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18 de abril de 2018
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10:45

Instituto de Educação: Com 90% das obras por fazer, governo promete entrega para 2020

Por
Sul 21
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Instituto de Educação Flores da Cunha aguarda novas empresas para retomar as obras paradas desde o final de 2017. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Giovana Fleck

Quando Heloiza Rabeno entrou no que costumava ser o ginásio do Instituto de Educação General Flores da Cunha, sua boca, involuntariamente, se abriu. Seus olhos se arregalaram e os braços cruzados se desfizeram. Depois de olhar o entorno, em alguns segundos de silêncio, ela se vira para o palco.

Heloiza tem mais de 50 anos de magistério. É professora de língua portuguesa. Há 18 anos, leciona no IE. Porém, há quase dois anos, suas aulas são ministradas a cerca de três quilômetros do prédio original. Em julho de 2016, os mais de 1.800 alunos do Instituto foram transferidos para as escolas Felipe de Oliveira, na Protásio Alves, Professora Dinah Néri Pereira, no Bom Fim, e para a estrutura onde funcionava a escola Roque Callage, no Rio Branco.

A estimativa era de conclusão das obras no IE no segundo semestre de 2016, a um custo de R$ 22,5 milhões. Porém, o restauro parou. “Muitos [professores, alunos e pais] não acreditam que vamos conseguir alguma coisa. Não é descrédito nosso, é deles”, afirma Heloiza, se referindo ao Governo. “Tem gente certa de que não vamos voltar para o Instituto.”

Há 18 anos, Heloiza leciona no IE. Porém, há quase dois anos, suas aulas são ministradas a cerca de três quilômetros do prédio original.. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Pelo menos R$ 20 milhões

Maria da Graça de Moralles é presidente do conselho escolar do Instituto de Educação. Seus filhos estudam na escola desde 2007, quando entraram para cursar o ensino fundamental. Ela conta que, há 11 anos atrás, o ginásio já estava prestes a ser interditado, uma obra específica para o telhado chegou a ser iniciada, mas não foi adiante. Além disso, os alunos conviviam com falhas na parte elétrica – o que ocasionou em uma série de reuniões entre a comunidade escolar e a Seduc (Secretaria de Educação).

Segundo Maria da Graça, apenas em 2010, após o levantamento de seis processos de reformas necessárias em todos os prédios que compõem o Instituto, é que se começou a pensar em um restauro geral. Maria da Graça afirma que em 2011 começaram a ocorrer as primeiras reuniões para avaliar uma licitação. A ideia, no entanto, foi sendo empurrada para os anos seguintes pela alegação de falta de verbas. Em 2013, o projeto foi finalmente aceito e a licitação aberta. No final de 2015, a empresa Portonovo Empreendimentos e Construções Ltda, única concorrente no processo, foi contratada.

Segundo Maria da Graça, apenas em 2010, após o levantamento de seis processos de reformas necessárias em todos os prédios que compõem o Instituto, é que se começou a pensar em um restauro geral. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Em janeiro de 2016, os alunos de educação infantil foram realocados, permitindo o início das obras em um dos prédios, bem como no ginásio. Em julho, foi a vez do prédio principal, o que levou ao fim das aulas no Instituto de Educação. No início, o conselho escolar, assim como fiscais da Secretaria de Obras Públicas (SOP), faziam vistorias de 15 em 15 dias para verificar o andamento das obras. “Mas fomos espaçando, a medida em que as obras simplesmente não evoluíam”, diz a presidente.

Apenas 9,6% das obras foram concluídas em mais de um ano. “O que a gente sempre via nessas visitas era um número muito menor que o desejado de funcionários trabalhando, cumprindo um prazo impossível”, descreve. A última visita, em maio de 2017, fez com que Maria da Graça atentasse para os parâmetros em que a obra era conduzida. “Na época em que tive que matricular meus filhos, ouvia falar muito bem do IE, até por ser uma escola formadora de professores. E existe, sim, um nível de excelência. Continuo lutando para manter isso.”

Por conta dos atrasos, em agosto de 2017, a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) rescindiu o contrato com a Portonovo. Com orçamento de R$ 22,5 milhões, a reforma necessitaria de, pelo menos, R$ 20 milhões para sua finalização. O recurso inicial seria proveniente de um empréstimo do Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento). Porém, o contrato com o governo do Estado prevê a utilização dos valores exclusivamente em obras que terminem até fevereiro de 2019, quando o documento perde a validade. Segundo a Seduc, a previsão de conclusão do IE não deve ser anterior ao segundo trimestre de 2020, considerando os 90,4% que necessitam de finalização.

Assim, os portões foram fechados. A única presença humana constante no terreno passou a ser a de um vigilante de empresa particular, contratada pelo Estado.

