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12 de junho de 2018
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11:25

Catadores reclamam de falta de repasses e queda nos recicláveis: ‘DMLU quer fazer o sistema morrer à míngua’

Por
Luís Gomes
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Catadoras trabalham na separação de materiais na Unidade de Triagem da Vila Pinto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardos Gomes

Na última quinta-feira (7), os catadores que trabalham nas unidades de triagem conveniadas com a Prefeitura de Porto Alegre para separar e dar encaminhamento ao material reciclável da cidade foram às ruas não para fazer a coleta, mas para protestar contra a atual gestão pela diminuição dos materiais que estão chegando aos seus galpões e pela falta de repasse de uma verba mensal, que deveria ser destinada para a manutenção das máquinas e de despesas administrativas (como energia elétrica, telefonia, combustível, etc).

Coordenadora operacional da UT Vila Pinto, Sirlei Batista de Souza, diz que os repasses — que variam de R$ 2,5 mil até mais de R$ 5 mil dependendo do tamanho do galpão — estão atrasados desde outubro do ano passado. “Esse repasse serve para pequenas manutenções dentro das UTs, pagar telefone, arrumar uma prensa, mas ele não está chegando desde o ano passado e isso está causando bastante problema, porque daí tu tem que tirar do dinheiro que é partilhado com os associados para pagar as pequenas reformas”, explica.

Há cerca de dois meses, duas prensas usadas para compactar o material reciclável estragaram e precisaram ser consertadas. O custo do reparo: R$ 4,2 mil. Sirlei explica que, como a UT não consegue ter dinheiro em caixa para fazer esses reparos, precisou antecipar receita com os compradores, que compensarão nas compras futuras. “É dinheiro que sai da partilha das famílias”, diz.

Sirlei diz que os repasses da Prefeitura estão atrasados desde outubro | Foto: Guilherme Santos/Sul21

A Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smurb), pasta guarda-chuva para o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), diz que os repasses estão ocorrendo de acordo com a legislação municipal, que determina que é necessário que cada UT apresente sua prestação de contas para recebê-lo, mas que há atrasos na apresentação destes dados. A pasta diz que o DMLU deve fazer, ainda neste mês, uma oficina para capacitar as cooperativas que gerenciam as unidades a fazer a correta apresentação das despesas e agilizar o pagamento dos repasses.

Gernô Dias Prado, presidente da UT Coopertinga, avalia que quase todas as unidades estão com repasses atrasados, inclusive a sua. Mas, segundo ele, o problema da sua UT não é a falta de prestação de contas, e sim uma dívida de R$ 50 mil que a Prefeitura cobra de uma associação de catadores que atuava no mesmo local até 2015 — a Cooperatinga passou a operar na Estrada João Antônio da Silveira em novembro de 2014. “Como o DMLU não tinha nada para se agarrar para não dar o repasse, querem que a Coopertinga pague essa dívida. Mas como eu vou pagar uma dívida que não é do meu CNPJ?”, questiona.

Marina Souza da Luz, presidente UT Reciclando Pela Vida, localizada no bairro Marcílio Dias, diz que nem conta mais com essa verba. Segundo ela, a UT não recebe o repasse há ainda mais tempo que a Vila Pinto, desde julho passado. Ela reconhece que prestação de contas da unidade realmente esteve atrasada, mas diz que a situação foi resolvida em abril. “O que deu a entender é que o DMLU quer fazer o sistema morrer à míngua”, diz.

UT é uma das opções de emprego para as famílias da Vila Pinto | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Queda no material

Problema tão importante quanto a falta de repasses, e talvez até mais grave, é a queda no volume de materiais recicláveis que vêm sendo entregue aos galpões de reciclagem pela Cootravipa, empresa contratada para fazer a Coleta Seletiva da Capital. Sirlei, da UT Vila Pinto, diz que, no momento do protesto, o galpão estava vazio. Ela destaca que a situação começou a melhorar desde sexta-feira (8). Na tarde desta segunda (11), quando a reportagem visitou o local, o galpão estava cheio de material para a triagem. “Ligeirinho, depois do protesto, apareceu o material. Agora está lotado, mas amanhã pode estar vazio”, diz.

