros próximo à André Puente, João passa os dias na rua e diz que presencia muitos assaltos, roubos de celulares, de bolsas. “O que tiver os caras levam”, diz. João conta que, na véspera da conversa com a reportagem, presenciou um assalto à mão armada no horário do meio-dia. “Cheio de gente passando. Nada mais inibe os caras”.

O alto número de assaltos levou um grupo de moradores a colar cartazes próximo à altura do Shopping Total com uma imagem de uma pessoa sendo assaltada e os dizeres “área de assalto”, incentivando as pessoas a registrarem boletins de ocorrência.

Hosana Piccardi (esq.) mora com o marido, César, e o cão, Hugo, na Gonçalo há cerca de um ano |  Foto: Joana Berwanger/Sul21

Uma das idealizadoras da ação foi a bióloga Hosana Piccardi, que mora na Gonçalo há cerca de um ano. Ela afirma que há pelo menos dois ou três episódios de violência por semana na rua e que circula a notícia de que há uma gangue especializada em roubo de carros, voltada especialmente para o roubo de veículos de luxo, atuando na rua.

Síndica de seu prédio, Hosana diz que, com frequência, vê viaturas da polícia paradas dentro do Shopping Total e que sempre há um brigadiano junto à parada de ônibus em frente ao centro comercial na Av. Cristóvão Colombo, mas não vê nada na Gonçalo. O estopim para a cola dos cartazes, contudo, foi um episódio que ocorreu no final do mês de maio. Uma moradora do seu prédio foi esfaqueada quando saía de casa por volta das 19h. “Ela olhou para os dois lados da rua, viu que não vinha ninguém. O que acontece? Não tem iluminação pública e o cara estava escondido atrás de uma árvore. Adentrou o prédio e começou a esfaquear lá. Ele só não a matou porque o vizinho jogou uma cesta de basquete na cabeça dele, que saiu correndo. Chamamos a Brigada duas vezes e ela não veio”.

Os cartazes foram colados no domingo 27 de maio. Durante a semana, foram arrancados. Hosana diz não saber por quem. Os moradores então decidiram colar novos cartazes, desta vez em local de mais difícil alcance. “Agora eles também vão ter que subir em uma escada se quiserem arrancar de novo”, ironiza.

Comandante do 9º Batalhão de Polícia Militar, que atua na região, o tenente-coronel Rodrigo Mohr Piccon reconhece que a rua é muito visada especialmente para roubos de carros por estar em uma área de fácil acesso à saída da cidade. “São quadrilhas que atuam naquela região por ser uma fuga fácil. Fazem o roubo, levam os pertences, o celular, e quando as vítimas conseguem fazer o contato conosco, eles já estão longe ou largaram o carro perto”, diz o tenente-coronel.

Contudo, o comandante do 9º discorda da percepção de que a Brigada não está atuante no local. Ele afirma que há um serviço de inteligência coordenado com o Comando de Policiamento da Capital (CPC) e a Polícia Civil, com a manutenção de “policiamento ostensivo diuturnamente” na região, o que permitiu que, em abril, as autoridades conseguissem prender uma quadrilha de Sapucaia do Sul. Segundo ele, depois que essa quadrilha foi desbaratada, o número de roubos de carros caiu 30% na área.

A respeito da falta de policiamento, ele também alerta a população de que é preciso sempre comunicar a Brigada Militar. O tenente-coronel também sugeriu que os moradores da rua se organizem para manter uma comunicação constantes com a polícia. Ele diz que participa de grupos de WhatsApp com moradores do bairro Floresta e que sempre está presente em reuniões com a comunidade, mas destacou, por exemplo, que a última reunião feita contou apenas com um morador da Gonçalo. “De repente, está faltando uma maior integração da comunidade”, avalia.

Túnel verde é a característica que deu fama à rua | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Falta de preservação

Além da falta de segurança, a bióloga Hosana reclama da falta da preservação justamente do que trouxe fama à rua, suas árvores. Ela diz que o problema da falta de cuidados ficou evidente no temporal que atingiu a Capital com ventos que chegaram a quase 120 km/h em 29 de janeiro de 2016. Na ocasião, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam, hoje Smams depois de ter adicionado Sustentabilidade ao nome) contabilizou oficialmente a queda de três árvores, mas não levou em conta o grande número de galhos quebrados que caíram sobre o pavimento e provocaram a interdição da rua e chegaram a abrir buracos no túnel verde.

“Quando houve aquela tempestade, a maior parte das árvores que caíram eram exóticas. Por que essas árvores caem? Porque estão adaptadas para outro tipo de solo, tem um tipo de raiz que não está adaptada para o solo raso de Porto Alegre. Então, as árvores nativas, como a Mirtácea, parente da Pitangueira, que tem na André Puente, são resistentes e não caem. Mas as árvores que compõem o túnel verde da Gonçalo são todas exóticas. Então, o cuidado do poder público teria que ser maior ainda”, diz Hosana. Uma placa no local explica que a Tipuana é uma árvore exótica natural da América do Sul e que a rua conta ainda com outros tipos de árvores trazidas até de locais como o Japão.

Gonçalo de Carvalho após o temporal de janeiro de 2016 | Foto: Milton Ribeiro/Sul21

A bióloga avalia que essas árvores exóticas são muito frágeis. Ela aponta ainda que, pela falta de cuidado, há árvores que estão tomadas por ervas, que estão gradativamente as matando e aumentando ainda mais o risco de caírem em futuros temporais. Segundo ela, as galhos das árvores deveriam ser constantemente podados para serem mantidos em boas condições, mas faltaria um olhar técnico da Prefeitura para fazer esse trabalho.

Procurada, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb), responsável pela poda das árvores e pela iluminação na cidade, diz que a pasta presta serviços de acordo com as demandas feitas à Prefeitura pelo número 156 ou a partir de denúncias feitas por outros órgãos do poder público, como por servidores da Empresa de Transporte Público e Circulação (EPTC). A secretaria aponta que, em caso de não haver denúncias, não há um trabalho de rotina dos servidores que permita que seja feita uma fiscalização in loco frequente. No caso das árvores, situações de risco à população são priorizadas em detrimento de reclamações paisagistas.


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