Pé atrás

Antiga Escola Roque Callage, onde alguns alunos do IE vêm estudando enquanto aguardam a conclusão das obras. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Foi segurando uma faca de pelo menos 20 cm que o responsável pela segurança do local no turno da tarde recebeu a comitiva escolar do Instituto de Educação. Após comprovar a autorização da Seduc, o portão de ferro foi aberto.

Inaugurado como Escola Normal da Província em 1869, o atual IE completou 149 anos no dia 05 de abril (quinta-feira). O aniversário foi celebrado na Secretaria de Educação, quando a comunidade cobrou informações sobre o que seria feito após esses meses de obras paralisadas. A notícia-presente foi o anúncio de que um novo edital aguardava liberação na central de licitações. “Estava pronto para sair”, afirma Maria da Graça. E saiu. Publicado na sexta-feira, o edital se coloca disponível para “qualquer pessoa jurídica cujo objeto social seja compatível com o objeto da licitação e que atenda a todas as exigências estabelecidas”, abrindo espaço para a participação de consórcios.

Ou seja, ao contrário da primeira licitação, mais de uma empresa poderá se candidatar para ser responsável por uma parte da obra. Ganhadora do primeiro edital, a Portonovo era a responsável pela contratação de serviços paralelos às reformas principais, como restauro de móveis e instalação de ar-condicionado. Agora, a documentação e aprovação de todas as participantes será feita pelo critério da Seduc – cuja assessoria não soube informar especificidades – e submetidas à fiscalização da SOP.

Mesmo com a notícia, no sábado (07), os professores, pais e alunos organizaram um protesto em frente ao IE para denunciar os atrasos e a precarização do ensino. Segundo Maria da Graça, a evasão escolar foi o primeiro e mais importante processo sofrido pelos alunos. A escola que contava com quase 2 mil estudantes, passou para cerca de 1.300. A grande justificativa apresentada foi a distância das instituições provisórias e o afastamento do Centro da cidade. “Como que eu vou te dizer… É uma perda de tudo. É perda. Em relação aos alunos, nós precisamos deles para exercer a nossa profissão. O aluno saiu daqui e não voltou por conta do acesso. Do acesso! A gente tá falando de linha de ônibus, de preço de passagem. Mexe com o bolso. Pesa. E o problema é tão grande que isso faz com que eles se privem da educação. Por isso ficamos com pé atrás”, afirma Heloiza.

Telhado inacabado do ginásio do Instituto de Educação. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Segundo a Seduc, a Prefeitura conta com o programa Vou à Escola, que possibilita o transporte gratuito de estudantes do Ensino Médio de famílias de baixa renda. No entanto, não informou motivos para esses estudantes não serem atingidos pelo programa. Ainda assim, afirma que todos se matricularam em outras instituições.

Sandra Rosa é mãe de um estudante da quinta série. “Presidente de turma!”, diz com orgulho. Quando estudava no IE, seu filho ia a pé para a escola. Agora, tendo aulas na Cabral, ela gasta uma média de R$ 12 diários com seu transporte em lotações. “A gente tá se virando. Mas e os outros pais? Que têm três, quatro filhos”, questiona.

Clara de Moralles, estudante do IE e filha de Maria da Graça, acompanhou a visitação. Ela analisa o que vê como desânimo por parte de todos os envolvidos. Clara estuda desde o terceiro ano do fundamental no IE. Começou no prédio anexo, construído em meados da década de 1930. No nono ano, passou para as salas de aula do prédio principal. “Mudar para a Cabral foi bizarro. Tu via as mesmas pessoas mas num ambiente completamente diferente – ou nem via mais. É como uma perda de identidade.”

Hoje no ensino médio, ela afirma não ter esperança de se formar com o Instituto pronto. “Só espero desse Governo que cumpra pelo menos esse compromisso. No final, [investir na educação] é algo que faz com que toda a sociedade ganhe.”

Móveis trancados e ‘canteiro’ no segundo andar

No segundo andar do prédio principal, o mato começara a brotar do chão. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Tombado pelo município em 1997 e pelo IPHAE (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul) em 2006, o prédio do Instituto de Educação é muito mais do que escola. Dono de um acervo grandioso, o prédio acumulou, ao longo desses mais de 100 anos, móveis, livros e obras históricas.

Ao longo dos dois andares de salas e corredores, se escondem três pianos. Hoje, estão cobertos por lonas ou grandes pedaços de tecido, em cantos de salas ainda intocadas pela reforma, se escondendo da luz solar. As telas de Lucílio de Albuquerque, Garibaldi e a Esquadra Farroupilha (1919), e de Augusto Luiz de Freitas, A Chegada dos Casais Açorianos  (1923) e A Tomada da Ponte da Azenha (1922), estão guardadas em enormes estruturas de madeira na mesma sala onde antes eram exibidas.

A sala que guarda a maioria dos móveis para restauro está trancada – e a chave não foi localizada. O grupo que visitou o Instituto não pôde acessá-la, apesar da curiosidade.