Ela afirma que, atualmente, 40 pessoas trabalham na UT Vila Pinto, a maioria mulheres, em um turno único que compreende a manhã e a tarde, quando tem trabalho. Mas, no auge de sua operação, já chegou a ter 300 pessoas se revezando em quatro turnos diários, inclusive nas madrugadas. “E tirando mais dinheiro que tira hoje”, ressalta.

Sirlei estima que, até o ano passado, cada associado da cooperativa ganhava mais de R$ 1 mil por mês, mas agora o valor dificilmente chega a R$ 800. Segundo o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), em 2005, havia 12 grupos com 700 catadores atuando em Porto Alegre. Hoje, são 19, mas com cerca de 600 pessoas apenas.

“A necessidade é bem grande, né, porque nem todo mundo tem um recurso fora daqui, como o Bolsa Família, ou a possibilidade de renda financeira. A gente sabe que hoje existem atravessadores, que recolhem na rua e nos atrapalham muito”, diz Tatiane da Silva Borges, recicladora na UT Vila Pinto há 13 anos, acrescentando que aumentou muito o número de recicladores e catadores que atuam na rua de forma independente.

Tatiane diz que muitas pessoas estão deixando as UTs para trabalhar por conta própria na rua |Foto: Guilherme Santos/Sul21

Além da queda no volume de material entregue, Sirlei reclama que a qualidade do lixo reciclável tem caído bastante também, porque tem aumentado o nível de resíduos orgânicos entregues junto com a coleta seletiva, o que acaba inviabilizando a revenda. “As pessoas estão sem educação ambiental, não separam o seco do orgânico, então perde muito a qualidade do material”, avalia. Ela reclama que programas de incentivo à reciclagem, como o Recicla Poa, pararam de ser incentivados pela Prefeitura, o que fez com que a população se descuidasse na separação dos resíduos. “Faz muito tempo que isso não está acontecendo e acaba esquecido. É que nem um filho, tem que lembrar ele todos os dias de fazer a coisa certa, porque, no momento que tu relaxar, ele vai para o caminho errado”.

Ela diz que a situação se deteriorou com a troca de governo e, quando questionam a atual gestão, ela põe a culpa na que deixou a Prefeitura em 2016. “Mas, mesmo não sendo culpado, tem que fazer algo para melhorar, né?”

Marina, da UT Reciclando pela Vida, também aponta a redução do material entregue como o maior problema de seu galpão. “Antes, os nossos associados chegavam a ganhar R$ 270 por semana. Agora, não chega nem a R$ 200”. Segundo ela, a Prefeitura alega que a redução no material entregue nos galpões pela Cootravipa é resultado da diminuição de lixo produzido na cidade e colocado nas ruas para a Coleta Seletiva. “Como que não está tendo material se a gente passa nas ruas e vê um monte de clandestinos?”, questiona. “Os mercados e o Shopping Total [localizado próximo à UT] estão lotados. Onde está o material? Os clandestinos passam aqui na frente do nosso portão lotados”.

Gernô, da UT Coopertinga, também reclama que a situação da entrega do material está precário. Atualmente, estão recebendo em média três caminhões com materiais por dia, mas o galpão, localizado na Restinga, tem capacidade para triar o material de mais de 20 caminhões diários. Ele reclama da falta de fiscalização sobre a quantidade de material coletado e entregue pela Cootravipa, mas é mais um a questionar a atuação dos clandestinos. “Hoje, o lixo só é da Prefeitura quando é largado na rua. Quando ele está dentro dos condomínios, se o condomínio quiser largar para o clandestino, vai largar e não dá nada”, pondera.