Depois de fazer a vistoria pelo ginásio, o grupo se dirigiu a construção que abrigava a educação infantil. “Cuidado com as armadilhas”, brincou Fernando Ferth, fiscal da SOP. Pedaços de arames se escondiam entre o mato alto. Em uma das extremidades do terreno, uma malha de ferro entrelaçada manualmente foi ligada à uma tomada. “É uma cerca elétrica!”, alguém diz com surpresa.

Entrando no prédio, fica evidente o que foi feito pela Portonovo – e o que não foi. Fernando aponta para alguns fios nas paredes. “Eles não se ligam em lugar nenhum, olha só”, e descia o olhar para um emaranhado de pontas coloridas, todas soltas, e com um ninho de joão-de-barro perfeitamente equilibrado em cima. “A natureza se supera”, diz o professor de Geografia Wagner Inocêncio Cardoso.

As obras históricas estão conservadas em estruturas de madeira. Foto: Guilherme Santos/Sul21

O piso foi refeito, falta apenas a finalização. Assim como quase todo o concreto das paredes e a parte hidráulica conectada à rede de esgoto. Na última sala visitada, a tubulação de cobre foi torcida e encurtada. “Roubaram”, diz Fernando.

Já no prédio principal, a cobertura de zinco se mantém. Deveria ser provisória, cumprindo seu papel de proteção enquanto os reparos no telhado eram feitos, mas já está lá há mais de um ano, fazendo com que quem olha acredite que seja permanente. “Ela foi feita assim para ser fácil de desmontar e transferir para outras partes da cobertura”, afirma o fiscal.

No prédio principal, as lonas que evitam a entrada da luz solar cobrem só algumas janelas. O porão do prédio é exposto em várias salas. Segundo Fernando, a empresa considerou necessário abrir o subsolo para limpá-lo e ver como estava a estrutura. O cheiro de umidade misturada com tinta é constate. No segundo andar, dentro de uma das salas onde o piso foi removido, brotos nascem do chão.

Um tapume foi erguido em certa parte do corredor principal. “A partir daqui nada foi feito. Podemos descer”, diz uma das fiscais.

Descendo as escadarias, o professor Wagner reflete sobre seu papel na escola. Aos 50 anos, decidiu deixar de lado a carreira na fotografia para fazer vestibular. Escolheu estudar Geografia. Fez pós-graduação e mestrado. Não demorou muito para entrar no Instituto. “O Sartori diz que não tem dinheiro nem para o meu salário. Mas garantiu os R$ 20 milhões restantes para a obra. E eu espero que garanta mesmo. Estamos perdendo muito sem esta estrutura. Muito.”

Heloiza diz que, depois de anos em sala de aula, até esquece das dificuldades pelo parcelamento de salários e atraso de benefícios. “Eu adoro dar aula. É o que eu gosto de fazer, é o que eu sei fazer. É a minha realidade.” Aos 66 anos, ministra suas 32 horas semanais no antigo Roque Callage. “Mas eu tenho ido dormir às 19h. Venho cansada. A escola é pequena demais pra tanto aluno. As salas são pequenas. É muito barulho – da rua, das outras aulas. Chego em casa e só quero descansar.”

Aposentada, ela revela preocupação com os colegas mais jovens da rede estadual. “É um descrédito muito grande gerado pelo que o governo vem fazendo de um modo geral. É o estado mínimo. É isso que está ocorrendo e isso me dói muito. No final, estamos dependendo de empresas.” E Heloiza completa sua linha de raciocínio: “Terceirizar? Somos seres humanos. Isso me dói muito. Tu tenta fazer o melhor em um trabalho que não te oferece dignidade”, resume.

Com o edital aberto, Fernando estima que não deva demorar mais de três meses para a retomada das obras. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Obras Públicas não respondeu aos esclarecimentos requisitados.

Atualização:

A Secretaria de Obras Pública encaminhou um documento com um histórico das obras, onde afirma que uma multa de 10%, em valores atualizados, foi aplicada aos serviços contratados. Além disso, informa que o edital publicado no início de abril tem abertura marcada para o dia 10/05/2018.

*Atualizada às 15:26 de 18 de abril de 2018

 

O professor de Geografia, Wagner Inocêncio. Foto: Guilherme Santos/Sul21
“Mudar para a Cabral foi bizarro. Tu via as mesmas pessoas mas num ambiente completamente diferente – ou nem via mais. É como uma perda de identidade”, afirma a estudante Clara de Moralles. Foto: Guilherme Santos/Sul21
O fiscal Fernando Ferth mostra pedaços do acabamento da parte externa que fora comprometidos por testes usano jatos de gelo seco e areia para limpar a fachada. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Foto: Guilherme Santos/Sul21
Foto: Guilherme Santos/Sul21

 


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