Sobre essa questão, a Smsurb diz não ter informações de problemas no recebimento de material nas UTs.

Coleta Solidária

Segundo Sirlei, as UTs têm três principais reivindicações: para a Prefeitura a regularização dos repasses para a manutenção dos galpões; que seja implementada a coleta solidária, isto é, que os próprios galpões fiquem responsáveis pela coleta; e que a profissão de catadores e recicladores seja reconhecida como prestadora de serviço para a Prefeitura. Contudo, para ela, o prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) tem ignorado as reivindicações dos catadores da cidade e parece não se preocupar com o lixo. Da mesma forma, a direção do DMLU só tem recebido a representação dos trabalhadores quando os encontros são intermediados via Câmara de Vereadores.

“Nós, os catadores, sempre ficamos com o resto da sociedade, que é lixo. Tudo que tu come dentro da tua casa, o resto vem para as unidades. Mas o lixo tem que ser a primeira coisa a ser pensada, porque, se não for, o material é colocado em locais inadequados, entope os bueiros, suja os arroios. Se a gente tivesse mais reconhecimento, ganharia os galpões e a sociedade”, diz.

Ela argumenta que, por estarem atuando sem qualquer tipo de registro e sem previsibilidade, os trabalhadores do galpão têm muitas dificuldades em acessar serviços que são básicos para quem trabalha com carteira assinada. “Por exemplo, tu nunca pode fazer uma compra de R$ 400 parcelada, porque não ponde contar que o dinheiro é garantido. É complicado para os trabalhadores”, diz.

Catadores afirmam que volume de material reciclável aumentaria se eles próprios fizessem a coleta | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Das 18 UTs que operam legalmente em Porto Alegre, apenas a da Cavalhada, gerida pela Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada (Ascat), faz um trabalho próprio de coleta. Alex Cardoso, cooperado da Ascat e membro da articulação nacional do MNCR, explica que isso ocorre porque a unidade tem a estrutura, um caminhão próprio, para recolher o material em condomínios.

Segundo ele, desde 2002, os catadores pleiteiam que seja implementada a Coleta Seletiva Solidária, feita por eles, o que já é feito, por exemplo, em diversas cidades da grande Porto Alegre. Atualmente, a Ascat tem um projeto piloto nesse sentido que está sob avaliação do DMLU, mas que não avança para que a cooperativa seja contratada para realizar o serviço porta a porta.

Alex diz que a possibilidade de os catadores serem contratados diretamente para prestar o serviço está prevista no Código Municipal de Limpeza Urbana e no Plano Estadual de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos. Segundo ele, a contratação direta das cooperativas melhoraria a qualidade da coleta e reduziria os custos da Prefeitura.

“De acordo com dados de comparativos feitos pelo Ministério do Meio-Ambiente e pelo Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir), os catadores elevam em torno de 300% o índice de reciclagem, mantendo quase o mesmo custo da iniciativa privada”, diz Alex. Segundo ele, isso ocorre porque, atualmente, cerca de 50% do material reciclável é inviabilizado por estar junto com resíduos orgânicos e, se os trabalhadores assumissem a coleta, ela passaria a ser mais eficiente, o que, consequentemente, também reduziria as despesas que a Prefeitura tem hoje para remover os resíduos dos galpões. “Hoje, perdem todos os lados. Ao mesmo tempo que a coleta não tem uma eficiência que consiga alimentar todas as cooperativas, os catadores vão saindo delas porque a renda diminuiu bastante”.

Gernô é um defensor ferrenho de que as UTs devem assumir a coleta do lixo, mas ressalva que elas precisariam se organizar melhor administrativamente para prestar esse serviço, porque, como estão estruturadas hoje, poderia ser um “tiro no pé” assumirem a função sem terem condições adequadas para a coleta. Enquanto isso, ele diz que está atuando para que as cooperativas se organizem para vender melhor o produto da triagem, especialmente caixas Tetra Pak e papel comum, que geram mais renda.


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